LEITURAS - 86
[Toda a arte de viver... ]
Susceptíveis de serem utilizadas para isso, sentia juntar-se em mim uma multidão de verdades relativas às paixões, aos caracteres, aos costumes. Aperceber-me delas causava-me alegria; recordava-me, todavia, de que descobrira várias delas no sofrimento, e outras em bem mesquinhos prazeres.Cada pessoa que nos faz sofrer pode ser relacionada por nós com uma divindade da qual não é mais que um reflexo fragmentário e o seu último grau, divindade (Ideia) cuja contemplação nos causa imediatamente alegria, em lugar da dor que sentíamos. Toda a arte de viver consiste em não nos servirmos das pessoas que nos fazem sofrer a não ser como de um degrau que permite aceder à sua forma divina, e assim povoar alegremente a nossa vida de divindades.(...)E compreendi que todos estes materiais da obra literária eram a minha vida passada; compreendi que tinham vindo até mim nos prazeres frívolos, na preguiça, na ternura, na dor, que os armazenara tanto lhes adivinhando o destino, ou até a sobrevivência, como a semente ao guardar a reserva de todos os nutrientes que haverão de alimentar a planta. Tal como a semente, eu poderia morrer quando a planta se desenvolvesse, e verificava que, sem o saber, tinha vivido por causa dela, sem achar que a minha vida devesse alguma vez entrar em contacto com aqueles livros que teria gostado de escrever e para os quais, quando em tempos me sentava à mesa de trabalho, não encontrava assunto. Assim toda a minha vida até ao dia de hoje poderia e não poderia resumir-se sobre o título: «Uma vocação» Não poderia na medida em que a literatura não desempenhara qualquer papel na minha vida. E poderia porque esta vida, as recordações das suas tristezas e das suas alegrias constituíram uma reserva semelhante ao albúmen que reside no óvulo das plantas e aonde este vai buscar o seu alimento para se transformar em semente, quando se ignora ainda ,que o embrião de uma planta, lugar de fenómenos químicos e respiratórios secretos, mas muito activos, se está desenvolvendo Assim estava a minha vida ligada ao que lhe traria maturação.
Susceptíveis de serem utilizadas para isso, sentia juntar-se em mim uma multidão de verdades relativas às paixões, aos caracteres, aos costumes. Aperceber-me delas causava-me alegria; recordava-me, todavia, de que descobrira várias delas no sofrimento, e outras em bem mesquinhos prazeres.Cada pessoa que nos faz sofrer pode ser relacionada por nós com uma divindade da qual não é mais que um reflexo fragmentário e o seu último grau, divindade (Ideia) cuja contemplação nos causa imediatamente alegria, em lugar da dor que sentíamos. Toda a arte de viver consiste em não nos servirmos das pessoas que nos fazem sofrer a não ser como de um degrau que permite aceder à sua forma divina, e assim povoar alegremente a nossa vida de divindades.(...)E compreendi que todos estes materiais da obra literária eram a minha vida passada; compreendi que tinham vindo até mim nos prazeres frívolos, na preguiça, na ternura, na dor, que os armazenara tanto lhes adivinhando o destino, ou até a sobrevivência, como a semente ao guardar a reserva de todos os nutrientes que haverão de alimentar a planta. Tal como a semente, eu poderia morrer quando a planta se desenvolvesse, e verificava que, sem o saber, tinha vivido por causa dela, sem achar que a minha vida devesse alguma vez entrar em contacto com aqueles livros que teria gostado de escrever e para os quais, quando em tempos me sentava à mesa de trabalho, não encontrava assunto. Assim toda a minha vida até ao dia de hoje poderia e não poderia resumir-se sobre o título: «Uma vocação» Não poderia na medida em que a literatura não desempenhara qualquer papel na minha vida. E poderia porque esta vida, as recordações das suas tristezas e das suas alegrias constituíram uma reserva semelhante ao albúmen que reside no óvulo das plantas e aonde este vai buscar o seu alimento para se transformar em semente, quando se ignora ainda ,que o embrião de uma planta, lugar de fenómenos químicos e respiratórios secretos, mas muito activos, se está desenvolvendo Assim estava a minha vida ligada ao que lhe traria maturação.
Marcel Proust
in O Tempo Reencontrado
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