30/04/11

POETAS MEUS AMIGOS - 150

na paisagem


A chuva


ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
e.e.cummings

e chove
tua cidade esconde a serenidade de saber-te ali
ao alcance do meu grito mais suave
entre caminhos de vozes e ventos cuja cor chora 
desistência dos sonhos
e ama
tua chuva cai em meus cabelos como aquelas flores
pintadas nos jardins de Uffizi - enquanto choves
diz ao meu desejo: qual a estação do teu olhar -
ao meu recordo no ciclo entre mim e as nuvens
 e lembra
aqui era o sereno feito corpo mais que sentimento
quando os grilos encantavam as águas em outro ermo -
 apenas o teu nome sabe a imensa e minha loucura -
e ousa
se ousares abre mais essa janela que o caibro
........................................  [esconde
e voa sobre as palmas - as mãos de chuva nos
..................................... ....[meus olhos
e acalenta
estas palavras como sempre e nunca -
e esquece

Lilia Silvestre Chaves

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29/04/11

(reposição)

«o tempo cobre o chão de verde manto
que já coberto foi de neve pura»

(poema completo em coisas minhas-7-22.02.2005)

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28/04/11

Think different


a «divina loucura» de pensar diferente...

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27/04/11

DESASSOSSEGOS - 117

moço ausente- n.iorque


Quando vier

Sei que darei ao meu corpo os prazeres que ele
................................................ me exigir.
Vou usá-lo, desgastá-lo até ao limite suportável,
para que a morte nada encontre de mim quando vier.

Al Berto

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26/04/11

LER OS CLÁSSICOS - 141

autores


"Há uma palavra que nos livra de toda a dor e peso da vida.
 A palavra é amor."

Sófocles – s.V a.C.

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25/04/11

José Afonso - Canto Moço



...para que, filhos e netos da madrugada, possam reacender as chamas que dão vida pela noite inteira...

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Foi a chamada revolução dos cravos


liberdade

Completam-se 37 anos sobre esse dia glorioso que não se apagará da memória da minha geração. Vivi, nesses anos iniciais, as maiores alegrias cívicas da minha vida. Era o tempo da alegria e da esperança... que o tempo e os homens acabaram por ir desfazendo.

Hoje pouco resta da alegria de então. É que, e lembrando uma velha cantiga da época, «cravo vermelho ao peito / a todos fica bem / sobretudo faz/fez jeito / a certos filhos da mãe». Diria mesmo que a muitos foi fazendo jeito...

Resta-nos ainda a vaga esperança de  que a  indignação se faça, dado que o direito a ela já foi proclamado. E que saiamos uma vez mais, e agora definitivamente, da «austera, apagada e vil tristeza». Ela não é uma fatalidade.

E que novos «filhos da madrugada» venham reacender a chama, como no Canto Moço do Zeca Afonso. 

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24/04/11



efemerides

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ALELUIA!

23/04/11

RESSURREIÇÃO

flores


Ressurreição

Volto a cantar, e voltam-me à memória
As rústicas imagens,
Que guardei na retina
De menino:
O repique do sino
Depois das negras horas da Paixão,
E a brejeira
Canção
Que num toco
Já oco
De cerdeira
- Flauta que um pica-pau lhe dera -
A seiva assobiava à Primavera...»


Miguel Torga in Diário VIII (1959)

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NO DIA MUNDIAL DO LIVRO

coleholeitor


Para que serve a literatura

«Lemos porque, mesmo se ler não é imprescindível para se viver, a vida se torna mais livre, mais clara, mais vasta para aqueles que lêem do que para aqueles que não lêem».

Antoine Compagnon.
Cit. Em http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/

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22/04/11

PIE JESUS -por Sarah Brightman


Da obra-rock Jesus Christ Superstar, de Andrew Lloyd Weber
- inspirado no hino bíblico Dies Irae

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PÉROLAS - 224

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Aprendi com as primaveras a me deixar cortar...
e voltar sempre inteira e renovada!

Cecília Meirelles

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21/04/11

ESCREVER - 95

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O Que é Escrever ?

Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de indignação social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque a poética precisão de dum acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.

Agustina Bessa-Luís
in "Contemplação Carinhosa da Angústia"

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20/04/11

REGRESSO

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Regresso

O lento amanhecer de uma tarde de junho
pode trazer essas feridas antigas,
ilusão do regresso à partilha das águas,
ao fogo que

nenhuma distância arrefece.

Quem não merece
o amor?


José Carlos Barros
in a casa da Cacela - http://casa-de-cacela.blogspot.com/

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19/04/11

O Tejo é mais belo ...

autores

foto de ana assunção

Poema XX

O Tejo é mais belo que o rio que corre
...................................    pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre
......................................pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.


O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.


O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.Mas poucos sabem qual
................................ é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.


E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.


Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.


O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

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18/04/11

O QUE É IMPORTANTE



*cerillos: fósforos

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17/04/11

DE AMICITIA - 106

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Bilhete para o Amigo Ausente

Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.


Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

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16/04/11

UMA BELA CANÇÃO DO S.XVIII



Plaisir d'amour ne dure qu'un moment,
Chagrin d'amour dure toute la vie.
J'ai tout quitté pour l'ingrate Sylvie.
Elle me quitte et prend un autre amant.

Plaisir d'amour ne dure qu'un moment,
Chagrin d'amour dure toute la vie. 

Tant que cette eau coulera doucement
Vers ce ruisseau qui borde la prairie,
Je t'aimerai, me répétait Sylvie,
L'eau coule encore, elle a changé pourtant.


Plaisir d'amour ne dure qu'un moment,
Chagrin d'amour dure toute la vie.

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15/04/11

DO FALAR POESIA -127


a poesia é o eco da melodia do universo no coração dos humanos
Rabindranath Tagore

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14/04/11

DESASSOSSEGOS - 116

desassossegos


[do Livro do Desassossego]

Contava as mortes que tivera na família - não ouvi bem quais eram as mágoas que elas lhe haviam causado, e, de repente, sem aviso ao universo, sem poder reparar no que dizia ou repararmos nós os que o escutávamos, remata a erguer a chávena do café já sem fumo: « Assim é a vida, mas eu não concordo.» Foi esta a frase e eu só queria, ao relembrá - la, a glória de a poder ter eu inventado. Os blasfemadores todos ficaram pobres por essa frase ter sido dita. Ela é a expressão clássica e pura de que eles são os românticos e os contorcionistas.

Acordei com uma violência enorme, e registei a lápis súbito, logo, a frase dita, para que me não esquecesse pela sua mesma simplicidade. «Assim é a vida, mas eu não concordo.» É a luta interior dum homem da rua nas suas relações com a Natureza. A sua expressão exacta, mera frase casual e alheia de um homem que não sei quem é, nem sabe de si nem mais que eu sei dele.

Toda a arte, toda a religião, tudo quanto nos intriga do existir, do (…) * e de nós mesmo vive.

Há momentos de génio, momentos que são gente superior, e aparecem de repente à janela de certos seres, ao acaso, porque é a janela mais próxima. Tal homem do povo, um carroceiro às rédeas, um leiteiro à conversa com a criada gorda, um moço de fretes encostado por fora de um candeeiro, têm destas frases…Só agora me lembro que ouvi outra, há tempos, de uma mulher que não vi, mas cuja voz relembro, falava com a voz de outra mulher a um portal de casa por onde passei: - «ora ele morreu lá disso. Ele morreu mas foi de ter que morrer.»
* palavra ilegível

Fernando Pessoa/Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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13/04/11

OS MEUS POETAS - 209

 http://www.youtube.com/watch?v=sBwg0L__Dm0

João Cabral de Melo Neto - Os três mal amados (dito porJoaquim)

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12/04/11

PENSAR - 124

flores


"A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a fonte de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa emoção é um desconhecido, que não pode mais fazer uma pausa para admirar e ficar extasiados em temor, é tão bom quanto mortos: seus olhos estão fechados.”

 Albert Einstein

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11/04/11

QUE FORÇA É ESSA AMIGO

10/04/11

ESCREVER - 94

escrever


Não escrevas nada...

Não escrevas nada. Deixa os outros falarem,
e mesmo que eles nunca usem palavras como:
revolução, liberdade, dignidade, humilhação,
mesmo que as suas línguas sejam apenas carne
e não cítaras, ou frescos, ou espadas, permite-lhes
que falem. Deixa o sangue correr
e o fogo propagar-se, deixa o tronco da limeira engrossar,
deixa a água e o fruto extraviarem-se.
Não retenhas o teu coração,
deixa-o beber e escutar.


Jan Polkowski
Versão de Luís Parrado em http://arspoetica-lp.blogspot.com

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09/04/11

PÉROLAS - 223

retrato


Sou a tua inocência.
Restaura a tua loucura.


Elizabeth Azcona Cranwell

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08/04/11

LEITURAS - 163

amor


Passamos a vida vendo a nós mesmos e aos outros apenas parcialmente, e sendo vistos apenas parcialmente por eles. Quando nos apaixonamos, temos a esperança – tanto egoisticamente quanto altruisticamente – de que seremos, finalmente, verdadeiramente vistos: julgados e aprovados. É claro que o amor nem sempre traz aprovação: ser visto pode muito bem levar a uma não aceitação e a uma temporada no inferno (…) Antigamente, nós nos consolávamos dizendo que o amor humano, mesmo que breve e imperfeito, era apenas um aperitivo da visão maravilhosa e perfeita do amor divino. Agora ele é tudo o que temos, e precisamos nos contentar com nosso status rebaixado. Mas ainda ansiamos pelo consolo, e a verdade, de sermos vistos de forma completa. Isso daria um bom final, não daria?


Julian Barnes, no livro “Nada a Temer”
Encontrado em http://palavraguda.wordpress.com/2010/10/13/verdadeiramente-vistos//

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07/04/11

JOÃO GILBERTO


João Gilberto anuncia que vai deixar de cantar, para se dedicar apenas à composição.
Ainda bem que podemos continuar a ouvi-lo - neste vídeo e noutros e ainda em discos .

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06/04/11

ARTE - 12

PORQUE  FARIA ANOS HOJE


    René Lalique (1860 - 1945)

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LER OS CLÁSSICOS - 140

retratos


Ora que a competir com teu cabelo


Ora que a competir com teu cabelo
ouro brunhido ao sol reluz em vão,
e com desprezo, no relvoso chão,
vê tua branca fronte o lírio belo;

ora que ao lábio teu, para colhê-lo,
se olha mais do que ao cravo temporão,
e ora que triunfa com desdém loução
teu colo de cristal, que luz com zelo;

colo, cabelo, fronte, lábio ardente
goza, enquanto o que foi na hora dourada
ouro, lírio, cristal, cravo luzente

não só em prata ou viola cortada
se torna, mas tu e isso juntamente
em terra, em fumo, em pó, em sombra, em
...................................................nada.


Luís de Gôngora, s.XVII
Trad. de Péricles Eugênio da Silva Ramos

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05/04/11

O meu olhar é nítido como um girassol - Alberto Caeiro



http://www.youtube.com/watch?v=LSzxR4woIrA&feature=player_embedded
Nota:Há outros vídeos com o mesmo poema no youtube

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04/04/11

POETAS MEUS AMIGOS - 149

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arqueologia miúda de um passado recente


Cartas, velhos cadernos
pejados de poemas, sonhos, projetos.
uma pétala seca de rosa, talvez, ou de açucena.


Uma declaração de amor eterno
infinitamente mais breve que o papel
pautado que a promessa encerra.


 Assina Lúcia, de cujas feições não me lembro,
nem das circunstâncias da paixão
de que a carta é testemunha.


Documentos, traças, pó de papel, mofo...
e que me serve guardardo meu pai
.......................... [a Certidão de Óbito?

 
Centenas de fotos esbranquiçadas
O texto juvenil de uma comédia nunca encenada.


 Nem tudo vai para o lixo sem lágrimas,
mas é preciso esvaziar os armários,atulhados de ontens,
...........................................[para dar espaço ao futuro.

Fred Matos
http://fredmatos.multiply.com/

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03/04/11

PÉROLAS - 221

dança

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.


Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.


Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.
Rumi persa,s-XIII

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02/04/11

NO DIA MUNDIAL DO LIVRO INFANTIL

afinal : ler não sobrecarrega ninguém...
não é mesmo?

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CAMONIANAS - 67

AUTORES

ODE

Se de meu pensamento
tanta razão tivera de alegrar-me
quanta de meu tormento
a tenho de queixar-me,
puderas, triste lira, consolar-me.

E minha voz cansada,
que noutro tempo foi alegre e pura,
não fora assi tornada,
com tanta desventura,
tão rouca, tão pesada, nem tão dura.

A ser como soía,
pudera levantar vossos louvores;
vós, minha Hierarquia,
ouvíreis meus amores,
que exemplo são ao mundo, já, de dores.

Alegres meus cuidados,
contentes dias, horas e momentos,
oh! quão bem alembrados
sois de meus pensamentos,
reinando agora em mim, duros tormentos!

Ai, gostos fugitivos
ai, glória já acabada e consumida,
cruéis males esquivos,
que me deixais a vida
quão cheia de pesar, quão destruída!

Mas como não é morta
a triste vida já, que tanto dura?
Como não abre a porta
a tanta desventura,
que em vão, co seu poder, o tempo cura?

Mas, para padecê-la,
se esforça meu sujeito e convalece;
que, só para dizê-la,
a força me falece
e de todo me cansa e me enfraquece.

Oh! bem-afortunado
tu, que alcançaste com lira toante,
Orfeu, ser escutado
do fero Radamante,
e cos teus olhos ver a doce amante!

As infernais figuras
moveste com teu canto docemente;
as três Fúrias escuras,
implacáveis à gente,
quietas se tornaram, de repente.

Ficou como pasmado
todo o estígio reino co teu canto;
e, quase descansado,
de teu eterno pranto
cessou de alçar Sísifo o grave canto.

A ordem se mudava
das penas que ordenava ali Plutão,
em descanso tornava
a roda de Ixião,
e em glória quantas penas ali são.

Pelo qual, admirada
a Rainha infernal e comovida,
te deu a desejada
esposa que, perdida,
de tantos dias já tivera a vida.

Pois minha desventura
como já não abranda üa alma humana
que é contra mim mais dura
e mui mais desumana
que o furor de Calírroe profana?

Ó crua, esquiva e fera,
duro peito, cruel, empedernido,
de algüa tigre fera
da Hircânia nacido,
ou dantre as duras rochas produzido!

Mas que digo, coitado,
e de quem fio em voo minhas querelas?
Só vós, ó do salgado,
húmido reino belas
e claras Ninfas, condoei-vos delas

e, de ouro guarnecidas,
vossas louras cabeças levantando
sôbol' água erguidas,
as tranças gotejando,
saí alegres todas ver qual ando.

Saí em companhia
cantando e colhendo as lindas flores;
vereis minha agonia,
ouvireis meus amores,
assentareis meus prantos, meus clamores.

Vereis o mais perdido
e mais mofino corpo que é gerado;
que está já convertido
em choro, e neste estado
somente vive nele o seu cuidado
.
Luís de Camões - Rimas

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01/04/11

LER OS CLÁSSICOS - 139


arte
img.turner

 

Ai quantas vezes,
ai quantas, quantas
no turvo mar,
o mar penteado
pelas rajadas
como a desordem
da cabeleira
de uma mulher,
eu suspirei,
morto em saudade
pela doçura
de regressar.

Arquíloco (s.VII-a.C)
(in «Poesia de 26 Séculos - De Arquíloco a Nietzsche», tradução de Jorge de Sena, Edições ASA)

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