30/11/08

NOS 75 ANOS DA MORTE DO POETA



Pobre velha música!

Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

Fernando Pessoa,Cancioneiro

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O PRAZER DE LER - 90



juan gris

[Em Toda a Biblioteca há Espíritos ]


Penso que em toda a biblioteca há espíritos. Esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca. Assim, o acto estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O acto estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso. (...) Detenhamo-nos nesta ideia: onde está a fé do leitor? Porque, para ler um livro, devemos acreditar nele? Se não acreditamos no livro, não acreditamos no prazer da leitura. (...) Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho.

Jorge Luís Borges, in "Camões, por Jorge Luis Borges", jornal O Estado de São Paulo

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29/11/08

NOCTURNOS - 63



[sentir a noite]

Também nós paramos para sentir a noite
no instante em que o vento é mais nu : as ruas
estão frias de vento, todos os odores caíram;
as narinas erguem-se para as luzes que tremem.

Cesare Pavese, Fragmento de «Piaceri Notturni»
Trad. de Carlos Leite in Trabalhar Cansa, Ed. Cotovia

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28/11/08

DO FALAR POESIA - 89




Do poema



"A poem, as a manifestation of language and thus essentially dialogue, can be a message in a bottle, sent out in the - not always greatly hopeful - belief that somewhere and sometime it could was up on land, on heartland perhaps. Poems in this sense, too, are under way: they are making toward something."

Paul Celan


Um poema, como manifestação de língua e assim essencialmente diálogo, pode ser uma mensagem numa garrafa, enviada na - nem sempre muito muito esperançosa - crença de que algures, em algum momento, poderá atingir terra , talvez o coração da terra. Neste sentido, também os poemas estão a caminho : vão em direcção a algo.

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27/11/08

LER OS CLÁSSICOS - 103















Se eu estivesse convosco, senhor, lá longe, entre
[ os vossos camaradas,
talvez a vossa coragem diminuísse.

Levei muitos meses a tecer meus vestidos
de
[fino pano,
em vossa homenagem.
Sem dúvida, nunca os vestirei.

Renunciei às jóias, às pinturas. Renunciei às flores.

Mas contemplo os pássaros que voam aos pares
[ e invejo-os.

Ó meu esposo, quando se poderão encontrar

[os nossos olhares?

Tu Fu (712 -770)
Tradução de Cecília Meireles

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26/11/08

DESASSOSSEGOS - 79



Desassossego

Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do Universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem sol esperado que ilumine o futuro.

F.Pessoa.Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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25/11/08

OMNIA VINCIT AMOR -112



É isto. Ouve com atenção. Meditei sobre o amor, e esclareci tudo. Vi claramente o que está errado. Os homens apaixonam-se pela primeira vez. E por quem se apaixonam eles?
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:
- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.

Carson McCullers

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24/11/08

POETAS MEUS AMIGOS - 94



a chuva

(Aquellos ojos verdes)

A chuva distorce as luzes e as sombras,
e quase não se vê os rostos
do homem e da mulher que estão parados
na esquina, sob a marquise.

Talvez seja melhor assim;
pensar que os rostos ainda existem
porque a esquina ainda existe
e porque chove como antes.
Talvez seja melhor esquecer
que os rostos se desmancharam
como se fossem feitos de cera
ou de qualquer outra matéria pálida.

Daniel Francoy

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23/11/08

ESCREVER - 74

Invention, it must be humbly admitted, does not consist in creating out of the void, but out of chaos; the materials must, in the first place, be afforded: it can give form to dark, shapeless substances, but cannot bring into being the substance itself.

Mary Shelley (1797-1851)

Deve admitir-se, com toda a humildade, que a invenção não consiste em criar do nada, mas sim do caos; em primeiro lugar os materiais têm de estar lá: a imaginação pode dar forma a substâncias negras, informes, mas não pode criar a própria substância.
(trad. De M.Júlia G.Ribeiro)

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22/11/08

COISAS MINHAS/FOTOS

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POEMAS COM ROSAS DENTRO - 61




A rosa


A rosa,
a imarcescível rosa que não canto,
a que é peso e fragrância,a do negro jardim
[na alta noite,
a de qualquer jardim e qualquer tarde,
a rosa que ressurge da ténue
cinza através da arte da alquimia,
a rosa dos persas e de Ariosto,
a que sempre está só,
a que sempre é a rosa das rosas,
a jovem flor platónica,
a ardente e cega rosa que não canto,
a rosa inalcançável.

Jorge Luís Borges
Trad. Luís Quintais


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21/11/08

ANO VIEIRINO - 15



[neste momento decorre em Lisboa o Congresso Internacional Vieirino, comemorativo dos 400 anos do seu nascimento - http://www.anovieirino.com/]

“Porque nem a Primavera com as suas flores, nem o Estio com as suas espigas, nem o Outono com os seus frutos, nem o Inverno com os seus frios e neves, por mais tolhido e entorpecido que pareça, podem estar parados um momento. Passam as horas, passam os dias, passam os anos, passam os séculos, e se houvesse hieróglifo com que se pudessem pintar, havia de ser todos com asas, não só correndo e fugindo, mas voando e desaparecendo”.

Padre António Vieira - do “Sermão do primeiro domingo do Advento”, IV, pregado em 1650

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20/11/08

OS MEUS POETAS - 99











Voz

Vindo do oeste, ao fim da tarde,
era quase branco o pássaro que pousava
naquele jardim,
na árvore do pai.

E então,
como quem esquece as razões de uma
profunda mágoa,
eu podia adormecer serenamente,
ouvindo a sua voz nos ramos da cerejeira,
chamando devagar.

José Agostinho Baptista in Filho Pródigo
Assírio e Alvim, 2008

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19/11/08

LEITURAS - 93




À noite, Marie veio buscar-me e perguntou se eu queria casar com ela. Disse que tanto fazia, mas que, se ela queria, poderíamos casar - nos. Quis, então, saber se eu a amava. Respondi, como aliás já respondera uma vez, que isso nada queria dizer, mas que não a amava.
— Nesse caso, por que casar-se comigo? — perguntou ela.
Expliquei que isso não tinha importância alguma e que, se ela o desejava, nos poderíamos casar. Era ela, aliás, quem o perguntava, e eu me contentava em dizer que sim. Observou, então, que o casamento era uma coisa séria.
— Não — respondi.
Ela calou - se durante alguns instantes, olhando-me em silêncio. Depois, falou. Queria simplesmente saber se, partindo de outra mulher, com a qual tivesse o mesmo relacionamento, eu teria aceitado a mesma proposta.
— Naturalmente — respondi.
Perguntou então a si própria se me amava, mas eu, eu nada podia saber sobre isso. Depois de outro instante de silêncio, murmurou que eu era uma pessoa estranha, que me amava certamente por isso mesmo, mas que talvez, um dia, pelos mesmos motivos eu a decepcionaria. Como ficasse calado, nada tendo a acrescentar, tomou-me do braço sorrindo, e declarou que queria casar comigo. Respondi que sim, desde que ela quisesse.

Albert Camus, O Estrangeiro

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18/11/08

LER OS CLÁSSICOS -102




Pois nossas madres van a San Simon
de Vale de Prados candeas queimar,
nós as mininhas punhemos d’andar
com nossas madres, e elas enton
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.


Nossos amigos todos lá iran
por nos veer, e andaremos nós
bailand’ant’eles, fremosas en cós,
e nossas madres, pois que alá van,
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos iran por cousir
como bailamos, e podem veer
bailar moças de (mui) bom parecer
e nossas madres, pois lá queren ir,
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Pêro de Viviães - trovador galego-português
-s. XII

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17/11/08

O PRAZER DE LER - 89


Il.de Nickolai Kalmykov

[…]

Mas o mais divertido do livro é, tal como no Western Canon, o estilo apocalíptico de Bloom. Para o autor, a “arte de ler” está em perigo. Nas escolas não se ensina a ler, mas a analisar textos a partir de ideias marxistas, feministas, multiculturais, etc., e isto pode aniquilar muitos dos grandes escritores da História, como Camões que é, para Bloom, um machista convicto. A solução, já que os académicos destroem a literatura, passa pelos leitores comuns, que têm de entender a experiência única que um livro oferece, em comparação com a televisão ou os jogos de computador. Só assim se podem criar seres humanos conscientes, preparados para se enfrentarem a si mesmos e prontos para produzirem novas obras de génio.[…]

João Pedro Ferrão

In http://orgialiteraria.com/

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16/11/08

PÉROLAS - 149



Não há arroz
mas tenho na malga
uma flor
Matsuo Bashô

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15/11/08

DE AMICITIA -84

[Amizade Correcta]

O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos.

Séneca, in 'O Sábio e a Amizade'
Ao amigo Zef que faz hoje anos.

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14/11/08

POETAS MEUS AMIGOS - 93




cada palavra é uma máquina de guardar memórias
e em tempo de palavras ásperas o meu corpo
recolhe silêncios como passado

ouve, com que músculos faço os sonhos?


Maria Sousa
http://www.theresonly1alice.blogspot.com/

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13/11/08

OMNIA VINCIT AMOR -111


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CAMONIANAS - 49



No tempo que de Amor viver soía,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse num só fogo, não queria
O Céu, porque tivesse exprimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.

E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co peso descansou,
Por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tão cansado sofrimento!


Luís de Camões, Rimas/Sonetos

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12/11/08

LEITURAS - 92


Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel de Palma Bravo, o Engenheiro.Repare-se que tenho a mão direita pousada num livro antigo - Monografia do Termo da Gafeira - ou seja, que tenho a mão sobre a palavra veneranda de certo abade que, entre mil setecentos e noventa, mil oitocentos e um, decifrou o passado deste território. É nele que penso também - nisto tudo, na aldeia, nos montes em redor e nos seres que a habitam e que formigam ~´a em baixo, por entre casas, quelhas e penedos, à distância de um primeiro andar. Sou um visistante de pé (e em corpo inteiro, como numa fotografia de álbum), um Autor apoiado na lição do mestre, Lavatório de ferro à esquerda, mesa de trabalho à direita; em fundo, a porta com a espingarda e a cartucheira penduradas no cabide. Pormenor importante: enfrento a janela de guilhotina que dá para o único café da povoação, do outro lado da rua, e, mais para diante, vejo o largo, a estrada de asfalto e um horizonte de pinhais dominado por uma coroa de nuvens: a lagoa. Algures, no corredor, a dona de cas chama pela criadita.Temos, pois, o Autor instalado na janela duma pensão de caçadores. Sente vida por baixo e à volta dele, sim, pode senti-la, mas, por enquanto, fixa-se unicamente, e com intenção, no tal sopro de nuvens que é a lagoa. Não a vê dali, bem o sabe, porque fica no vale, para lá dos montes, secreta e indiferente.

José Cardoso Pires - O Delfim

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11/11/08

UM NOCTURNO ESPECIAL (62) PARA UM OUTRO NOCTURNO


para o nocturno com gatos

Azul da quase noite

Partes, o céu demora-se
a entardecer e a lassidão flutua
como as volutas do incenso a arder.
Saio à varanda, regresso
aos gestos que me fixam
e a gata no telhado
seguindo-me com o olhar.
Estamos bem assim, eu sozinha
no azul da quase noite,
ela em cima
no fulgor do dia que se esvai.
que hoje completa 5 anos a servir-nos tanta beleza

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OS MEUS POETAS - 98



[Quase Outono]

agora o outono chega, nos seus plácidos
meneios pelas vinhas, um dos vizinhos passa
um cabaz de maçãs por sobre a vedação:
redondas, verdes, o seu perfume vai
dentro de quinze dias ser mais forte.

a noite cai mais cedo e apetece
guardar certos vermelhos da folhagem
e amarelos e castanhos nas ladeiras
de setembro. a rádio fala no tempo variável
que vem aí dentro de dias. talvez caia

uma chuvinha benfazeja, a pôr no ponto certo
os bagos de uva. e há poalhas morosas, mais
douradas.
aproveita-se o outono no macio
enchimento dos frutos para colhê-lo a tempo.
devagar, devagar. é mais doce no outono a tua pele.


Vasco da Graça Moura

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10/11/08

DA EDUCAÇÃO - 41

Preservar o entusiasmo dos professores :

Margarida Miranda, professora do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tem-se dedicado ao estudo da pedagogia dos Jesuítas e publicou há pouco tempo a tradução que fez da Ratio Studiorum, que é a primeira tradução moderna em Portugal de tal obra.Lembrou ela, em sessão pública,(...)o especial cuidado com que no século XVI (sim, no século XVI!), se determinou, no âmbito desta pedagogia que os professores deveriam ser tratados para que pudessem ensinar bem.Depois de lermos as recomendações que se seguem, constantes das versões de 1586 e 1599 da Ratio, percebemos que alguns conhecimentos de pedagogia poderiam ajudar a decidir as políticas e medidas educativas.Obrigada, Margarida, pela partilha desse conhecimento.- [Eli]

[do Ratio Studiorum de 1586 /B]

Preservar a boa disposição dos professores

"Nada deve ser mais importante nem mais desejável (…) do que preservar a boa disposição dos professores (…). É nisso que reside o maior segredo do bom funcionamento das escolas (…)."
"Com amargura de espírito, os professores não poderão prestar um bom serviço, nem responder convenientemente às [suas] obrigações.

"Recomenda-se a todos os professores um dia de repouso semanal: "A solicitude por parte dos superiores anima muito os súbditos e reconforta-os no trabalho."

"Quando um professor desempenha o seu ministério com zelo e diligência, não seja esse o pretexto para o sobrecarregar ainda mais e o manter por mais tempo naquele encargo. De outro modo os professores começarão a desempenhar os seus deveres com mais indiferença e negligência, para que não lhes suceda o mesmo.

"Incentivar e valorizar a sua produção literária: porque "a honra eleva as artes."
"Em meses alternados, pelo menos, o reitor deverá chamar os professores (…) e perguntar-lhes-á, com benevolência, se lhes falta alguma coisa, se algo os impede de avançar nos estudos e outras coisas do género. Isto se aplique não só com todos os professores em geral, nas reuniões habituais, mas também com cada um em particular, a fim de que o reitor possa dar-lhes mais livremente sinais da sua benevolência, e eles próprios possam confessar as suas necessidades, com maior liberdade e confiança. Todas estas coisas concorrem grandemente para o amor e a união dos mestres com o seu superior. Além disso, o superior tem assim possibilidade de fazer com maior proveito algum reparo aos professores, se disso houver necessidade.

do "Ratio Studiorum (1599)"

I. 22. Para as letras, preparem-se professores de excelência
Para conservar (…) um bom nível de conhecimento de letras e de humanidades, e para assegurar como que uma escola de mestres, o provincial deverá garantir a existência de pelo menos dois ou três indivíduos que se distingam notoriamente em matéria de letras e de eloquência. Para que assim seja, alguns dos que revelarem maior aptidão ou inclinação para estes estudos serão designados pelo provincial para se dedicarem imediatamente àquelas matérias – desde que já possuam, nas restantes disciplinas, uma formação que se considere adequada. Com o seu trabalho e dedicação, poder-se-á manter e perpetuar como que uma espécie de viveiro para uma estirpe de bons professores.

II. 20. Manter o entusiasmo dos professores

O reitor terá o cuidado de estimular o entusiasmo dos professores com diligência e com religiosa afeição. Evite que eles sejam demasiado sobrecarregados pelos trabalhos domésticos.

...............
Nota:Agradeço à Eli ter-me dado conhecimento,em 6 deste mês, deste texto que se pode ler em
http://dererummundi.blogspot.com/2008/11/margarida-miranda-professora-do.html

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PENSAR - 88



A Mais Vil de Todas as Necessidades


A mais vil de todas as necessidades - a da confidência, a da confissão. É a necessidade da alma de ser exterior. Confessa, sim; mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos teus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que os segredos que digas, nunca os tenhas tido. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir.
Fernando Pessoa/Bernardo Soares- Livro do Desassossego

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09/11/08

poemas com rosas dentro - 60



Uma solitária nota musical

para Hölderlin


Se eu perder a memória, que pureza.
Nas ameias azuis vai-se arrastando a tarde,
retém seu ouro em malhas distantíssimas,
filtra a luz por uma fenda última, estende-se,
[denuncia-me
como um arco que treme sobre o ar aceso
Que esperava o silêncio? Príncípes da tarde,
[que palácios
pisou o meu pé, que nuvens ou recifes,
[que país estrelado?
Durou mais do que nós aquela rosa morta.
Que doce, ao ouvido é o rumor com que giram
[ os planetas da água.

Pere Gimferrerin
in antologia da poesia espanhola contemporânea
trad. josé bento

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08/11/08

Deixem-nos ser professores !



foto de ana candeias

Foram, dizem, entre 110 e 120 000 professores ...e a ministra continua a não querer ouvir

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PÉROLAS - 148




Gosto de ti como se gosta do sol,
e era bom ficar ao sol todo o dia



António Franco Alexandre

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07/11/08

PENSAR - 87



Quando o Homem Quer

Sim, o homem é o seu próprio fim. E é o seu único fim. Se quer ser qualquer coisa, tem de ser nesta vida. Agora sei, aliás, que embora conquistadores falem algumas vezes de vencer e de exceder, o que eles querem sempre dizer é «excederem-se». Suponho que sabem o que isto quer dizer. Em certos momentos, todos os homens se sentem iguais a um deus. É assim, pelo menos, que se diz. Mas isto vem do facto de eles terem sentido, num instante, a espantosa grandeza do espírito humano. Os conquistadores são somente aqueles homens que sentem a sua força, o bastante para terem a certeza de viver constantemente nessas alturas e na plena consciência dessa grandeza. É uma questão de aritmética, de mais ou de menos. Os conquistadores são os que podem mais. Mas não podem mais do que o próprio homem quando ele o quer. É por isso que eles nunca deixam o crisol humano, mergulhando no mais ardente da alma das revoluções.
Albert Camus, in "O Mito de Sísifo"

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06/11/08

NOCTURNOS - 61




Última Estação


[excerto inicial]

Poucas foram as noites de luar de que gostei.
O a-bê-cê dos astros que se soletra
Tal como o traz o penar do dia que se fina,
Dele se tirando novos sentidos e novas esperanças,

[ mais claramente pode ler-se.
Agora que aqui estou desocupado a meditar, poucas

[ luas me ficaram na memória;
As ilhas, a dorida cor da Virgem, o lento declinar
Do luar nas cidades do norte, que por vezes lança
Nas ruas agitadas, nos rios, nos membros

[dos homens,
Um pesado torpor.
No entanto, ontem à noite, neste nosso último cais
Onde aguardamos que amanheça a hora do regresso
Como uma antiga dívida, uma moeda que ficasse

[ durante anos
No cofre dum avarento, e por fim
Chegasse o momento de pagar e se ouvissem
Os cobres a tilintar na mesa,
Nesta aldeia tirrena, por detrás do mar de Salerno
Por detrás dos portos do regresso, no fim
Duma borrasca de Outono, a Lua furou as nuvens
E as casas na encosta da outra margem

[fizeram-se esmalte.
Silêncios que a lua ama.

[…]

Giórgos Seferis
Tradução: Manuel Resende

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05/11/08

Um homem bom








John Howard Griffin
( 1920 - 1980)


do «I have a dream »
ao «Yes (we) can! »


No momento em que um negro (mais propriamente um mestiço) alcança o lugar de presidente do Estados Unidos da América, dando corpo ao sonho de Martin Luther King e de tantos seus companheiros nos anos 60, é-me grato lembrar a figura de um homem bom que conheci e de quem sucedeu ser intérprete, como tradutora simultânea para o português, na Université de la Paix, fundada pelo dominicano, Prémio Nobel da Paz de 1958, Dominique Pire.
Chamava-se John Howard Griffin (podem saber mais sobre ele procurando no google). Era jornalista e um dia tomou medicamentos para ficar negro e conhecer, em directo, o que era ser negro nos USA de então. Da experiência, que implicava riscos assumidos de gangrena futura, saiu um livro que foi praticamente traduzido em quase todas as línguas - Black like me – em português
Na pele de um negro.

O livro acarretou-lhe tornar-se alvo do poderoso Ku Kux Klan. Contava ele que mudava frequentemente de lugar e de nome, colocava as filhas com nome do qual não constava o apelido do pai em escolas nos diversos lugares, etc. Acabaria por morrer, não de gangrena, mas de diabetes.

Foram também homens destes (que era branco) e outros (homens e mulheres) que teceram o sonho que culmina hoje com a eleição,para presidente da mais poderosa nação da terra, do primeiro negro (não gosto nada da designação de afro-americano, politicamente correcta, nessa novilíngua prevista por Georges Orwell). É-me grato recordar este homem bom, que conheci - e com quem colaborei durante uns dias nos anos sessenta.
_______________________
Sobre John H. Griffin:
http://en.wikipedia.org/wiki/John_Howard_Griffin

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OMNIA VINCIT AMOR - 110










[escrevo o poema que tem o teu nome]

porque tudo é sempre o teu nome, e mesmo nome de cidade. porque conto devagar os dias à espera que chegues, o barulho do motor do carro lá em baixo na rua, a tua silhueta crescendo na obscura cintilação dos candeeiros. porque sabes a fumo de cigarros e eu hoje ainda não sei se voltas, se esta casa já é tua, ou se o teu sorriso à despedida desapareceu devagarinho quando as luzes vermelhas fizeram a curva ao fundo da rua. porque deixaste a camisa abandonada no espaldar da cadeira, um sapato para cada lado, e o teu cheiro no sofá. já só guardo a camisa. azul. as mangas arregaçadas em duas dobras. porque me dizes, e eu fico desarmado, sem saber se és assim ou se sou eu que te vejo assim. porque pareces tudo mas também pareces demasiado, e ao pé de ti perco-me, e já não sei a minha idade, se sou novo ou velho, se envelheço de encontro à tua pele, ou se rejuvenesce em mim quando, de manhã, tenho vontade de te ver. porque amanhã não sei se ainda cá estou, se ainda cá estás, se vou ao encontro de outra cidade quando me telefonares, se alguma vez chegarás como quando vi o teu carro parar, tu abrires a porta, saíres, subires a rua devagarinho, e eu por um momento enrolar-me, como um sonho, como um desejo, na palma húmida da tua mão. porque os teus gestos são desastrados, porque tacteias à procura de uma firmeza que não sentes, porque fechas os olhos e eu não sei se ainda estou ao teu lado ou se estás sozinho na minha sala. porque hoje corri vezes sem conta para a janela, sem saber se virias, sem saber se eu queria que viesses.porque me amarás para sempre. porque me dizes que me amarás para sempre e eu acredito. mesmo quando não ficas. mesmo quando não vens. mesmo quando não voltas. escrevo o poema que tem o teu nome, mesmo se adivinho um nome de cidade no lugar dos dias.

Miguel b. - http://innersmile.livejournal.com/

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04/11/08

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 29



Desce em folhedos tenros a colina:
– Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina...

Oh vem, de branco – do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te.
Reflectir-te virgem a serena imagem.

De silva doida uma haste esquiva
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar cor-de-rosa viva!...

Ligeira a saia ... Doce brisa impele-a...
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo!
Alma de silfo, carne de camélia...


Camilo Pessanha. in Clepsydra

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03/11/08

DA EDUCAÇÃO - 40



[A tarefa do professor]

A tarefa do professor é outra: reconstruir, criticamente, a cultura, despertar a paixão pelo conhecimento, ensinar a descobrir e a indagar, ajudar a passar de uma mentalidade ingénua para uma mentalidade crítica, oferecer critérios para colocar o conhecimento ao serviço da sociedade, ensinar a pensar e a conviver…

Miguel Santos Guerra, No Coração da Escola
Cit. Em http://terrear.blogspot.com/

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02/11/08

COISAS MINHAS /FOTOS


...E, DE REPENTE
apeteceu-me colocar estas flores...em tempo que já não é o «da frol»...
[contaram-me que, na Lapónia, os habitantes decoram o interior das casas com flores durante a longa noite de meio ano...para não esquecer que as há , mesmo que as não vejam no exterior.]

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LER OS CLÁSSICOS - 100



[Conhece-te a ti mesmo]

"Escuta, preceptor do amor libertino:
Conduz os teus alunos ao meu templo.
Verão eles ali uma inscrição
cuja fama aos confins do universo
levou este conselho: Conhece-te a ti mesmo.
Só o homem que a fundo se conheça
pode amar sabiamente
porque é em relação às próprias forças
que mede cada empresa."

Ovídio- Arte de amar

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01/11/08

ANO VIEIRINO - 14





[Para Um Homem Se Ver a Si Mesmo ]


Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três cousas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que cousa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para essa vista são necessários olhos, é necessário luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

Padre António Vieira,in Sermão da Sexagésima

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