30/11/09

MORRER É SÓ NÃO SER VISTO



O homem de tantos (72) nomes que se interrogava.«Quem me dirá quem sou ? - e um dos maiores poetas do s.XX e de sempre - dobrou, como disse, «a curva da estrada» neste dia, em 1935. Dele fica um dos mais conhecidos poemas ( e são tantos ! - alguns tenho publicado neste barco) - assinado por Ricardo Reis.

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LEITURAS - 128




[...] Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Não era tour de propriétaire, nada daquilo era meu, nem eu queria. Mas parece-me que me senti satisfeita com o que via. [...]

Clarice Lispector - in: Felicidade Clandestinaveja também em http://intervox.nce.ufrj.br/~sivaldo/perdoando.html

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29/11/09

PÉROLAS - 180



O profundo silêncio das flores
é um lugar de ausência.
Vazia moldura para o voo das aves,
linha oscilante de ligeira névoa
que nada revela do que talvez esconda.

Egito Gonçalves

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28/11/09

PENSAR - 106


img-voltaire por houdon

Causas e Curas para o Fanatismo

(excertos)

O fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte é um fanático. (...). Há fanáticos de sangue frio: são os juízes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles. (...)
Não há outro remédio contra essa doença epidémica senão o espírito filosófico que, progressivamente difundido, adoça enfim a índole dos homens, prevenindo os acessos do mal porque, desde que o mal fez alguns progressos, é preciso fugir e esperar que o ar seja purificado. As leis e a religião não bastam contra a peste das almas; a religião, longe de ser para elas um alimento salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados.
(...) De ordinário, são os velhacos que conduzem os fanáticos e que lhes põem o punhal nas mãos: assemelham-se a esse Velho da Montanha que fazia - segundo se diz - imbecis gozarem as alegrias do paraíso e que lhes prometia uma eternidade desses prazeres que lhes havia feito provar com a condição de assassinarem todos aqueles que ele lhes apontasse. (...) Se a nossa santa religião tem sido frequentemente corrompida por esse furor infernal, é à loucura humana que se deve culpar.

Voltaire, in 'Dicionário Filosófico'

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27/11/09

OS MEUS POETAS - 126




Cancíón tonta



- Mamá.
Yo quiero ser de plata.
- Hijo,tendrás mucho frío.

- Mamá.
Yo quiero ser de agua.
- Hijo, tendrás mucho frío.

- Mamá.
Bórdame en tu almohada.
- ¡Eso sí!¡Ahora mismo!

Federico Garcia Lorca. "Canciones".


Canção tola
- Mamãe.
Eu quero ser de prata.
- Filho,terás muito frio.

- Mamãe.
Eu quero ser de água.
- Filho,terás muito frio

- Mamãe.
Borda-me em tua almofada.
- Isso sim!Agora mesmo!
Trad. de William Agel de Melo

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26/11/09

O PRAZER DE LER - 103




"A literatura, por muito que nos apaixone negá-la, permite resgatar do esquecimento tudo isso sobre o qual o olhar contemporâneo, cada dia mais imoral, pretende deslizar com a mais absoluta indiferença"


Enrique Vila-Matas, in "Bartleby & Companhia"
Assírio & Alvim, 2001

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25/11/09

CONTOS ALEGRES

Tive ocasião de apresentar, em Leiria, este livro que tem o grande mérito de nos fazer sorrir e rir dos nossos quotidianos, desde os dramas ( melhor dizendo: desconcertos) vividos pelas famílias desagregadas e desmultiplicadas em filhos de vária proveniência, devido a sucessivos divórcios e re-casamentos, aos excessivos cuidados com as doenças e a assepsia,numa espécie de sátira bem humorada, aos pequenos larápios de rua ou aos trabalhos de construção de um guião para uma telenovela. Em tempo que, para muitos é de crise moral e desencanto, rir ou sorrir faz bem à alma e, segundo dizem, ao corpo.
O humor da autora, que assina com o pseudónimo de Santanna Fez e edita o seu livro nas edições Colibri, é gerador de bem-estar e é sempre sinal de inteligência , como o é a ironia com que exemplarmente nos brindaram, por exemplo, e entre outros, Jonathan Swift e tantas vezes José Saramago. Aconselhável em qualquer momento...porque, como diz a canção «es preferible reir que llorar/assi la vida se deve tomar».
Santanna Fez, Contos Alegres, ed.Colibri, Lisboa, 2009

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NOCTURNOS - 77



Que a noite seja perfeita...

Que a noite seja perfeita se formos dignos dela
Nenhuma pedra branca nos indicava o caminho
Onde as fraquezas vencidas acabavam de morrer

Íamos para além dos mais longínquos horizontes
Com os nossos ombros e com as nossas mãos
E esse entusiasmo tamanho
Até ao brilho das abóbadas insondáveis
E essa fome de permanecer
E essa sede de sofrer
Sufocando-nos a garganta
Como mil enforcamentos

Partilhámos as nossas sombras
Mais do que as nossas luzes
Mostrámo-nos
Mais gloriosos com as nossas feridas
Do que com as vitórias esparsas
E as manhãs felizes

Construímos muro a muro
A negra muralha de nossas solidões
E essas cadeias de ferro prendendo o nosso andar
Forjadas com o mais duro metal

Que perfeita seja a noite em que nos afundamos
Destruímos toda a felicidade e toda a ternura
E os nossos gritos não terão
Doravante mais do que o trémulo eco
Das poeiras perdidas
Nos abismos do nada.

Alain Grandbois

trad. de Ruy Ventura

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24/11/09

ESCREVER - 85





Ecrire, c'est arrêter des parcelles d'instants
pour les donner.
Ecrire c'est déjà un peu arrêter le temps.

Claude Péloquin
Extrait de Mets tes raquettes


Escrever é parar parcelas de instantes
para as dar.
Escrever é já, de certo modo, parar o tempo.

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23/11/09

POETAS AMIGOS -117



À beira do Tejo

Finjo não ver: a noite
me esconde, e não sei
mais o que é preciso.
Finjo que vou à janela
e grito os palavrões
habituais. Finjo ser
Fernando Pessoa,
a fingir as dores de si e de
todos em volta de si. Mas
finjo sem a mesma
convicção: não, não há como
ser Fernando Pessoa, e há
essa outra vida no além mar,
no depois. Finjo a inteira
consciência deste outro,
deste lado do Atlântico.
A essa hora da noite,
entretanto, finjo mais que tudo
o cigarro que jamais traguei.

Nilson Galvão
http://nilsonpedro.wordpress.com/

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22/11/09

LER OS CLÁSSICOS -116




[Este es el tiempo
el tiempo del amor]


Ya alegra la campiña

la fresca primavera;
el bosque y la pradera
renuevan su verdor.
Con silbo de las ramas
los árboles vecinos
acompañan los trinos
del dulce ruiseñor.
Este es el tiempo, Silvio,
el tiempo del amor.

Escucha cual susurra
el arroyuelo manso;
al sueño y al descanso
convida su rumor.¡
Qué amena está la orilla!¡
Qué clara la corriente!
¿Cuándo exhaló el ambiente
más delicioso olor?
Este es el tiempo, Silvio,
el tiempo del amor.

Más bulla y más temprana
alumbra ya la aurora;
el sol los campos dora
con otro resplandor.
Desnúdanse los montes
del duro y triste hielo,
y vístese ya el cielo
de más vario color.
Este es el tiempo, Silvio,
el tiempo del amor.

Las aves se enamoran,
los peces, los ganados,
y aun se aman enlazados
el árbol y la flor.
Naturaleza toda,
cobrando nueva vida,
aplaude la venida
de mayo bienhechor.
Este es el tiempo, Silvio,
el tiempo del amor.

Tomás de Iriarte, s.XVIII

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21/11/09

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 76



Rosas dobradas
Diz ela
Como em Inglaterra
Como outrora em Inglaterra

E mergulha
Bem no fundo de si mesma
Bem no fundo da Inglaterra

O seu nariz enche-se do perfume
Os seus olhos cerram-se
A Rosa é o navio
A Rosa é a casa
Outrora em Inglaterra


Sam Shepard, in Crónicas Americanas
trad. José Vieira de Lima

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ESCREVER - 84



"Os grandes escritores nunca foram feitos para suportar a lei dos gramáticos,
mas sim para impor a sua."

Erasmo de Roterdão

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20/11/09

DO FALAR POESIA -106



Alguns gostam de poesia

Alguns —
quer dizer que nem todos.
Nem sequer a maior parte mas sim uma minoria.
Não contando as escolas onde se tem que,
e quanto a poetas,
dessas pessoas, em mil, haverá duas.

Gostam —
mas gosta-se também de sopa de esparguete,
dos galanteios e da cor azul,
do velho cachecol,
brindar à nossa gente,
fazer festas ao cão.

De poesia —
mas que é isso a poesia?
Muitas e vacilantes respostas
já foram dadas à questão.
Por mim não sei e insisto que não sei
e esta insistência é corrimão que me salva.


Wislawa Szymborska,in Paisagem com Grão de Areia
tradução de Júlio Sousa Gomes

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19/11/09

OS MEUS POETAS - 125



Numa estação de Metro

Desventurados os que avistaram
uma rapariga no Metro

e se apaixonaram de repente
e a seguiram enlouquecidos

e a perderam para sempre entre a multidão

Porque serão condenados
a vaguear sem rumo pelas estações

e a chorar com as canções de amor
que os músicos ambulantes cantam nos túneis

E se calhar o amor não é mais do que isso:

uma mulher ou um homem que sai de uma carruagem
numa qualquer estação de Metro

e resplandece por uns segundos
e desaparece na noite sem nome

Óscar Hahn
(versão de -L.P.em http://arspoetica-lp.blogspot.com/ )

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18/11/09

DESASSOSSEGOS - 98



quando eu partir apanhado de surpresa
como se tolhido por um dislate dito
vão fazer o quê com os meus livros?
com o problema inesperado do peso?
com o teu modo tão peculiar de olhar-me?
com a minha aptidão para o silêncio?
(a minha biblioteca é indivisível)

quando eu estiver como um retrato
acelerado ao longo de uma recta
vão desequilibrar os meus cristais?
representar um luto muito preto?
respeitar a distância que mantinha?
quando eu partir apanhado de surpresa
para a viagem que jamais descarrila

José Sebag

em Cão até Setembro, 1991

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17/11/09

PENSAR - 105



[O pensamento é a verdadeira medida da dimensão do homem]

"O pensamento é a verdadeira medida da dimensão do homem. O homem não é mais do que um junco, mas um junco que pensa. O universo não necessita de armas para o esmagar. O vapor, uma gota de água são suficientes para o matar. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda assim, mais nobre do que o que o matou, porque sabe que morre e conhece a vantagem que o universo possui sobre ele, algo que o próprio universo desconhece. Assim, toda a nossa dignidade consiste no pensamento. Através dele nós devemos elevarmo-nos, e não através do espaço e do tempo, que não conseguimos preencher. Tentemos então pensar bem; este é o princípio da moralidade"

Blaise Pascal

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16/11/09

REVIVALISMOS - 24

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CAMONIANAS - 58



img.Eugene on Blass - pormenor

A uma Fuã Gonçalves
Mote seu

Com vossos olhos Gonçalves,
Senhora, cativo tendes
este meu coração Mendes
.

Volta

Eu sou boa testemunha
que Amor tem por cousa má
que olhos, que são homens já,
se nomeiem sem alcunha;
pois o coração apunha,
e diz: «Olhos, pois vós tendes,
chamai-me coração M
endes.»

Luís de Camões, Rimas

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15/11/09

POETAS MEUS AMIGOS - 116

[No aniversário do Zef]


foto de augusto mota

Deixei cair uma lágrima na alfazema.
Até onde irá o cheiro roxo grená?

O quintal todo tem ar novo.
É da água nas flores, e ai Deus, que caminho vai
levar?

Hei-de querer a força da água, que corre da chuva,
e volta à terra.Ai Deus, e que venha cedo,

e outra lágrima cairá na alfazema, e no alecrim, e na romã, e o tempo novo,
ai Deus, venha cedo!


Zef - in - vozromazeira.blogspot.com/

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OS MEUS POETAS - 124



[Para me não veres]

Para me não veres -
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.
.
Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão de geada.
.
Para me não ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.
.
Cinjo-me do restolhar.
Cubro-me de ramagens.
.
Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:
.
Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.


Marina Tsvetáeva
In Depois da Rússia, 1922-1925
trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra.

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14/11/09


(excerto)

Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este género de vida, porque a mesma sua miséria, ou escusa, ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: Non grandis est culpa, cum quis furatus fuerit: juratur enim ut esurientem impleat animam. O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao Inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera (...) Não são só ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. - Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: - Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. - Ditosa Grécia, que tinha tal pregador!

Padre António Vieira - Sermão do Bom Ladrão, 1655
-oportunamente divulgado em http://almocrevedaspetas.blogspot.com/

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13/11/09

PÉROLAS - 179



Fragmentos


Mar à beira do nada,
Que se mistura ao nada,

Para melhor saber o céu,

As praias, os rochedos,

Para melhor os receber.


Eugéne Guillevic

- trad. David Mourão-Ferreira, in Vozes da Poesia Europeia, Colóquio Letras nº 165.

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12/11/09

DESASSOSSEGOS - 97



No espelho

No espelho
o olhar desaparece

às vezes desalojado

no meu próprio corpo

às vezes

angustiado
pela angústia
que rola
para lá e para cá como destroços
na rebentação


raspo com um dedo
o vidro
e oiço o mundo gritar.

Pia Tafdrup

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11/11/09

LEITURAS - 127




Pedrada

Era uma vez um menino que gostava de atirar pedras à lua.Quando chegava a noite, refugiava-se nas traseiras do quintal, acariciava as pedras que recolhera durante o dia (para dar sorte) e atirava-as, uma a uma, olhos fixos na lua. Quando sentia o braço cansado, ia para a cama e, exausto, adormecia de imediato.Mas, um dia, o menino foi viver para a cidade, onde já não podia atirar pedras, pois feriria pessoas, partiria vidros, provocaria estragos (disse a mãe). A partir desse dia, nunca mais o menino conseguiu adormecer com facilidade, como antes. E nunca ninguém descobriu porquê.

Paulo Kellerman (1974), in Miniaturas

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10/11/09

OMNIA VINCIT AMOR -134



Assim eu te amo

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

Gonçalves Dias

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09/11/09

POETAS MEUS AMIGOS - 115




mildred foi mesmo embora
último poema para a tristeza de mildred

Como dizer que a sua tristeza
é o poema que desejo escrever?
Até sobre a sua alegria sei pouco.
Eu só a conheço debaixo do sol:
não sei se os seus olhos, castanhos,
continuam castanhos quando chove
ou se escurecem como os olhos
de uma mulher que amei certa vez.
Também nunca a vi dormindo;
não sei como a primeira luz da manhã
desliza sobre o seu rosto
e também não sei se essa mesma luz
faz o castanho dos seus olhos
brilhar como mel refletindo o sol.
Tampouco sei o gosto de seus beijos
e nunca ouvi as canções que você ouve
quando se descobre enamorada.
Conheço apenas o seu riso
e como o sol, no rigor do meio-dia,
enrodilha-se em seus cabelos ruivos.
Uma vez você disse estar triste
mas a tristeza me pareceu timidez
e tímido eu não soube ir além
de seus olhos, seu pudor, sua tristeza.
Tampouco sei o que é amar
durante o tênue mês de maio.
Foi em novembro que tive
aquela guria cujo azul dos olhos
se acizentava nas tardes de chuva.
Após ela pensei que você seria a mulher
que um homem tem após aprender
a amar e a perder o que ama.
Mas tão distantes nos mantivemos
e no entanto ainda há um resto de luz:
com essa luz invento a sua tristeza
(contempla a minha inútil ternura!)
e sob essa luz
(luz que precede o inverno)
vou percebendo qual é a chaga de sentir
dentro do próprio peito um fruto
maduro e ainda não colhido.

Daniel Francoy
In o céu vazio - http://oceuvazio.blogspot.com/

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08/11/09

O PRAZER DE LER - 102




«Eu gostava de o visitar na biblioteca, para o ouvir falar dos livros. A biblioteca estava instalada numa sala alta, espaçosa, com as paredes cobertas por fortes estantes em mogno. A toda a volta corria um varandim, apoiado em colunas, de forma a permitir o acesso às estantes mais altas. No tecto, Victorino mandara abrir uma janela redonda, em cúpula, que podia ser cerrada ou descerrada através de um sistema mecânico. Ia visitá-lo e ficava a olhar para as lombadas alinhadas nas estantes, tentando decifrar os títulos, muitos em línguas que eu desconhecia, e sonhando com países remotos. Victorino prendia redes às colunas, magníficas redes de dormir, com varandas trabalhadas, e deixava sobre elas os livros que estava a ler. A biblioteca, assim ornamentada, parecia um navio (...)»

José Eduardo Agualusa
in Nação Crioula

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07/11/09

NOCTURNOS - 76



Lua de prata de leite


Lua de prata de leite
Que tens um ar de amarela,
Quem foi que te pôs de enfeite
Ao céu, se não és estrela?

Fernando Pessoa

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06/11/09

PENSAR - 105

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Fernando Pessoa
img.carmen cynira

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05/11/09

DO FALAR POESIA - 105



[Que é a literatura]

É verdade que a literatura se resume
a esse exercício de retirar as palavras a mais.
O haiku por exemplo não passa
de uma tentativa falhada de reduzir ao silêncio
o que necessariamente deixa
atrás de si um excessivo rumor.

José Carlos Barros

in http://casa-de-cacela.blogspot.com/

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04/11/09

OS MEUS POETAS - 123



Esperando a chuva

Não tenho apegos e do antigo me desfaço.
Pensar ou dizer não promove existência.
Só há valor no que sinto e neste meu passo,
no sangue que arde e anima a matéria que transita
ora terrena, ora livre, no espaço.
Com os braços abertos espero novos ventos.
Nada temo, pois eu mesma sou tempestade,
força mutante que impera por todos os tempos.

Adrianne Fontoura

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03/11/09

DA EDUCAÇÃO - 53



On n'enseigne pas ce que l'on sait ou ce que l'on croit savoir : on n'enseigne et on ne peut enseigner que ce que l'on est.

Jean Jaurès , Extrait de L'Esprit du socialisme



Não se ensina o que sabemos ou julgamos
saber :só ensinamos e podemos ensinar aquilo que somos.

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02/11/09

DE AMICITIA - 92



Amigos

Os amigos chegam de um momento para o outro
deixam a bolsa de milho no umbral
Sentam-se e dizem olá
dizem amigo amiga mascando as bolachas da casa
bebem o vinho do amanhecer
escrevem uma história nas paredes
travam as janelas sacudidas pelo vento com
[um poema dobrado em quatro
vento louco do sul
e vão-se
Até sempre

Juan Antonio Vasco
Versão de Henrique Fialho -
in http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/

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01/11/09

FELIZ DIA DAS BRUXAS


...celebração de origem pagã, vinda dos países saxónicos. Entre nós havia, nesta data o «pão por deus »(ver cena em Esteiros de Soeiro Pereira Gomes) e o peditório, nocturno e com velas dentro de abóboras, do «bolinhos e bolinhos /para mim e para vós/para dar aos finados/que estão mortos e enterrados... que era entre o cantado e o rezado...Se alguém recusava dar fosse o que fosse, dizia-se: esta casa cheira a unto/ aqui mora algum defunto...Já me não lembro o que se dizia quando bem atendidos...
Entretanto, entre nós, adoptou-se, em tempos relativamente recentes, o figurino saxónico que se tornou também negócio. Mas há ainda miúdos – e às vezes graúdos - que percorrem as casas pedindo o bolinho (na região onde vivo o normal é a broa de mel, mas aceitam outra guloseima qualquer).
Na minha aldeia não era costume haver este peditório. Guardava-se para o cantar as janeiras e os reis.

Para saber mais coisas sobre esta espécie de «festa», ver no google. nomeadamente em

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LER OS CLÁSSICOS - 115



Sozinha nos bosques


Sozinha no bosque
com meus pensamentos,
calei as saudades,
fiz trégua aos tormentos.

Olhei para a Lua,
que as sombras rasgava,
nas trémulas águas
seus raios soltava.

Naquela torrente
que vai despedida,
encontro, assustada,
a imagem da vida.

Do peito, em que as dores
já iam cessar,
revoa a tristeza,
e torno a pensar.

Marquesa de Alorna - S.XVIII

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