31/05/09

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» - 19















A vaidosa

Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de amor e de martírio.

Contam que tens um ar altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológico
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.

Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces .
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor... muito amor próprio.

Porto,1874

Cesário Verde

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30/05/09

LEITURAS - 112



[Rebeca]

"Sonhei, a noite passada, que voltara a Manderley. Pareceu-me ter ficado algum tempo diante do portão de ferro, fechado a cadeado. No meu sonho, chamei o porteiro: não obtive resposta; espreitei com atenção por entre os varões ferrugentos, e vi que a casa dele estava deserta.Pela chaminé não saía fumo algum. As janelas estavam abertas numa atitude de infinda tristeza. Então, como acontece nos sonhos, senti-me de súbito possuidora de poderes sobrenaturais e transpus, como se fora um espírito, aquela barreira. O caminho serpenteava na minha frente, com as mesmas curvas de outrora; contudo, à medida que nele me internava, notei alterações; mais estreito e descuidado, o caminho já não era aquele que tínhamos conhecido. A princípio fiquei perplexa, sem nada compreender; e só quando tive de baixar a cabeça para não roçar num galho de árvore percebi o que acontecera. A Natureza reconquistara os seus direitos e, pouco a pouco, na sua maneira insidiosa, invadira o caminho. A vegetação liberta triunfara. Plantas sombrias e rebeldes debruçavam-se para ele. As faias de troncos lisos e esbranquiçados, muito próximas umas das outras, entrelaçavam a ramaria, formando abóbada sobre a minha cabeça. E havia ainda outras árvores que não reconhecia: carvalheiras atarracadas, olmos tortuosos, emersos de terra silenciosa, em conjunto com outras plantas me pareciam monstruosas e de que não tinha a menor lembrança.A álea de outrora transformara-se em simples vereda, com o empedrado oculto pela invasão de musgo e ervas daninhas. Ramos baixos embaraçavam-me a marcha; raízes nodosas pareciam garras macabras... Aqui e ali, dispersos entre essa vegetação desordenada, reconhecia arbustos que nos tinham servido de marcos no nosso tempo; maravilhas de beleza e graça, famosos tufos azuis de hortênsias. Como nada lhes desembaraçava o desenvolvimento, asselvajaram-se, tornaram-se primitivas, elevando-se a alturas incríveis, mas sem flores, a folhagem sombria e feia como a das anónimas parasitas que lhes cresciam ao lado."

Daphne du Maurier - Rebeca- Trad. de Alda Rodrigues, Col. Dois Mundos, Lisboa, Edição Livros do Brasil .

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29/05/09

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 68



A rosa, no íntimo

Entro em teu breve sono, onde os minutos
são três pássaros líquidos e enormes,
e descubro os gelados aquedutos
guardiães do silêncio, enquanto dormes.

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos
de mundo e tempo, e vejo que possuis
em teus seios, dois bêbedos marujos
desesperados, sós, raros, azuis.

Enfim, além (no além de tuas pernas
onde Deus repousou a sua face,
cansado de inventar coisas eternas)

desvendo, ao desespero de quem passe,
a rosa que és, a mística e sombria
a noturna e serena rosa fria.

Carlos Pena Filho

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28/05/09

PORQUE NINGUÉM É UMA ILHA


FOI HÁ 20 ANOS - QUE ACONTECEU A ESTE HOMEM?
"A man disappeared; but he has shown us dignity and hope.
A man disappeared; millions of others will stand up."

Shao Jiang, student activist and witness to the events in Tiananmen Square in 1989.

ACTUE,VISITANDO O SITE DA AMNISTIA INTERNACIONAL
www.amnesty.org/ - ou assinando a petição
twenty-years-after-tiananmen-reveal-the-truth/petition_results/new

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OMNIA VINCIT AMOR - 125



memória minha


Durante um mês amámo-nos.

Foi-se embora depois creio que para Esmirna,
para lá trabalhar, e nunca mais nos vimos.
Ter-se-ão desfeado - se vive - os olhos cinzentos;
ter-se-á estragado o belo rosto.
Memória minha, guarda-os tu tais como eram.
E, memória, o que podes deste meu amor,
o que podes traz-me de volta esta noite.

K. Kavafis
trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis

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27/05/09

ESCREVER -78








[Escreve-se para quê?]

«Escrever é defender a solidão em que se está; é uma acção que brota somente do isolamento afectivo, mas de um isolamento comunicável, em que, exactamente pela distância de todas as coisas concretas, se torna possível um descobrimento de relações entre elas.
Mas é uma solidão que necessita de ser defendida, que é o mesmo que necessitar de justificação.
O escritor defende a sua solidão, mostrando o que nela e unicamente nela, encontra.
Se há um falar, - porquê o escrever?
Mas o imediato, o que brota da nossa espontaneidade, é algo pelo qual inteiramente não nos fazemos responsáveis, porque não brota da totalidade íntegra da nossa pessoa; é uma reacção sempre urgente, premente. Falamos porque algo nos compele e a ordem que nos é dada vem de fora, de uma armadilha em que as circunstâncias pretendem caçar-nos, e a palavra livra-nos dela. Pela palavra tornamo-nos livres,livres do momento, da circunstância assediante e instantânea.
Mas a palavra não nos recolhe, nem, portanto, nos cria e, pelo contrário, o muito uso que dela fazemos produz sempre uma desagregação; vencemos pela palavra o momento e depois somos vencidos por ele, pela sucessão dos momentos que vão levando consigo o nosso ataque sem nos deixar responder.


Escreve-se para reconquistar a derrota sofrida sempre que falámos longamente.»

Maria Zambrano, A Metáfora do Coração
Assírio e Alvim,1998

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26/05/09

POETAS MEUS AMIGOS - 105




dos olhos de meu pai

Tenho saudades dos olhos de meu Pai
eram um poço à roda, transparente, onde brincava à corda
sem sobressaltos.
A palmeira, em frente, era a guardiã da casa.

Minha mãe ensinava letras aos pássaros e aos pobres
no muro da praia do quintal
onde, às vezes, pousavam vozes em vez de rosas.
E fazia saias das calças de meu pai viradas do avesso
para levar à escola,
era um país de antigamente .

E uma bandeira foi crescendo para fora dos meus ossos
por detrás das grades,
em páginas de sol e liberdade.

Aprendo nos relâmpagos da chuva a palavra começo.
Sem os olhos de meu pai não conheço o vento
A enfeitar os galhos,

maria azenha - 2009,
ver também em bosque azul - http://coracaoazul-mariah.blogspot.com/

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25/05/09

APRESENTAÇÃO DE «DISPERSÃO» EM LEIRIA


Para ver melhor o convite para a apresentação do livro de Nuno Dempster,- clicar sobre a imagem, fazendo zoom.No dia 30 de maio, pelas 17:30, na Livraria Arquivo, em Leiria - apresentação de Henrique Fialho; leituras por Mercília Francisco.
Obs.: o livro será apresentado igualmente, por Amadeu Baptista, no dia 6 de Junho, no Porto- café Guarany, à Avenida dos Aliados, pelas 16:30; leituras por Maria Celeste Pereira.

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OS MEUS POETAS - 111












img:hopper

Natureza morta
pequenas coisas,moedas, um livro
um relógio, o colar
e um sono para esperar
pequenas coisas. Um cálice
para o açúcar, mas que seja
da melhor prata e antigo
como essas pequenas coisas
para esperar o sono: um colar
a marca da identidade
de meias palavras, que se entenda
quem pode assim essas coisas
no meio de uma noite
quente como um prenúncio,um livro
a parede aberta em diagonal
e um sono de pequenas coisas
identificáveis

Álvaro Pacheco

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24/05/09

FOTOPOEMA - 2


Quero escrever noções
Sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
Nada tenho mais a perder.


Clarice Lispector

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DO FALAR POESIA - 97


O tempo dos poetas menores está a chegar


O tempo dos poetas menores está a chegar. Adeus Whitman, adeus Dickinson, Frost. Bem - vindos vós cuja fama nunca passará da família mais chegada e talvez dois ou três amigos íntimos depois do jantar à volta de um jarrão de rude vinho tinto...enquanto as crianças adormecem e se queixam do barulho que fazes ao vasculhar os armários à procura dos teus poemas antigos com medo que a tua mulher os tenha deixado fora na limpeza da últrima primavera. Neva, diz alguém que espreitou a noite escura e que, depois, também se volta para ti e quando te preparas para ler. de uma forma teatral e uma face que cora , o longo e tortuoso poema de amor, cuja estrofe final (que não sabes) falta sem remissão.

Charles Simic - segundo Aleksan Ristovic

-in previsão do tempo para a utopia e arredores trad. de José Alberto Oliveira -Ass.e Alvim,2002

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23/05/09

OMNIA VINCIT AMOR - 123




Silêncio amoroso -II

Preciso do teu silêncio cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal pode me desamparar.
E se eu abrir a boca minha alma vai rachar.

O silêncio, aprendo, pode construir. É um modo
denso/tenso - de coexistir.
Calar, às vezes, é fina forma de amar.

Affonso Romano de Sant’Anna

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22/05/09

LEIRIA


Hoje é feriado municipal nesta cidade do Liz, onde vivo há 40 anos...


Balada do encantamento


Dentro de ti, oh Leiria
Dentro de ti, oh Leiria
Vive uma moira encantada
Vive uma moira encantada
Não sabe ser minha amada
Não sabe ser minha amada
E tem por nome Maria
E tem por nome Maria

Leiria foste um ladrão
Leiria foste um ladrão
Leiria do Rio Liz
Leiria do Rio Liz
Roubaste o meu coração
Roubaste o meu coração
E vê lá tu sou feliz
E vê lá tu sou feliz


Este é um fado de Coimbra escrito por um leiriense..Não encontrei nenhum bom vídeo no youtube, mas existe, pelo menos, este (pena que tenha sido feito num comício eleitoral):

http://www.youtube.com/watch?v=F4IYAfw0rhY

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O PRAZER DE LER - s/nº



[...]
Livros são espelhos. O acto de ler é, quase sempre, o acto de projectar perspectivas, visões, intenções, pensamentos sobre um texto. A literatura mediana é opaca, nela se lê só o que é dito, e nada mais. A literatura de qualidade é especular, nela mergulhamos não para topar com uma superfície, mas para nos afogar. Ela desafia, e não se cansa: nos pede mais e mais interpretações, mais e mais perguntas. Não tem superfície, mas profundidade. E exige a nossa ousadia.[...]

José Castello
( a propósito do livro «Natália» de Jussara Salazar)
Ler mais em http://incomunidade.blogspot.com/) –post de 11.12.08

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21/05/09

LER OS CLÁSSICOS -110


Michelangelo-David

Hino ao Falo

Ó compincha, do vinho bom amigo,
ó conviva das noites de folia,
sedutor de mulheres e rapazinhos!
Depois de cinco anos de serviço,
aqui estou a saudar-te. Que alegria!

Eis-me já de regresso ao domicílio.
Às malvas atirei, mais às urtigas,
aquilo de que fiz meu compromisso.
A paz, bem vês, assinei-o sozinho.
E os que fazem a guerra, que se lixem!

Quanto a mim, ó compincha, o que prefiro
é encontrar no bosque uma mocinha
- ou antes: surpreendê-la no delito
de lenha rapinar aos meus domínios -
e prendê-la, despi-la, possuí-la!

Ah! vem beber connosco do bom vinho,
vem beber esta noite, ó meu compincha!
Amanhã de manhã irei contigo
emborcar, pela paz, outro quartilho

- e o escudo pendurá-lo na cozinha.

Aristófanes -"As Acarnenses"
Tradução de David Mourão-Ferreira.

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20/05/09

CONVITE

«O MAR ATINGE-NOS» - UM CD BELÍSSIMO DA POETA E AMIGA MARIA AZENHA
(clique sobre a imagem para aumentar)
dia 24 de maio,domingo,na Livraria Barata
- às 16 horas
apresentação de Risoletta Pinto Pedro

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PENSAR - 95



porque a vida é assim

[...] coisas como o sentido da vida, a busca de uma transcendência, a morte e a passagem do tempo, o conflito das gerações e por aí fora, não têm mais importância do que pôr e tirar o chapéu, beber um copo de água, fumar um cigarro, dar uma gorjeta, colher uma flor ou coçar o nariz. A vida passa-se a todos os níveis e porventura mais nos que não conseguimos nomear. Ninguém vale mais que o outro, tudo conta e de tudo depende cada destino. Cada silêncio tanto como o que se diz. O infinitamente grande só se vê com um microscópio. Porque a vida é assim. [...]
Eu ainda choro com esta sensação de vida. Ainda não desisti de ser apaixonado. Já sinto passar o tempo, mas ainda não quero chegar à idade da sabedoria.

Luís Miguel Cintra

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19/05/09

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 34















Estátua

Cansei-me de tentar o seu segredo:
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo, -
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo,
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Camilo Pessanha - Clepsydra

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18/05/09

DA EDUCAÇÃO -50




Liberdade de ensinar e de aprender

«A liberdade nunca se perde de uma só vez. Perde-se gradualmente e, principalmente, amordaçando a liberdade de aprender e a liberdade de ensinar. É isso que nos ensina a história. A defesa da liberdade democrática que tanto nos custou a ganhar exige o respeito pela liberdade de educação.
(...) a verdadeira guerra pela democracia tem a ver com a liberdade de educação.»

Fernando Adão e Silva

Excerto de texto publicado em 28.03.2009 n0 Blogue da
SEDES - pode ser lido na integra em
http://www.liberdade-educacao.org/doc_familia/fafsedes.pdf

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17/05/09

OS MEUS POETAS- 111





Pietà

Agora completou-se o meu sofrimento
[e inominavelmente
dele estou repleta. Fico imóvel como o interior
da pedra fica imóvel.
Dura como estou, uma coisa apenas sei na minha dor:
Tu cresceste
e cresceste,
para te elevares
como dor desmedida

Muito para lá da medida do meu coração.
Agora jazes atravessado no meu colo,
agora já não Te posso
dar à luz.

Rainer Maria Rilke, A vida de Maria

Trad. por Maria Teresa Dias Furtado
Portugália editora/Poetas de Hoje-2008

Recomendo vivamente este livro, publicado na renascida Portugália.
Uma visão rilkeana da vida de Maria...

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16/05/09

REVIVALISMOS - 23


...et pour cause-:)


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POETAS MEUS AMIGOS - 104




Ponto sombra

porque
tenho fé e cumpro
a sina de andar pelos dias

caminho entre milhas
de distância e lugar nenhum

costumo limpar os sapatos
e a garganta antes de cada passo
ou grito

escrevo

ainda que
em algum momento apenas
anote a placa de verso que
por mim passou voando



Lau Siqueira

in Texto Sentido
também em http://www.lausiqueira.blogger.com.br/

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15/05/09

PÉROLAS - 163










Construí a casa sobre um chão de angústia
mas fi-la de modo a caber lá eu
e tudo o que trouxer de fora o coração.

António Rebordão Navarro
(encontrado em a voz da romãzeira,www.vozromazeira.blogspot.com)

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14/05/09

OS MEUS POETAS -110



Oculta Lágrima



Mesmo que retornasses a pisar
as ervas do caminho,
mesmo que as tuas mãos anunciassem
em concha água das fontes,
mesmo que em desatino
os sons da tua voz
como outrora se ouvissem perto ou longe
e mesmo que os teus olhos
languidamente para os meus olhassem -
só poderia responder-te agora
com uma oculta lágrima
que não foi derramada.

António Salvado, in "Essa Estória",
Portugália Editora,Lisboa, 2008,

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13/05/09

PENSAR - 94






Sementes caem...

Ano após ano as sementes caem na terra mas nem todas chegam a ser grandes árvores. A maior parte delas é comida por aves e outros animais assim que caem, ou quando começam a germinar e a sair da terra, ou quando são queimadas em incêndios... Se todas chegassem a ser árvores, cobririam a terra de tal maneira que não haveria espaço para outros seres. Num todo, a natureza está equilibrada e pode manter uma perfeita harmonia em tudo. Deste modo, um minúsculo elemento, uma semente, é o suficiente para crescer e manter a harmonia e criatividade no universo.

Högen Yamahata, mestre zen

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12/05/09

DESASSOSSEGOS - 89
















são os rios

Somos o tempo, somos a famosa
parábola de Heraclito,o Obscuro.
Somos a água, não diamante duro
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos esse rio
a olhar-se no rio. A sua imagem
muda na água do espelho entre as
margens,
no rio que varia, fogo cego.
Somos o rio vão, predestinado
runo ao seu mar. De fogo está cercado.

Tudo nos diz adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha moeda lesta.
E no entanto há algo que ainda resta

e no entanto ainda há algo que se queixa.

Jorge Luís Borges, in Os Conjurados

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11/05/09

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» - 18


Klimt,Judite

A Forca

Já que adorar-me dizes que não podes,
Imperatriz serena, alva e discreta,
Ai, como no teu colo há muita seta
E o teu peito é peito dum Herodes,

Eu antes que encaneçam os meus bigodes
Ao meu mister de amar-te hei-de pôr meta,
O coração mo diz - feroz profeta,
Que anões faz dos colossos lá de Rhodes.

E a vida depurada no cadinho
Das eróticas dores do alvoroço,
Acabará na forca, num azinho,

Mas o que há-de apertar o meu pescoço
Em lugar de ser corda de bom linho
Será do teu cabelo um menos grosso.

Cesário Verde
2 Abril, 1873

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10/05/09

LEITURAS -110







do filme Manhã Submersa, de Lauro António

Relembro ainda

Foi primeiro na aula de Latim do Padre Lino. Relembro ainda a sua face prismática, o seu falar cerzido, cerrado atrás dos dentes, como um medo invisível, as baionetas apontadas dos seus pequenos olhos azuis. Tratava-se de constituir dois exércitos, duas hostes, dois partidos, enfim. Os dois cabeças de partido, os dois 'generais', eram eleitos por escrutínio secreto. Como é óbvio, deveríamos escolher os dois alunos mais sabedores. E assim, os dois generais deveriam ser o Gaudêncio e o Lourenço. Mas acontecia que qualquer coisa neles - a sua gordura recente, aquele seu ar anegrado e plebeu, o escaroçado dos membros - encarvoava e embrutecia o seu saber. Não assim no Amílcar, que era filho de uma farda da Guarda Nacional Republicana., nem do Adolfo, que era filho de uma loja de comércio. Neles as regras e excepções do Latim tinham um brilho excepcional, eram mais verdadeiras, eram até desculpáveis, se estivessem erradas. A ciência dos outros era maciça e brutal. Mas a destes era leve, fina - mesmo na asneira. Ninguém nos indicou os nomes deles, e todos sabíamos que não eram eles os mais dignos do comando. E de novo falou a voz da nossa submissão. E. esmagados por uma necessidade antiga, rendidos e maravilhados, todos à uma votámos no Amílcar e no Adolfo. Lembro-me de que um voto desgarrado que me coube desatou uma trovoada de risos. Até o Padre Lino mostrou a serrilha breve dos dentes. Só tu, Gaudêncio, não riste. O voto era teu.

Vergílio Ferreira, Manhã Submersa.

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09/05/09

NADA SOU,NADA POSSO, NADA SIGO





fernando pessoa,cancioneiro - excerto

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08/05/09

LER OS CLÁSSICOS - 108












Que desvario que tudo perde assim!
Ah, Orfeu! De novo separados! Outra vez
Os destinos cruéis fazem que eu
volte. Já o sono da morte turva os olhos.
Toma conta de mim a noite imensa.
Adeus, Orfeu, as minhas fracas mãos
se estendem para ti, e não sou tua.

Virgílio - Geórgicas, IV,495-498
trad. de Agostinho da Silva

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07/05/09

DA EDUCAÇÃO - 49









«As gentes relacionadas com a escola devem evitar cair na ratoeira de pensar que uma preparação precoce para um mundo injusto requer uma exposição precoce à injustiça.»

Jeannie Oake

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POETAS MEUS AMIGOS - 103










chuva em dia de sol

Adoro a chuva em dia de sol;
não poderíamos desejar um final mais belo
para uma estação tão generosa,
diz ela, e do azul dos seus olhos
sai o silêncio que me invade e me queda.
É como ter uma nova pele, respondo,
o cinismo que havia se desvaneceu
nas cores do verão, e agora,
quando caem as derradeiras chuvas,
a sensação é de ser açucena
que se verga sob o sol
e quase sangra quando a tarde cai
e sobre cada pétala repousa a ternura
de um céu que começa a ficar rosa.

Daniel Francoy
- gere presentemente o blogue

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06/05/09

ESCREVER - 80











Para mim, o grande prazer da escrita não é o seu processo,
mas a música que as palavras criam.

Truman Capote

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05/05/09

OS MEUS POETAS - 109












Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado!

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei.
Fui-o outrora agora.

Fernando Pessoa

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04/05/09

PÉROLAS - 162




"Certaines paroles bouleversent tout le silence à vivre."

Andrée Chedid- Poèmes pour un texte

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01/05/09

QUE A VOZ NÃO TE ESMOREÇA


Maio, maduro maio

Maio, maduro maio quem te pintou

quem te quebrou o encanto nunca te amou

Raiava o Sol já no sul

e uma falua vinha lá de Istambul

Sempre depois da sesta chamando as flores

era o dia da festa Maio de amores

era o dia de cantar

e uma falua andava ao longe a varar

Maio com meu amigo quem dera já

sempre depois do trigo secantará

qu'importa a fúria do mar

que a voz não te esmoreça vamos lutar

Numa rua comprida el - rei pastor

vende o soro da vida que mata a dor

venham ver, Maio nasceu

que a voz não te esmoreça a turba rompeu

letra e música de Zeca Afonso

tb. em http://youtube.com/watch?v=gbdQDKO

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