31/12/07
PENSAR -71
Lou Andreas-Salomé, in Um olhar para trás
–Relógio d’Água, Lisboa, 1987
Para conhecer melhor a vida , pensamento e obra de Lou:- Stéphane Michaud, Lou Andreas Salomé , A aliada da vida - ed.ASA,Porto,2001
Etiquetas: pensar
30/12/07
OMNIA VINCIT AMOR - 91
não pares de me chamar
não pares de me chamar
faz de mim o sul dos teus rios
põe-me céus de vertigem nos dias
ou mares
põe-me mares nos instantes
e acende-me nos olhos
um bonito grito
como se eu fosse a madrugada
ou aquela hora
em que numa pedra branca
me desenhas o mundo
e eu me arrependo
de enlouquecer
leva-me
leva-me pelos telhados mais altos
e ensina-me os horizontes sem fim
as árvores antigas
onde as cores das estações se escondem
onde começam os caminhos
onde acabam as fugas
onde terminam as procuras
e dá-me as cidades
as mais longínquas
as que crescem das casas que sonhaste
e põe-me a teu lado
debruça-me nessas janelas
para nenhuma solidão
gil t. sousa - poemas
http://canaldepoesia.blogspot.com/
Etiquetas: omnia vincit amor
29/12/07
LEITURAS - 61
Etiquetas: leituras
28/12/07
DE AMICITIA - 66
anunciação
Amigo: a tua próxima presença
Anuncia-me o mistério ainda não revelado.
Virás como o sonho, na noite, caído sobre as pálpebras
E como a alvorada debruçada sobre o mundo...
Virás com o teu verbo quente e a tua mão leal
Para o aperto solidário que nenhum poder separará.
Virás juntar a tua vida à minha vida,
Comer o mesmo pão, sugar o mesmo sol.
E virás, com o silêncio das horas em que as nossas bocas
[ não saberão falar,
Para selarmos num poema eterno o milagre das nossas almas
[ reveladas,
A fecundar a poesia viva as nossas vidas que não queremos estéreis
[e ignoradas.
Vasco Miranda
(de Luz na Sombra, 1946)
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27/12/07
CAMONIANAS - 40
O sulmonense Ovídio, desterrado
O sulmonense Ovídio, desterrado
na aspereza do Ponto, imaginando
ver-se de seus parentes apartado,
sua cara mulher desamparando,
seus doces filhos, seu contentamento,
de sua pátria os olhos apartando;
não podendo encobrir o sentimento,
aos montes e às águas se queixava
de seu escuro e triste nacimento.
O curso das estrelas contemplava
e como, por sua ordem, discorria
o céu, o ar e a terra adonde estava.
Os peixes pelo mar nadando via,
as feras pelo monte, procedendo
como seu natural lhes permitia.
De suas fontes via estar nascendo
os saudosos rios de cristal,
à sua natureza obedecendo.
Assi só, de seu próprio natural
apartado, se via em terra estranha,
a cuja triste dor não acha igual.
Só sua doce Musa o acompanha,
nos versos saudosos que escrevia,
e lágrimas com que ali o campo banha.
Destarte me afigura a fantasia
a vida com que vivo, desterrado
do bem que noutro tempo possuía.
Ali contemplo o gosto já passado,
que nunca passará pola memória
de quem o tem na mente debuxado.
Ali vejo a caduca e débil glória
desenganar meu erro, coa mudança
que faz a frágil vida transitória.
Ali me representa esta lembrança
quão pouca culpa tenho; e me entristece
ver sem razão a pena que me alcança.
Que a pena que com causa se padece,
a causa tira o sentimento dela;
mas muito dói a que se não merece.
Quando a roxa manhã, fermosa e bela,
abre as portas ao Sol, e cai o orvalho,
e torna a seus queixumes Filomela;
este cuidado, que co sono atalho,
em sonhos me parece; que o que a gente
para descanso tem, me dá trabalho.
E depois de acordado, cegamente
- ou, por melhor dizer, desacordado,
que pouco acordo tem um descontente -
dali me vou, com passo carregado,
a um outeiro erguido, e ali me assento,
soltando a rédea toda a meu cuidado.
Depois de farto já de meu tormento,
dali estendo os olhos saudosos
à parte aonde tenho o pensamento.
Não vejo senão montes pedregosos;
e os campos sem graça e secos vejo
que já floridos vira e graciosos.
Vejo o puro, suave e brando Tejo,
com as côncavas barcas que, nadando,
vão pondo em doce efeito seu desejo:
üas co brando vento navegando,
outras cos leves remos, brandamente
as cristalinas águas apartando.
Dali falo co a água, que não sente,
com cujo sentimento a alma sai
em lágrimas desfeita claramente.
Ó fugitivas ondas, esperai!
que pois me não levais em companhia,
ao menos estas lágrimas levai;
até que venha aquele alegre dia
que eu vá onde vós is, contente e ledo.
Mas tanto tempo quem o passaria?
Não pode tanto bem chegar tão cedo,
porque primeiro a vida acabará
que se acabe tão áspero degredo.
Mas esta triste morte que virá,
se em tão contrário estado me acabasse,
a alma impaciente adonde ira?
Que, se às portas tartáreas chegasse,
temo que tanto mal pola memória
nem ao passar de Lete lhe passasse.
Que, se a Tântalo e Tício for notória
a pena com que vai, que a atormenta,
a pena que lá tem terão por glória.
Esta imaginação me acrecenta
mil mágoas no sentido, porque a vida
de imaginações tristes se sustenta.
Que pois de todo vive consumida,
por que o mal que possui se resuma,
imagina na glória possuída,
até que a noite eterna me consuma,
ou veja aquele dia desejado,
em que Fortuna faça o que costuma;
se nela há i mudar um triste estado.
Luís de Camões.Rimas-Elegias
Etiquetas: camonianas
26/12/07
PENSAR - 70
"Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só."
Rainer Maria Rilke
Etiquetas: pensar
25/12/07
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio
nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos
por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,
e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.
Pedro Tamen
Lido em http://aguarelast.blogspot.com/
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POETAS MEUS AMIGOS - 68
Prece
dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avoluman algum
sorriso mesmo
que não seja para mim
dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve
dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmude em ilusão
dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
imensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios
Adair Carvalhais Júnior - http://adairjr.multiply.com/
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24/12/07
outra mensagem de natal
Frei Betto - mensagem publicada no jornal «Estado de Minas», de 14/12/2006
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23/12/07
LER OS CLÁSSICOS - 76
Quando um homem, quer tenda para os rapazes ou para as mulheres, encontra aquele mesmo que é a sua metade, é um prodígio como os transportes de ternura, confiança e amor os tomam. Eles não desejariam mais separar-se, nem por um só instante. E pensar que há pessoas que passam a vida toda juntas, sem poder dizer, diga-se de passagem, o que uma espera da outra; pois não parece que seja o prazer dos sentidos que lhes faça encontrar tanto encanto na companhia uma da outra. É evidente que a alma de ambas deseja outra coisa, que não pode dizer, mas que adivinha e deixa adivinhar.
Platão, in 'O Banquete'
Etiquetas: ler os clássicos, omnia vincit amor
21/12/07
ESCREVER - 60
St. António pregando aos poetas
podia aqui falar
de mais um dia a tentar vencer o tédio
mas
seriafácil.
falarei antes
da importância de escrever
com poucos
adjectivos:
escrever
com poucos adjectivos
é importante,
utiliza-os com peso
e medida.
se a necessidade de escrever
com adjectivos surgir
pousa a caneta
e espera
que a vontade passe.
não há nada pior que
um adjectivo.
assemelha-se a uma pedra
nos rins: imóvel
mas que
a qualquer momento
se pode soltar
tornando o teu dia
insuportável.
manuel a. domingos
http://meianoitetododia.blogspot.com/
Etiquetas: escrever
«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 19
Caminho
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.
Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabeças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...
Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.
Camilo Pessanha - Clepsydra
Etiquetas: sentir veladamente
20/12/07
GOSTEI DE LER
O JAPÃO NO FEMININO
2 livros de poesia feminina japonesa - gostei de ambos, mas preferi o relativo aos s.IX-XI, o Tanka
Tanka: séculos IX-XI ; Haiku –s.XVII-XX
Trad. Luísa Freire ; Ed.Assírio e Alvim,2007
Etiquetas: recomendo
LEITURAS - 60
"Ema gostava do mal como se gosta duma iguaria fina... Era o seu cadastro antiquíssimo, esse mal que a mulher mistura a todos os actos, a todas as delícias, deveres, condições, sofrimentos. Mas não era possível imaginá-la a realizar o mal; só a macerar o coração dos homens nessa espécie que salga a terra e a faz fecunda."
"Às vezes Ema pensava que a vida dela estava acabada e que não lhe restava senão resignar-se, engordar e dedicar-se a promover a carreira do marido. Tentou perceber quais eram os horizontes dele, e o que viu deixou-a prostrada."
Agustina Bessa Luís - in Vale Abraão
Etiquetas: leituras
19/12/07
TAMBÉM NESTE ESPAÇO O MEU CARTÃO DE BOAS FESTAS
Que o Natal e 2008 nos/vos sejam ocasião de alegrias e de esperança.
Etiquetas: outros
NOCTURNOS - 44
Bebo sozinho ao luar
Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à lua:
com ela e a minha sombra, já somos três pessoas.
Mas a lua não bebe, e minha sombra imita o que faço.
A sombra e a lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a lua vacila.
Quando danço, a minha sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
Depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via Láctea.
Li Po
Etiquetas: de amicitia, nocturnos
18/12/07
UMA ATITUDE SE IMPÕE:AFRONTAMENTO - 7
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
Pablo Neruda
Etiquetas: afrontamento
17/12/07
POEMAS COM ROSAS DENTRO - 46
Quando tu vens ao meu encontro
sorrindo
Rosa precipitada
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se
Ana Hatherly
Etiquetas: poemas com rosas dentro
16/12/07
15/12/07
LER OS CLÁSSICOS - 77
Letrilha
e ria-se a gente.
do mundo e mais monarquias
que hão-de governar meus dias
só manteiga e pão bem fresco,
e pelas manhãs de inverno
laranjada e aguardente,
e ria-se a gente.
Coma em dourada vasilha
o Príncipe mil cuidados
como pílulas dourados,
que em minha pobre mesinha
antes quero uma morcela
que no assador rebente,
e ria-se a gente.
Quando cubra as montanhas
de branca neve o janeiro,
que eu tenha cheio o braseiro
de bolotas e castanhas,
e quem me conte as patranhas
do Rei que morreu demente,
e ria-se a gente.
Passe à meia-noite o mar
e arda em amorosa chama,
Leandro por sua dama.
Que eu antes quero passar
do golfo do meu lagar
a branca ou roxa corrente,
e ria-se a gente.
Pois que Amor é tão cruel
que a Píramo e sua amada
deu por tálamo uma espada
onde se unam ela e el',
seja-me Tisbe um pastel
e a espada seja meu dente,
e ria-se a gente.
Luis de Gôngora- trad. de Jorge de Sena
Etiquetas: ler os clássicos
14/12/07
POETAS MEUS AMIGOS - 67
Se fosse Deus, pintava um quadro:
uma porta meio aberta e a escadaria suave;
no cimo, a minha mãe.
E arranjava maneira de o sorriso dela estar a dizer:
a porta está como a deixaste e
sei que me levaste os olhos.
Não dava nome ao quadro e
todos iam entender que era o retrato do céu.
Zef – in a voz da romãzeira - http://www.vozromazeira.blogspot.com/
Etiquetas: poetas meus amigos
13/12/07
DA EDUCAÇÃO - 33
Hanna Arendt
Etiquetas: da educação
12/12/07
LEITURAS - 59
Etiquetas: leituras
11/12/07
O PRAZER DE LER - 74
Meus Livros
Meus livros (que não sabem que eu existo)
São parte de mim como este rosto
De fontes grises e de grises olhos
Que inutilmente busco nos cristais
E que com a mão côncova percorro.
Não sem alguma lógica amargura
Penso que as palavras essenciais
Que me expressam se encontram nessas folhas
Melhor assim. As vozes dos mortos
Vão me dizer para sempre.
Jorge Luis Borges
Etiquetas: o prazer de ler
10/12/07
DO FALAR POESIA -74
Do poema
Um poema, como manifestação de língua e, assim, essencialmente diálogo, pode ser uma mensagem numa garrafa, enviada na - nem sempre muito esperançosa – crença de que algures, em algum momento, possa atingir terra, talvez o coração da terra. Neste sentido, também os poemas caminham : vão em direcção a algo.
Paul Celan
Etiquetas: do falar poesia
09/12/07
PÉROLAS - 121
A recordação é uma forma de reencontro.
Kahlil Gibran
Etiquetas: pérolas
08/12/07
NOCTURNOS - 43
«Unda repercussae radiabat imagine lunae
Et nitor in tacita nocte diurnus erat»
Etiquetas: ler os clássicos, nocturnos
07/12/07
DESASSOSSEGOS - 65
Eu não penso, não me queixo, nem discuto,
nem durmo.
Não desejo nem sol, nem lua, nem mar,
nem barco.
Não penso no calor que faz entre estas
paredes,
nem como o jardim está verde;
e esse presente, que tanto desejei,
já não o espero.
Não me anima nem a manhã, nem o eléctrico
o seu tilintar alegre,
vivo sem ver o dia, esquecendo-me, do tempo,
o ano e a hora.
Sobre uma corda estragada,
eu danço – pobre dançarina.
sou a sombra de uma sombra. Sou lunar
de duas sombrias luas.
Marina Tsvétaïeva -in E cantou como canta a tempestade
tradução: António Mega Ferreira -ed.Assírio e Alvim,2007
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06/12/07
CAMONIANAS -39
img.jardins suspensos da Babilónia
Junto dos rios da babilónia*
Nas margens dos rios imaginando pontes
Quando já só no nosso pensamento deslizavam
Debaixo da sombra das nossas liras
Ali nos pediam - em solo alheio -
Que cantássemos canções da nossa terra.
Como poderíamos cantar a nossa infância
Tão longe, num país estranho?
Os salgueiros têm folha persistente
Sob a sombra persistente a mudez
Junto dos rios da Babilónia
Foi a única das nossas alegrias
Daniel Faria
*inspirado nas redondilhas ditas De Babel e Sião ou Sobre os rios que vão - ver tag-etiqueta-camonianas-8- de 7.01. 2006
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05/12/07
O PRAZER DE LER - 73
picasso
"Quem lê tudo não entende nada, disse ele. Não é necessário ler todo o Goethe, todo o Kant, nem mesmo é necessário ler todo o Schopenhauer; alguns páginas do Goethe, algumas páginas das Afinidades Electivas e no fim sabemos mais dos dois livros do que se os tivéssemos lido do princípio ao fim, o que, em qualquer dos casos nos priva do mais puro deleite. Mas para se chegar a esta drástica autoalimentação é preciso ter tanta coragem e tanta capacidade intelectual que só muito raramente isso é possível e nós mesmos só muito raramente o conseguimos; a pessoa que lê é, como a carnívora, de uma abjecta voracidade e arruína, como a carnívora o estômago e toda a saúde, a cabeça e toda a existência intelectual. Mesmo um ensaio filosófico compreendemo-lo melhor quando não o devoramos por completo de uma só vez, mas apenas debicamos um pormenor, a partir do qual, se tivermos sorte, chegamos depois ao todo."
encontrado em http://www.palavrasdatribo.blogger.com.br/
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04/12/07
OS MEUS POETAS - 80
[…] no centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado,tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte […].Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. […] Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto —aqui sentado, jumto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
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03/12/07
LEITURAS - 58
Etiquetas: leituras
02/12/07
POETAS MEUS AMIGOS - 66
Defronte a mim Ítaca. Mas era esta? Ou outra? Ou
Quefalónia? Ou quê? Mas é pátria, a pátria sempre
buscada, nunca encontrada. O retorno impossível, anos
a fio. E, de súbito, ei-la. E não é ela. Que pátria temos?
O mundo, a terra? Estamos no mundo até ao pescoço,
unha com carne nós e o mundo. E porém não somos
deste mundo. Inacessível pátria, não ta dão gritos,
bandeiras, cores, aplausos. Outros que a ordenhem
assim. Dela recordas a face agora oculta, a terra que
amaste, a que se retirou. Quem dela regressará?
Aurélio Porto - Antisamos, Quefalónia, 22.05.05Tróia, Setúbal, 13.07.06
(in O Sopro A Mãe A Grécia - 22 sonetos e dois prosopoemas)
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01/12/07
PORQUE ELE APENAS DEIXOU DE SER VISTO
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
[De TABACARIA,seguramente um dos mais belos poemas do mundo]
Álvaro de Campos.Fernando Pessoa -1928
foto ana assunção
Etiquetas: fernando pessoa