30/04/10

PARA O 1º DE MAIO

A poesia está na rua

O primeiro 1ºde maio em liberdade
- o de 1974 -
quadro/poster de M.Helena Vieira da Silva

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«ENSINOU A PENSAR EM RITMO» - 5



velut umbra

Fumo e cismo. Os castelos do horizonte
Erguem-se à tarde e crescem, de mil cores,
E ora espalham no céu vivos ardores,
Ora fumam, vulcões de estranho monte...

Depois, que formas vagas vêm defronte,
Que parecem sonhar loucos amores?
Almas que vão, por entre luz e horrores,
Passando a barca desse aéreo Aqueronte...

Apago o meu charuto quando apagas
Teu facho, ó sol... ficamos todos sós...
É nesta solidão que me consumo!

Ó nuvens do ocidente, ó coisas vagas,
Bem vos entendo a cor, pois como a vós,
Beleza e altura se me vão em fumo!


Antero de Quental - Sonetos

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29/04/10

NO DIA MUNDIAL DA DANÇA

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OS MEUS POETAS- 179

porcelana1

A história apócrifa da porcelana

A paixão pela porcelana, Europa do século XIX.
Serviços, elefantes e copos.
O mundo é vasto e bom,
Distinto, frágil, aristocrático.
E há algo para além disto,
O horizonte ergue-se transparente.
A América é só uma costa.
E a China um gato preto.
Montesquieu continua a redigir
As suas cartas sobre filósofos.
Os eruditos usam perucas
E as senhoras - flores.
Os soberanos não são dementes
E, no entanto, não são grandes inteligências.
Nenhum fantasma persegue a Europa
E o amor é fantasmagórico.
Infelizmente os poetas são de salão,
Felizmente os seus poemas não.
E a liberdade, como um jarro,
Está no centro do pensamento.
A nova história começa
Com fragmentos de porcelana.
Enterrada em pequenos elefantes brancos
Deixamos a idade da Razão para trás.

Ivan krustev
(versão de L.P a partir da tradução inglesa de Belin Tonchev )
In http://arspoetica-lp.blogspot.com/

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28/04/10

Velhos e novos Vampiros

Porque eles continuam por aí...talvez com roupagens novas.

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OMNIA VINCIT AMOR - 145

rosto-leonardo

Sobre o gesto

Além do gesto, senhora, a importância
decide a vida. Estrangula o choro,
refaz o sentido.

.........Senhora, o choro retrai
.........a angústia em restante medo.

Fosse o sono a dedilhar
a corda imensurável da música
de fundo, senhora. O choro
é o carrilhão desabalado do relógio
ao findar da corda.


Pedro Du Bois
http://pedrodubois.blogspot.com/

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27/04/10

CAMONIANAS - 62




Quem ora soubesse
Onde o Amor nasce,
Que o semeasse!


De Amor e seus danos
Me fiz lavrador;
Semeava Amor
E colhia enganos;
Não vi, em meus anos,
Homem que apanhasse
O que semeasse.

Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos pera os olhos,
Duros pera a vida;
Mas a rês perdida
Que tal erva pace
Em forte hora nace.

Com tanto perdi,
Trabalhava em vão:
Se semeei grão,
Grande dor colhi.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse.

Luís de Camões, Rimas -1595 (1ªed.-póstuma)

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26/04/10

DO FALAR POESIA - 112


eli-macieira

Chaque poème achevé devrait apparaître comme un caillou dans la forêt insondable de la vie ; comme un anneau dans la chaîne qui nous relie à tous les vivants.

Le Je de la poésie est à tous
Le Moi de la poésie est plusieurs
Le Tu de la poésie est au pluriel.

Andrée Chedid

Todo o poema acabado deveria surgir como uma pedra na floresta insondável da vida;como um elo na cadeia que nos liga a todos os viventes.
O Eu da poesia é de todos
O Me da poesia é vários
O Tu da poesia é no plural.


Trad.Amélia Pais
foto: eli

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25/04/10

FOI BONITA A FESTA,PÁ !*


2 cravos

A minha revolução

Ele há coisas que uma criança tem sérias dificuldades em compreender. Uma delas é perceber que não convém muito cantar nos transportes públicos as cantigas revolucionárias que o avô lhe ensina. As crianças não percebem nada de ditaduras caducas. Pelo menos eu não percebia.Em 25 de Abril de 1974 eu tinha quatro anos e um caso agudo de parotidite. O nome clínico faz a coisa parecer muito mais grave do que era na realidade – afinal o que eu tinha era só papeira. Não se guardam grandes memórias dessa idade, mas há coisas que recordo por entre algumas neblinas. Lembro-me de ter um mostrengo de um inchaço no pescoço, e da minha irmã não parar de gozar comigo. Lembro-me de ter acordado cedo e de ver o meu pai sentado na cama, debruçado sobre um pequeno rádio a pilhas. Lembro-me dele perguntar se alguém sabia do meu avô. Lembro-me dos meus pais me terem levado ao hospital, a Lisboa, e da janela de trás do Renault 10 ver por todo o lado soldados de armas na mão. Lembro-me do meu pai buzinar e acenar-lhes com dois dedos levantados em “V”. Lembro-me dos meus pais rirem muito um para o outro. Felizes.Em minha casa, até àquele dia, “política” tinha sido uma palavra feia, que evocava memórias dolorosas aos meus pais e à minha avó. O culpado era o meu avô, que teimava em desafiar o regime, cismando em conhecer-lhe as cadeias e os interrogadores da PIDE. A política, fazia-a ele às escondidas, tal qual como em casa me ensinava cantigas que um miúdo de quatro anos provavelmente não deveria aprender – hinos revolucionários e canções que falavam de Liberdade. Coisas que eu não imaginava o que fossem, mas que o meu avô sonhava um dia poder viver.Em minha casa, o 25 de Abril de 1974 foi, acima de tudo, a revolução do meu avô. António Emídio, um homem que sempre desprezou a mediocridade, viu derrocar um regime medíocre e bolorento. É verdade que só tinha quatro anos, mas mesmo sem perceber muito bem, nem como nem porquê, comecei naquele dia a olhar para o meu avô como quem olha para um herói de livros de quadradinhos. Faz hoje 30 anos que o vejo assim.
*ver/ouvir Chico Buarque em http://www.youtube.com/watch?v=PsJpeR2K-is

E é ainda bonito recordar esses dias de esperança de há 36 anos - agora, em tempo de regressada «austera, apagada e vil tristeza»...A crónica do depois,a fazer-se, será a do progressivo desencanto e perda da alegria desse dia.

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24/04/10

PÉROLAS - 194



Aprendi com as primaveras a me deixar cortar...
e voltar sempre inteira e renovada!

Cecília Meireles

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23/04/10

e ainda...
mais
15 000 = 215 000 visitas

Obrigada , remadores/as!

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NO DIA MUNDIAL DO LIVRO



... seduzem-me os livros abertos
........... e os olhos ardendo de palavras e sinais ...

António Cardoso Pinto

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22/04/10

«ACHAMENTO» DO BRASIL

No Dia em que se comemora o «achamento» do Brasil, a homenagem possível com esta "velha" e sempre nova canção de Ary Barroso.

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LEITURAS - 138

as cidades invisíveis

As cidades e os sinais. Tamara

O homem caminha durante dias pelo meio de árvores e pedras. Raramente o olho se detém sobre alguma coisa, e só quando a reconhece pelo sinal de outra coisa: uma pegada na areia indica a passagem do tigre, um pântano anuncia um veio de água, a flor do hibisco o fim do Inverno. Tudo o resto é mudo e intercambiável; árvores e pedras são só o que são.Finalmente a viagem conduz à cidade de Tamara. Entra-se nela por ruas pejadas de letreiros que sobressaem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas sim figuras de coisas que significam outras coisas: a tenaz indica a casa do arranca-dentes, a garrafa a taverna, a alabarda o corpo da guarda, a balança romana a ervanária. Estátuas e escudos representam leões golfinhos torres estrelas: sinal de que qualquer coisa - sabe-se lá o quê - tem por símbolo um leão ou golfinho ou torre ou estrela. Outros sinais avisam do que num local é proibido - entrar no beco com as carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com cana do alto da ponte - e do que é lícito - dar de beber às zebras, jogar à bola, queimar os cadáveres dos parentes. Da porta dos templos vêem-se as estátuas dos deuses, representados cada um com os seus atributos: a cornucópia, a clépsidra, a medusa, pelo que o fiel pode reconhecê-los e dirigir-lhes as orações certas. Se um edifício não tiver nenhum letreiro ou figura, a sua própria forma e o lugar que ocupa na ordem da cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a fundição da moeda, a escola de aritmética, o bordel. Até as mercadorias que os vendedores pôem em exposição nas bancas valem não por si próprias mas como sinais de outras coisas: a fita bordada para a fronte quer dizer elegância, a liteira dourada poder, os volumes de Averróis sapiência, a pulseira para o tornozelo volúpia. O olhar percorre as ruas como páginas escritas: a cidade diz tudo o que devemos pensar, faz-nos repetir o seu discurso, e enquanto julgamos visitar Tamara limitamo-nos a registar os nomes com que ela se define a si mesma e todas as suas partes.Como realmente é a cidade sob este denso invólucro de sinais, o que ela contém ou oculta, o homem sai de Tamara sem tê-lo sabido. Fora dela espraia-se a terra vazia até ao horizonte, abre-se o céu por onde correm as nuvens. Na forma que o acaso e o vento dão às nuvens o homem fica logo absorvido a reconhecer figuras: um veleiro, uma mão, um elefante...
cakvino, cidades
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis

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21/04/10

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» - 23

impossível

Impossível

Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham, com fórmulas legais;
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.

Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.

Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sonhar, quando vestida,p'ra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.

Posso sentir-te em fogo, escandecida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de Verão.

Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.

Eu tudo posso dar-te,tudo, tudo,
Dar-te a vida o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraque.

E até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande lotaria que passou,
Da boa, da espanhola.

Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
E rir dos miseráveis.

Nós podemos, nós dois, por nossa sina,
Quando o sol é mais rúbido e escarlate,
Beber na mesma chávena da China
O nosso chocolate.

E podemos até, noites amadas!
Dormir juntos dum modo galhofeiro,
Com as nossas cabeças repousadas,
No mesmo travesseiro.

Posso ser teu amigo, até a morte,
E sumamente amigo! Mas por lei,
Ligar a minha sorte à tua sorte,
Eu nunca poderei!

Eu posso amar-te como o Dante amou,
Seguir-te sempre como a luz ao raio,
Mas ir, contigo, a Igreja, isso não vou,
Lá nessa é que eu não caio!

Lisboa, 1874
Publicado no Diário da Tarde, Porto, 20 de Janeiro de 1874.


Cesário Verde

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20/04/10

PÉROLAS - 193

aliceflo5es

Ninguém vem na estrada, disse Alice.
"Quem me dera ter os teus olhos", respondeu o Rei agastado. "Para conseguir ver Ninguém!"

Lewis Carroll

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19/04/10

Casta Diva - Maria Callas

No Dia Mundial da Voz - o mais belo instrumento musical quando a voz é como esta:Maria Callas em Casta Diva (Norma - de Bellini)

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O PRAZER DE LER - 113



O que ler significa

O que a escola não ensina não é, talvez, o programa de leitura ou de não - leitura, mas o da vida com os livros. Não se trata exactamente do mesmo: às vezes não se lê o livro, ou começa-se sem o terminar, mas sabemos que ele está aí, e que em caso de necessidade podemos consultá-lo como a um companheiro. A escola deveria ensinar a diferença entre ler e viver com os livros. Muitas vezes só nos ensina uma única maneira de ler – da primeira à última linha – quando há muitas outras.

Debate entre Pierre Bayard e Umberto Eco – Ce que lire veut dire - em Le Magazine Littéraire,Junho de 2009,nº487
Fonte: -http://almocrevedaspetas.blogspot.com/

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18/04/10

OS MEUS POETAS - 178

o livro sapateiro

Poema 9.

Enquanto ponto a ponto coso
uma coisa a outra coisa
tornando um o que era dois ou mais
morreram tantas ........ tantas pessoas


E eu também morri
deixando as minhas mãos
e as partes que cosi

Pedro Tamen, O livro do sapateiro

ed.D.Quixote , 2010

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17/04/10

DE AMICITIA - 94






A amizade não precisa de palavras - é a solidão sem a angústia da solidão.

Dag Hammarkskjod
fonte:http://www.citador.pt/

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16/04/10

Jean Ferrat Paris Gavroche

LER OS CLÁSSICOS - 125



ANJO

Alma humana, formada
de nenhüa cousa feita,
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa!
Planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa,
onde se criam primores
mais que rosas!
Planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
é ser herdei da glória
que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
não durmais!
Um ponto não esteis parada,
que a jornada
muito em breve é fenecida,
se atentais.


ALMA

Anjo que sois minha guarda,
olhai por minha fraqueza
terreal!
de toda a parte haja resguarda,
que não arda
a minha preciosa riqueza
principal.
Cercai-me sempre ò redor
porque vou mui temerosa
de contenda.
Ó precioso defensor meu favor!
Vossa espada lumiosa
Me defenda!
Tende sempre mão em mim,
porque hei medo de empeçar,
e de cair

- exc. do Auto da Alma, de Gil Vicente



[ agora em representação no espectáculo Miserere, (encenação de Luís Miguel Cintra), no Teatro Nacional D. Maria II. Pode ver também uma representação e o texto integral em
http://www.citi.pt/gilvicenteonline/html/auto/frameset_alma.html]

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15/04/10

GAIVOTAS



Gaivotas

Do crespo mar azul brancas gaivotas
Voam — de leite e neve o céu manchando,
E vão abrindo às regiões remotas
As asas, em silêncio, à tarde, e em bando.

Depois se perdem pelo espaço ignotas,
O ninho das estrelas procurando:
Cerras os cílios, com teu dedo notas
Que elas vêm outra vez o azul furando.

Uma na vaga buliçosa dorme,
Uma revoa em cima, outra mais baixo...
E ronca o abismo do oceano enorme...

Cai o sol, como já queimado facho...
Do lado oposto espia a noite informe...
Tu me perguntas se isto é belo?... e eu acho...


Luís Delfino

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14/04/10

ESCREVER - 80




«Escrever é defender a solidão em que se está; É uma acção que brota somente de um isolamento afectivo, mas de um isolamento comunicável, em que, exactamente, pela distância de todas as coisas concretas, se torna possível um descobrimento de relações entre elas.
Mas é uma solidão que necessita de ser defendida, que é o mesmo que necessitar de justificação.
O escritor defende a sua solidão, mostrando o que nela e unicamente nela, encontra. Se há um falar -, porquê o escrever?
Mas o imediato, o que brota da nossa espontaneidade, é algo pelo qual inteiramente não nos fazemos responsáveis, porque não brota da totalidade íntegra da nossa pessoa; é uma reacção sempre urgente, premente.
Falamos porque algo nos compele e a ordem que nos é dada vem de fora, de uma armadilha em que as circunstâncias pretendem caçar-nos, e a palavra livra-nos dela. Pela palavra tornamo-nos livres, livres do momento, da circunstância assediante e instantânea. Mas a palavra não nos recolhe, nem, portanto, nos cria e, pelo contrário, o muito uso que dela fazemos produz sempre uma desagregação; vencemos pela palavra o momento e depois somos vencidos por ele, pela sucessão dos momentos que vão levando consigo o nosso ataque sem nos deixar responder.
É uma contínua vitória que, por fim, se converte em derrota. E dessa derrota, derrota íntima, humana, não de um homem particular, mas do ser humano, nasce a exigência de escrever.
Escreve-se para reconquistar a derrota sofrida sempre que falámos longamente.»


Maria Zambrano – Metáfora do Coração.

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13/04/10

NOCTURNOS -82



Do que nada se sabe


A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,
Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
E truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?

Jorge Luis Borges

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12/04/10

LEITURAS - 137



(...) E o cantoneiro disse. Às vezes costumo dizer. Amo as palavras bonitas, mas quando ouço certas coisas, ah punhão, apetece-me ir buscá-las ao fundo das tripas e do buraco que se chama recto. Ninguém. Ninguém se liberta de nada se não quiser libertar-se. E ainda disse. Mas aqui. Aqui ficam todos pelo desejo das coisas. Ah traição. (...)

Lídia Jorge -in O Dia dos Prodígios

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11/04/10













Rubayat
147
Quando cambaleares sob o peso da dor
quando já não tiveres lágrimas,
pensa na verdura dos campos, cintilante depois da
chuva
Quando o esplendor da luz te exasperar,
quando desejares que uma noite definitiva
se abata sobre o mundo,
pensa no despertar de uma criança.


Omar Khayyam

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10/04/10




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07/04/10



Pequena pausa.Volto já!

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OMNIA VINCIT AMOR - 144



A luz trocada em olhos que ficaram
subitamente cegos, e depois as palavras,
cautelosas, dizendo a seda
dos corpos sós. O desejo
foi polindo em silêncio
um fruto em busca da sua maturação.
A teu lado me deito e bebo a água
que tu me abres
e onde me perco e ardo e tudo.
Aqui tens o meu corpo cheio de mundo.
Amar-te é viagem que não se acaba
e contigo vou, para o alto
e para o fundo.


Casimiro de Brito

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06/04/10

DO FALAR POESIA -111



O poema não vem

O poema não vem quando se chama
Desobediência é sua inclinação
ou seu jeito de ouvir é uma brandura
que só percebe falar de coração

Aguardarei que a pedra
lançada ao lago no anoitecer
regresse reluzente à minha mão
e se diga palavra ou vento ou amanhecer


Licínia Quitério
http://sitiopoema.blogspot.com/

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05/04/10

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 81



Uma rosa e Milton

Das gerações das rosas desfolhadas
Que o fundo do tempo as viu se perderem
Quero uma salva dos que a esquecerem,
Uma entre as coisas sem signo ou marcadas
Que já foram. O fado tem-me posto
Este dom de nomear por vez primeira
Esta flor silenciosa, a derradeira
Rosa que aproximou Milton ao rosto,
Sem vê-la. Tu, branca, rosa ou vermelha
Ou amarela de um jardim fanado,
Deixa magicamente teu passado

Imêmore no verso qual centelha,
Ouro, sangue ou marfim ou tenebrosa
Como em tuas mãos, ó invisível rosa.


Jorge Luís Borges

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04/04/10

PÉROLAS -191



Lua cheia!
Por mais que caminhe,
O céu é de outro lugar.

Chiyo-jo

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03/04/10

PÁSCOA FELIZ !




e... UM ENOOOOOORME ovo,
cheiinho de amêndoas,para cada um dos meus queridos visitantes e amigos...

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OS MEUS POETAS -176



Levarás contigo meu último sopro
de poesia; depois uma nuvem carregada
de presságios funestos escurecerá
a luz que nos foi concedida.
Não foste um simples fulgor,
chegaste inesperada, voz de salvação.
Um som límpido os cristais
emitem quando o vento
os aflora, claridade
fá-los esplender como incandescentes
arco-íris, que iluminam em derredor.
Ao redor o mundo descolora.


Eugenio Montale

Trad. de Ivo Barroso

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02/04/10

PENSAR -111




"Se não acreditamos em coisa nenhuma, se nada tem sentido, se não podemos afirmar valor algum, tudo se torna possível e nada tem importância."

Albert Camus

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01/04/10

avril au portugal

Bem...todos sabem que é a versão francesa do célebre «Coimbra» que tantos cantaram...Aqui vai a letra, na esperança de que seja assim lindo - mas por aqui se diz também que em abril...águas mil (verdade que este ano é águas mil quase todo o inverno que terminou oficialmente a 21 de março:...bom, pelos vistos há mais abris do que a nossa vâ filosofia (aqui cantada) pode conceber. Cá vai, então, a letra francesa do Coimbra:

Avril au Portugal
Yvette Giraud

Je vais vous raconter
Ce qui m'est arrivé
Sous un ciel où l'été
S'attarde
Histoire d'amoureux
Voyage aventureux
Que pour les jours heureux
Je gardeUn grand navire à quai,
La foule débarquait
Deux yeux sous des bouquets
Regardent
L'amour devait rôder
Puisqu'on s'est regardés
Et que mon cœur s'est mis à chanter

...Avril au Portugal,
A deux c'est idéal,
Là-bas si l'on est fou,
Le ciel l'est plus que vous,
Pour un sentimental
L'amour existe-t-il
Ailleurs qu'au Portugal
En Avril.

Le soir sous mes yeux clos
Glissant au fil de l'eau
Je vois par le hublot
La rive
Des voiles de couleur
De lourds parfums de fleurs
Des chants de bateleurs
M'arrivent...

Tout ça berce mon cœur
D'un rêve de bonheur
Dont les regrets ailleurs
Me suivent,
L'amour devait savoir
En nous suivant le soir
Que j'aimerais un jour la revoir...

Avril au Portugal,
A deux c'est idéal,
Là-bas si l'on est fou,
Le ciel l'est plus que vous,
Mais sans penser à mal
Son cœur attendra t-il
Que j'aille au Portugal,
En avril.


Ora : Abril é sempre lindo, com chuva ou sem ela, porque as flores desabrocham em cada renovação.

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