30/09/08

LEITURAS - 88



«De repente eu não via meta alguma a alcançar...aquele encontro perturbara-me. Mesmo se era verdade que eu nunca amara aquele homem, percebia com uma certa apreensão que, verdadeiramente, eu já não o odiava do fundo do coração, como se deve odiar o inimigo...Sabes, há um momento na vida de suas pessoas em já não vale a pena odiar. E vem uma grande tristeza.»

Sandor Marai, A mulher certa
– ed.D.Quixote, 2007-p.329

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DE AMICITIA - 81



[recebido de uma amiga - e eu reenvio aos amigos todos]

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29/09/08

LEITURAS - 87



[No 1º centenário da morte de um dos grandes autores de língua portuguesa -recomendando TODOS os seus romances e também os seus poemas]

[De Memórias Póstumas de Brás Cubas]

Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.
Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os outros, emba
ça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo.
Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade!
Como a gente pode sacudir fora a capa,deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser!
Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos,nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia.
O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento.
Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos
finados.

Machado de Assis - 1839- 1908
(imagem - da exposição comemorativa no Museu da língua Portuguesa em S.Paulo]

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28/09/08

PÉROLAS - 145



" Um hálito de música ou de sonho, qualquer coisa que faça quase sentir,qualquer coisa que faça não pensar"

Bernardo Soares. Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

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27/09/08

ANO VIEIRNO - 12




Dito foi do grande filósofo Heraclito, alegado e celebrado por Sócrates, que «nenhum homem podia entrar duas vezes em um rio». E porquê? Porque quando entrasse a segunda vez, já o rio, que sempre corre e passa, é outro. E de aqui infiro eu que o mesmo sucederia se não fosse rio, senão lago ou tanque aquele em que o homem entrasse; porque ainda que a água de lago e do tanque não corre, nem se muda, corre porém e sempre se está mudando o homem, que «nunca permanece no mesmo estado». Assim o disse Job, e quem o não disser assim de todo o homem, e de si mesmo, não se conhece”


[Padre António Vieira,Sermão do 1º domingo do Advento, 1650]

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26/09/08

ENJOY THE SILENCE




The Sound Of Silence


Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left its seeds while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone
'Neath the halo of a street lamp
I turn my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash
[of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence

And in the naked light I saw
Ten thousand people maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening
People writing songs that voices never shared
No one dared
Disturb the sound of silence

"Fools," said I, "you do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you"
But my words like silent raindrops fell
And echoed in the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made
And the sign flashed out its warning
In the words that it was forming
And the sign said "The words of the prophets
[are written on the subway walls
And tenement halls
And whispered in the sound of silence
( P. Simon, 1964 )

[Para ver/ouvir: the sound of silence em youtube]

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25/09/08

APONTAMENTOS



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OMNIA VINCIT AMOR - 108





Não tenhas medo do amor

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.

Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosário Pedreira

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24/09/08

O PRAZER DE LER - 87



[leitura]

«a leitura é uma operação descontínua e fragmentária. Ou melhor: o objecto da leitura é uma matéria puntiforme e poeirenta. Na inundante vastidão da escrita, a atenção do leitor distingue segmentos mínimos, aproximações de palavras, metáforas, nexos sintácticos, passagens lógicas, particularidades lexicais que relevam de uma densidade de significados extremamente concentrada. São como as partículas elementares que formam o núcleo da obra, à roda da qual roda tudo o resto. Ou como o fundo de um vórtice que aspira e engole as correntes. É através destas espirais que, em relâmpagos que mal se percebem, se manifesta a verdade que o livro pode trazer consigo, a sua substância última. Mitos e mistérios consistem em grãozinhos impalpáveis como o pólen que fica nas patas das borboletas; só quem compreendeu isto pode esperar revelações e iluminações.»

Italo Calvino, Se Numa Noite de Inverno Um Viajante

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23/09/08

UMA ATITUDE SE IMPÕE: AFRONTAMENTO - 16




Pelo silêncio na planície pela tranquilidade em tua
[ voz
pelos teus olhos verdes estelares pelo teu corpo

[ líquido de bruma
pelo direito de seguir de mãos dadas na solidão

[ nocturna.
lutaremos meu Amor

Pela infância que fomos pelo jardim escondido
que não teve o nosso amor
pelo pão que nos recusam pela liberdade sem

[fronteiras
pelas manhãs de sol sem mácula de grades.
lutaremos meu Amor

Pela dádiva mútua da nossa carne mártir
pela alegria em teu sorriso claro
pelo teu sonho imaterial
pela cidade escravizada
pela doçura de um beijo à despedida.
lutaremos meu Amor

Pelos meninos tristes suburbanos
contra a seta de fogo traiçoeira cravada
em nosso doce coração aberto
lutaremos meu Amor

Na aparência sozinhos
multidão na verdade
lutaremos meu Amor.

Daniel Filipe

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22/09/08

Não sou poeta e penso já ter explicado porque o digo.. Mas chegou o outono à Europa - oficialmente.aliás, chega daqui a umas horas. E o tempo que faz é de outono mesmo. Assim sendo, reponho o Coisas minhas -15...

OUTONAL



Cai uma folha no poente destes dias
O que era nítido torna-se difuso
Babel renasce em cinzas de um deserto próprio
E o vento busca em vão uma harmonia

A solidão é em mim um oásis às avessas
Lutando em vão contra a miragem certa

Amélia Pais
publicado aqui mesmo,no barco de flores, em 29.04.05

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LEITURAS - 86

[Toda a arte de viver... ]



Susceptíveis de serem utilizadas para isso, sentia juntar-se em mim uma multidão de verdades relativas às paixões, aos caracteres, aos costumes. Aperceber-me delas causava-me alegria; recordava-me, todavia, de que descobrira várias delas no sofrimento, e outras em bem mesquinhos prazeres.Cada pessoa que nos faz sofrer pode ser relacionada por nós com uma divindade da qual não é mais que um reflexo fragmentário e o seu último grau, divindade (Ideia) cuja contemplação nos causa imediatamente alegria, em lugar da dor que sentíamos. Toda a arte de viver consiste em não nos servirmos das pessoas que nos fazem sofrer a não ser como de um degrau que permite aceder à sua forma divina, e assim povoar alegremente a nossa vida de divindades.(...)E compreendi que todos estes materiais da obra literária eram a minha vida passada; compreendi que tinham vindo até mim nos prazeres frívolos, na preguiça, na ternura, na dor, que os armazenara tanto lhes adivinhando o destino, ou até a sobrevivência, como a semente ao guardar a reserva de todos os nutrientes que haverão de alimentar a planta. Tal como a semente, eu poderia morrer quando a planta se desenvolvesse, e verificava que, sem o saber, tinha vivido por causa dela, sem achar que a minha vida devesse alguma vez entrar em contacto com aqueles livros que teria gostado de escrever e para os quais, quando em tempos me sentava à mesa de trabalho, não encontrava assunto. Assim toda a minha vida até ao dia de hoje poderia e não poderia resumir-se sobre o título: «Uma vocação» Não poderia na medida em que a literatura não desempenhara qualquer papel na minha vida. E poderia porque esta vida, as recordações das suas tristezas e das suas alegrias constituíram uma reserva semelhante ao albúmen que reside no óvulo das plantas e aonde este vai buscar o seu alimento para se transformar em semente, quando se ignora ainda ,que o embrião de uma planta, lugar de fenómenos químicos e respiratórios secretos, mas muito activos, se está desenvolvendo Assim estava a minha vida ligada ao que lhe traria maturação.
Marcel Proust
in O Tempo Reencontrado

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21/09/08

OS MEUS POETAS - 96



Em tempo de vindimas e de equinócio de outono, recordo aqui Charles Baudelaire:

Enivrez-vous

Il faut être toujours ivre, tout est là ; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie, ou de vertu à votre guise, mais enivrez-vous! Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge; à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est. Et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront, il est l'heure de s'enivrer ; pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.

charles baudelaire



embriagai-vos!


Deveis embriagar-vos : nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a terra, deveis embriagar-os sem tréguas.
Mas de quê? De vinho de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos.
E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais, já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga , à estrela, à ave, ao relógio , a tudo o que foge, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio, vos responderão :são horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha!


[tradução da responsabilidade de Teatro das 4 Estações,Leiria-companhia já extinta]

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20/09/08

POETAS MEUS AMIGOS - 88





A lua se afasta da Terra 3 cm por ano. É motivo de tristeza, dá uma sensação de perda. Aumenta a solidão do planeta.[…] Além de todos os problemas com que já temos de lidar, mais este: a lua nos deixa...
- Walter Cabral de Moura-


Lua arada

em lua arada
por homens
tudo se faz
desnoite

Sandra Baldessin

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19/09/08

LER OS CLÁSSICOS - 97



[tudo passando e remudando - se]

Que é que vês?
Mares, rios, árvores, montes, vales, campinas, desertos, povoados: e tudo passando.


Os mares em contínuas crescentes e minguantes: os rios sempre correndo; as árvores sempre remudando-se, ora secas, ora floridas, ora murchas: os montes já foram vales, e os vales já foram montes, ou campinas; os desertos já foram povoados, e os povoados agora já foram desertos. Mas olha em especial para os povoados, porque o mundo são os homens.
Tudo está fervendo em movimentos que acabam, e começam; uns a sair dos ventres das mães, outros a entrar no ventre da sepultura; aqueles cantam, dali a pouco choram; estoutros choram, e dali a pouco cantam; aqui se está enfeitando um vivo, parede meia estão amortalhando um defunto; aqui contratam, acolá destratam; aqui conversam, acolá brigam; aqui estão à mesa rindo, e fartando-se, acolá estão no leito gemendo o que riram, e sangrando-se do que comeram.

Padre Manuel Bernardes
Encontrado em http://cortenaaldeia.blogspot.com/

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18/09/08

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» -10


La repasseuse (Picasso)

Contrariedades

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!

Cesário Verde

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17/09/08

PÉROLAS - 144



El ultimo paseo

Dejaste caer en el suelo al tulipán rojo que yo te había dado;
lo levanté. Estaba blanco.
Bastó esse brevíssimo instante para que nevase sobre nuestro amor.


Ch’en Ling - Séc.III

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16/09/08

NOCTURNOS - 58




Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.
Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,
Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,
Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.
Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem
Tristeza das cigarras a cantar.
Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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15/09/08

DO FALAR POESIA - 86

A poesia é a emoção expressa em ritmo através do pensamento, como a música é essa mesma expressão, mas directa, sem o intermédio da ideia.
Musicar um poema é acentuar-lhe a emoção, reforçando-lhe o ritmo.


Fernando Pessoa

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14/09/08

DE AMICITIA - 80

amizade-geraldo gomes Pictures, Images and Photos

amigo


{para ouvir/ver: http://www.youtube.com/watch?v=cnrh24yLNoQ}

Amigo é coisa para se guardar
debaixo de sete chaves, dentro do coração
assim falava a canção que na América ouvi
mas quem cantava chorou, ao ver seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
e quem voou, no pensamento ficou
com a lembrança que o outro cantou.

Amigo é coisa para se guardar
no lado esquerdo do peito
mesmo que o tempo e a distância
digam não, mesmo esquecendo a canção
o que importa é ouvir a voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
qualquer dia amigo eu volto a te encontrar
qualquer dia amigo a gente vai se encontrar

Milton Nascimento

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13/09/08

ESCREVER -72





Biblioteca, Vieira da Silva, óleo sobre tela, 1949.

Adolescente ainda, as palavras eram sons que me levavam de fulgor em fulgor, de febre em febre: escrevia como olhava o mar, imaginando cidades na margem invisível do horizonte. Escrevia pela ânsia de viver, pela luz em que julgava ir tornar-me. Há muito que essa luz se apagou e que não escrevo assim. Nem já para fingir viver. Foi longo o caminho de aprendizagem, e trago comigo as personagens que ficaram em mim e que fui encontrando nestes livros todos. Vivemos juntos e sonhamos juntos enquanto durmo. Sem elas eu não existia. O que escrevo, em sua maior parte, não me pertence. Pertence-lhes. E hoje escrevo para resistir, para que nenhuma delas morra senão quando eu morrer.

© nd .- nuno dempster

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12/09/08

OS MEUS POETAS - 95



A viagem derradeira

E partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará o meu quintal, com a sua árvore verde
mais o seu poço branco

O céu, todas as tardes estará azul e calmo;
e tocarão, como esta tarde estão tocando
os sinos do campanário.

Irão morrendo aqueles que me amaram;
e a cada ano se fará novo o meu povoado;
e no tal recanto do meu quintal florido e
[calado
o meu espírito vagueará, nostálgico…

Eu partirei; e ficarei só, sem lar, sem a árvore
verde, sem o poço branco
sem o céu azul e calmo…

E ficarão os pássaros cantando.

Juan Ramon Jimenez
Tradução de Nicolau Saião

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11/09/08

EVOCAÇÃO DOS 11 DE SETEMBRO

1. Chile,1973:
Golpe militar De Pinhochet e destruição do Palácio de la Moneda

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2. Nova Iorque, 2001
- atentados da Al-Quaeda contra as Torres Gémeas do WTC


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Porque é de preservar a memória ...

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10/09/08

APONTAMENTOS



Não temas o silêncio quando já não há palavras
nas tuas mãos
Elizabeth Azcona Cranwell
trad. de Alice em http://theresonly1alice.blogspot.com/

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09/09/08

OMNIA VINCIT AMOR - 107




Eu não sinto a solidão


É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.

Gabriela Mistral

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08/09/08

RETRATOS DE UM PAÍS QUE JÁ NÃO HÁ- 29

É varina, usa chinela,
tem movimentos de gata;
na canastra, a caravela,
no coração , a fragata.
[...]
David Mourão-Ferreira

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PENSAR - 84



[Carácter do Destino]



Não só as coisas acontecem com as pessoas, (...) cada um gera também aquilo que acontece consigo. Gera-o, invoca-o, não deixa de escapar àquilo que tem de acontecer. O homem é assim. Fá-lo, mesmo que saiba e sinta logo, desde o primeiro momento, que tudo o que faz é fatal. O homem e o seu destino seguram-se um ao outro, evocam-se e criam-se mutuamente. Não é verdade que o destino entre cego na nossa vida, não. O destino entra pela porta que nós mesmo abrimos, convidando-o a passar. Não há nenhum ser humano que seja bastante forte e inteligente para desviar com palavras ou com acções o destino fatal que advém, segundo leis irrevogáveis, da sua natureza, do seu carácter.

Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim'

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07/09/08

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 58



A Rosa


Suave Irmã!
Onde irei buscar, quando for Inverno,
As Flores, para tecer coroas aos Deuses?
Então será, como se eu já não soubera do Divino,
Pois de mim terá partido o Espírito da Vida;
Quando eu buscar
Prendas de Amor aos Deuses,
As Flores no Campo escalvado,
E te não achar.

Hölderlin, Poemas
Trad.de Paulo Quintela

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06/09/08

ANO VIEIRINO - 11





[Olhar e Chorar]


Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa; eles a primeira fonte da Graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, e que a tentação pôs o veneno, e a contrição a triaga. São duas setas com que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, só os olhos têm dois ofícios: Ver e Chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso. Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista; e por que uniu a mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Por que ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários, ver e chorar? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a Natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem.

Padre António Vieira, "Sermões"

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05/09/08

PÉROLAS - 143




Entre dois momentos amargos não tens tempo sequer
para respirar
entre o teu rosto e o teu rosto
uma terna forma de rosto de criança inscreve-se
e
[ apaga-se.

Yorgos Seferis
Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis

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04/09/08

LEITURAS - 85





[Na tua face]

Bárbara! e ela estacou instantânea, a entender. Depois rodou sobre si para donde ouvira o chama­mento. Mas ficou ainda imóvel, não te movas. Ficou ainda imóvel, à procura de uma razão de eu estar ali a chamá-la. E foi esse breve instante que se me gravou para a vida inteira. O destino. Quem foi onde eu não estava? Alguém pois escolhe por nós o que escolhemos para a eternidade? Alguém. Um pacto feito fora da acidentalidade exterior, estou-o pen­sando com uma energia excessiva, deve ser assim. Bárbara. Babi - oh, não, por favor. Babi, não. Mas é o seu nome familiar, deixe-me ser afectivo ternurento infantil - quando voltarei a vê-la? Por favor, ela vol­tou a dizer. Tanta coisa ainda quente na lembrança. Podia agora chamá-las e elas vinham, animais fami­liares. Talvez venha a chamá-las. Mas não agora. E é sempre preciso despertá-las da sonolência, chamá­-las talvez aos berros como às crianças malcriadas e desobedientes. Ou deixar que me apanhem dis­traído e me saltem à frente como os ladrões. Mas tu não.

Vergílio Ferreira,
Na Tua face

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03/09/08

DO FALAR POESIA - 85



apontamento sobre poesia moderna

a poesia avança há muito tempo, embora devagar;
tu não és tão velho como Eu sou
e Eu consigo lembrar-me de ler
revistas onde no fim do poema
dizia:
Paris, 1928.
isso parecia fazer alguma
diferença, e assim, aqueles que podiam
(e alguns que não podiam)
foram para
PARIS
e escreveram.

Eu também sou suficientemente velho para lembrar
quando os poemas faziam referências aos deuses Gregos e
Romanos.
se tu não conhecesses os teus deuses não eras um
bom escritor.
e, se não conseguisses escrever um verso em
Espanhol, Francês ou
Italiano,
tu não eras definitivamente um bom
escritor.

há 5 ou 6 décadas atrás,
talvez 7,
alguns poetas começaram a usar
eu
em vez de Eu
ou & em vez de e.

muitos ainda usam eu
e muitos continuam a usar
&
pensando que é poeticamente efectivo e
actualizado.

e, a mais velha ideia ainda em voga é
que se não consegues entender um poema é
quase certo que é
um bom poema.

a poesia ainda avança devagar, penso eu,
e quando todos os mecânicos de automóveis
começarem a trazer livros de poesia
para ler
durante o almoço
só aí saberemos de certeza que estamos a avançar
na direcção
certa.

&
disso
eu
tenho a certeza.

Charles Bukovski
Versão de Manuel Domingos
http://meianoitetododia.blogspot.com/




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02/09/08

ESCREVER - 71




Escrevemos porque ninguém nos ouve.

Georges Perros

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01/09/08

OMNIA VINCIT AMOR - 106



Embora não tenham limites as minhas
[conquistas
para mim há apenas uma cidade
e nessa cidade um palácio
e nesse palácio um quarto
e nesse quarto uma cama
e nessa cama uma mulher
adormecida
a jóia mais valiosa
de toda a minha coroa

Anónimo, Índia, s(?) d.C
In O vinho e as rosas
Trad. de Jorge Sousa Braga

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