12/12/07

LEITURAS - 59

(...) Durante certo tempo, esta pintura encontrou-se presente em todos os meus pensamentos e partilhou da minha vida. Escondi-a numa gaveta: ninguém deveria dar com ela e pôr-me a ridículo; mas, mal ficava a sós no meu quartinho, ia buscá-la e conversava com ela. À noite, por meio de um alfinete, pendurava-a no papel da parede, em frente, por sobre a cama, e contemplava-a até adormecer; de manhã, o meu primeiro olhar recaía sobre ela. Foi precisamente por aquela época que recomecei a sonhar muito, como em criança sempre sucedera. Parecia-me que não sonhara durante anos. Elas surgiam de novo, as imagens, totalmente diferentes e, repetidamente, aparecia ali a figura pintada, com vida e falando, ora amável ora hostil, quer num esgar, quer infinitamente bela, harmoniosa e preciosa.Certa manhã, ao acordar daqueles sonhos, reconheci-a subitamente. Olhava-me de um modo fabulosamente familiar parecia pronunciar o meu nome. Dava-me a sensação de me conhecer tão bem como uma mãe, de ter cuidado de mim desde sempre. De coração descompassado, fixava o olhar na folha: os cabelos castanhos, a boca meio feminina, a testa desenvolta e com aquela peculiar luminosidade (...) e senti avizinhar-se o reconhecimento, a recordação, o saber.(...)
Hermann Hesse -Demian

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