LEITURAS - 112
[Rebeca]
"Sonhei, a noite passada, que voltara a Manderley. Pareceu-me ter ficado algum tempo diante do portão de ferro, fechado a cadeado. No meu sonho, chamei o porteiro: não obtive resposta; espreitei com atenção por entre os varões ferrugentos, e vi que a casa dele estava deserta.Pela chaminé não saía fumo algum. As janelas estavam abertas numa atitude de infinda tristeza. Então, como acontece nos sonhos, senti-me de súbito possuidora de poderes sobrenaturais e transpus, como se fora um espírito, aquela barreira. O caminho serpenteava na minha frente, com as mesmas curvas de outrora; contudo, à medida que nele me internava, notei alterações; mais estreito e descuidado, o caminho já não era aquele que tínhamos conhecido. A princípio fiquei perplexa, sem nada compreender; e só quando tive de baixar a cabeça para não roçar num galho de árvore percebi o que acontecera. A Natureza reconquistara os seus direitos e, pouco a pouco, na sua maneira insidiosa, invadira o caminho. A vegetação liberta triunfara. Plantas sombrias e rebeldes debruçavam-se para ele. As faias de troncos lisos e esbranquiçados, muito próximas umas das outras, entrelaçavam a ramaria, formando abóbada sobre a minha cabeça. E havia ainda outras árvores que não reconhecia: carvalheiras atarracadas, olmos tortuosos, emersos de terra silenciosa, em conjunto com outras plantas me pareciam monstruosas e de que não tinha a menor lembrança.A álea de outrora transformara-se em simples vereda, com o empedrado oculto pela invasão de musgo e ervas daninhas. Ramos baixos embaraçavam-me a marcha; raízes nodosas pareciam garras macabras... Aqui e ali, dispersos entre essa vegetação desordenada, reconhecia arbustos que nos tinham servido de marcos no nosso tempo; maravilhas de beleza e graça, famosos tufos azuis de hortênsias. Como nada lhes desembaraçava o desenvolvimento, asselvajaram-se, tornaram-se primitivas, elevando-se a alturas incríveis, mas sem flores, a folhagem sombria e feia como a das anónimas parasitas que lhes cresciam ao lado."
Daphne du Maurier - Rebeca- Trad. de Alda Rodrigues, Col. Dois Mundos, Lisboa, Edição Livros do Brasil .
Etiquetas: leituras
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