29/02/12

PÉROLAS - 240

gaivota 1
img. de catedral(blogue)

a sombra de uma gaivota
de súbito poisou
nos meus olhos
marejando-os de sal

Bénédicte Houart em Vida:Variações II
Ed.Cotovia,Lisboa,2011

Etiquetas: ,

28/02/12

PENSAR- 138

abbas kiarostami

‎"No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo 
da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose. Porque ela acaba sempre por chegar."

August Strindberg

Etiquetas:

27/02/12

OS MEUS POETAS - 241

bâteau 4

O barco era belo
rasgaram-lhe as velas,
intrusos cuspiram
no seu tombadilho
e o homem sem barco
seguiu pela estrada
com ondas redondas
rolando nos pés.

Gastou os sapatos
de tanto horizonte,
quis beijar a vida
ninguém o deixou,
quis comer, quis beber,
disseram que não,
sentiu-se doente
mas não tinha cama.

Soprou temporais
no sangue, nas veias,
e todo o seu corpo
foi fúria e foi quilha,
cercaram-no logo
com altos rochedos
e o homem sem barco
teve que evitá-los.

Na estrada sem nada
dos tristes humanos
com pernas-farrapos
o homem lá vai,
sem eira nem beira
de bolsos vazios
com os olhos ocos
marejados de mar.

 
Sidónio Muralha

Etiquetas:

26/02/12

ARTE- 33

fra angelico - anunciação

Etiquetas:

DE AMICITIA -115

foto de manuel alvarez
Um amigo é uma pessoa com quem posso ser sincero. Posso pensar na sua frente em voz alta. Finalmente estou diante de um homem tão real e harmonioso que posso abandonar até mesmo aqueles mais ocultos véus de dissimulação, cortesia e segundos pensamentos, que os homens jamais se libertam, e lidar com ele com a simplicidade e a inteireza com que um átomo reage a outro. A sinceridade é o luxo permitido, como apenas ao mais alto escalão se oferece diademas e autoridade, sendo ela a permissão para falar a verdade como se não houvesse ninguém mais alto para cortejar, ou a cuja vontade conformar-se. Todo homem é sincero sozinho. A hipocrisia tem início quando aparece uma segunda pessoa. Através de cumprimentos, tagarelice, diversões, negócios contornamos e evitamos a aproximação de nosso amigo. Com uma centena de medidas, escondemos nosso pensamento. Conheci um homem que, sob certo transe religioso, desfez-se de todos os seus artifícios e, omitindo convenções e concordâncias, falou à consciência de toda pessoa que encontrou com grande penetração e beleza. Todos disseram que ele havia enlouquecido e, a princípio, resistiram a ele. Porém, persistindo algum tempo nesse caminho, como de fato não podia evitar de fazer, ele teve o privilégio de criar uma relação verdadeira com todo homem de seu conhecimento. Ninguém pensaria em ser falso com ele, ou em desperdiçar seu tempo com assuntos vazios. Devido a sua grande sinceridade, todo homem se sentia obrigado a corresponder a igual tratamento, e, qualquer que fosse o entusiasmo pela natureza, a poesia, o símbolo de verdade que portasse, ele certamente o mostraria. Para a maioria das pessoas, todavia, a sociedade não mostra seu rosto e olhos, mas sim seu perfil e costas. Em uma época falsa, para estabelecer-se relações sinceras com os homens, não é necessário um surto de insanidade?

Ralph Emerson

Etiquetas:

25/02/12

DESASSOSSEGOS -133

Photobucket
A primavera floresce à sua maneira

uma borboleta vem morrer
entre duas pedras
aos pés da montanha
a montanha derrama sombras
sobre ela
para esconder o segredo da
morte.

Etel Adnan
 Versão de Luís Parrado

Etiquetas:

24/02/12

LEITURAS - 181


musil


[o cão que traz um pau na boca]

«Um grande inventor respondeu um dia a quem lhe perguntava como fazia para ter tantas ideias novas:’pensando ininterruptamente nelas’. E de facto bem pode dizer-se que as ideias inesperadas nos vêm porque estávamos à espera delas. São, em grande parte, o resultado conseguido de um carácter, de certas inclinações constantes, de uma ambição tenaz, de uma incessante ocupação com elas. Que tédio, uma perseverança assim! Mas vista de outro ângulo, a solução de um problema intelectual não acontece de modo muito diferente, como um cão que traz um pau na boca e quer passar por uma porta estreita; vira a cabeça para a esquerda e para a direita tantas vezes até que consegue passar com o pau; o mesmo acontece connosco […]; de repente estamos do outro lado, e sentimos claramente um ligeiro desconcerto em nós pelo facto de as ideias terem vindo por sua iniciativa, em vez de esperarem pelo autor.»

Musil   - em O Homem Sem Qualidades 
trad. João Barrento

Etiquetas:

23/02/12

Zeca Afonso



Saudades desta voz que se calou há 25 anos


Etiquetas: ,

22/02/12

PÉROLAS - 239

BASHÔ -menor

Se hei-de morrer
no caminho,
que seja no campo dos trevos.

Matsuo Bashô

Etiquetas:

21/02/12

Moda do Entrudo



Em dia de carnaval, recordemos,com saudade, Zeca Afonso

Etiquetas:

20/02/12

LER OS CLÁSSICOS - 156

Photobucket


Perto da minha dama e longe do meu querer,
tão cheio de desejo e medo ao mesmo tempo,
o coração me falha e nas palavras tremo
quanto a poder dizer o que quero dizer.


«Bela», disse eu, « de dor fazeis-me estremecer,
 e nem sei o que digo, e nem sei o que penso,
 perto da minha dama e longe do meu querer.

De todas as demais nem desejo saber,
numa só coloquei todo o bem a um tempo,
Libertar-me ousarei do terror em que tremo
para pedir enfim que me façais valer
perto da minha dama e longe do meu querer?»

Alain Chartier.(1385-1433)
Lido em aguarelas de turner- http://aguarelast.blogspot.com/

Etiquetas:

19/02/12

ARTE - 32


miucha - espelho

Etiquetas:

ESCREVER - 109

Photobucket
Se tens algo a dizer ou uma mensagem a comunicar, escreve uma carta.Um romance é.para contar uma história.


Jorge Luís Borges 

Etiquetas:

18/02/12

POETAS MEUS AMIGOS -151

pedras 1

Sabor das pedras
(excerto)

Adoro saber das pedras
dos acúmulos
das coisas que se fartam de existir
de trespassar o tempo
de atropelar paisagens
mudar seu perfil
salvar
ater
ou apenas deixar-se levar
ou deixar-se morrer

[...]

Eliana Mora

Etiquetas:

17/02/12

DO FALAR POESIA - 142

Photobucket
"Che cos'è la poesia?"

"Fábula que poderias contar como o dom do poema, é uma história emblemática: alguém te escreve, a ti, de ti, sobre ti. Não, uma marca dirigida, confiada, é acompanhada de uma injunção, na verdade institui-se nessa ordem mesma que, por sua vez, te constitui, estabelecendo a tua origem ou dando-te lugar: destrói-me, ou melhor, torna o meu suporte invisível do exterior, no mundo (eis que surge já o traço de todas as dissociações, a história das transcendências), faz com que, em qualquer caso, a proveniência da marca permaneça de agora em diante inencontrável ou irreconhecível."

 Jacques Derrida 

Etiquetas:

16/02/12

OS MEUS POETAS - 239


Lourenço Jograr - Tres moças cantavan d'amor

(Cantiga de Amigo, s.XIII)

Etiquetas:

15/02/12

Coragem

A cada qual sua arma

Etiquetas: ,

ESCREVER - 108


Photobucket
 Um romance tem demasiadas palavras
Um romance tem demasiadas palavras. Por isso escrevo poemas.
Como se fazer poemas não fosse suficiente,perguntam-me por que o faço.
Escrevo porque minto.
Porque sou mentirosa e porque exagero as coisas. Se não exagerasse as coisas, ninguém acreditaria em mim. 
Os poemas perdem-se sem trégua, perdem-se dia após dia porque ninguém os guarda, porque ninguém os escreve. Eu sou uma caçadora de poemas; não sou uma escritora. 
Castillo Suarez 

(Versão de Luís Parrado,a partir da tradução para espanhol da autora reproduzida em Un puente de palabras - 5 jóvenes poetas vascos, selecção de Jon Kortazar, Centro de Lingüistica Aplicada Atenea, edição bilingue euskera/espanho, Madrid, 2005, p. 89).

Etiquetas:

14/02/12

OS MEUS POETAS -237

o que o tempo faz com as
cerejas


Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejas
Quando não te doeu acostumar-te a mim,
à minha alma solitária e selvagem,
a meu nome que todo afugentam.
Tantas vezes vimos arder o luzeiro
nos beijando os olhos e sobre nossas cabeças
destorcer-se os crepúsculos em girantes abanos.
Sobre ti minhas palavras choveram carícias.
Desde faz tempo amei teu corpo de nácar ensolarado.
Chego a te crer a dona do universo.
Te trarei das montanhas flores alegres,
copihues, avelãs escuras, e cestas silvestres de beijos.
Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejas.


Pablo Neruda

Etiquetas: ,

13/02/12

LEITURAS - 180



Esta é a verdadeira história de Zé Petinga, o homem que não parava de escrever. Filho do mar e da terra, fora pescador nas horas vagas e amante de baronesas a tempo inteiro. Conheciam-se-lhe para cima de mil relações afectivas, todas elas tão turbulentas como uma maré em noite de lua cheia. Certo dia partiu na direcção do horizonte e nunca mais alguém o viu. Regressou ninguém sabe de onde, nem com que histórias sobre os ombros. Andava aos ésses, a cada passo para a frente era homem para dar dois atrás. Só se sabia que estava diferente, com as palmas das mãos calejadas pela vida e os pés feridos de um gelo impassível. Conta-me o Galego que a última vez que o ouviu falar foi numa tarde de ventania, à marginal, cada um na sua margem e em direcções opostas. De uma margem, o Galego perguntou: ó Petinga, de que lado vem o vento? E na outra margem, o Petinga olhou para a esquerda, olhou para a direita, olhou para o alto, olhou na direcção dos pés e respondeu: ó Galego, acho que vem de cima para baixo. Desde então, não mais se soube para que direcções penderam os dedos marginais do pescador. Sabe-se apenas que mordeu o isco da palavra como um peixe incauto morde a minhoca. Ficou com a garganta presa ao anzol das letras. A toda a hora o Zé Petinga escreve, escreve, escreve e redemoinha sobre o que escreve escrevendo. Tem milhares de páginas manuscritas, arrumadas em caixotes que lhe atafulham o quarto onde já nem dorme só para poder continuar a escrever. Vive sozinho com os seus caixotes de palavras, frases inteiras, poemas, contos, páginas sem nexo aparente, saídas dos dedos ao ritmo da água numa nascente. Zé Petinga não pára de escrever. E se pára, é para beber um café e fumar um cigarro, que carne não come e peixe enjoou. Vive do fumo e da cafeína, numa divisão onde cabem um sofá, um fogão e umas escadas que dão para a cama ao lado da qual, debaixo da qual, sobre a qual, se acumulam dezenas de caixotes com milhares de páginas escritas. Tem livros inteiros, obras incomensuráveis, espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Manda caixotes na direcção de Alexandria ao cuidado de Bibliotecas que jamais alguém saberá se existem, envia para as ex-amantes, as baronesas, fragmentos que são enciclopédias inteiras de pensamentos sobre pensamentos, dentro de outros pensamentos no imo dos quais muitos mais pensamentos medram. Zé Petinga escreve sem parar, todas as suas páginas juntas davam para fazer um lençol que atravessaria o planeta com a maior das facilidades. Se tal fosse possível, é bem provável que todas as páginas escritas até hoje por Zé Petinga dariam para embrulhar o planeta como uma múmia embrulhada em linho. O que intriga toda a gente, o que estimula desconfiança, o que gera discussão é de onde lhe vem ou onde vai ele beber esse mel mágico da chamada inspiração. Pode a vida de um único homem sustentar tanta folha? Sobre o que escreve o homem que não pára de escrever? É natural que, a páginas tantas, se lhe esgotem os recursos, fique seco de ideias, perca o caudal da existência. Mas o homem que não pára de escrever escreve sem parar, como se nada mais existisse senão ele e aquele acto de escrever. Podia escrever sempre a mesma palavra ou letras desconexas ou nada que se lesse, mas não é esse o caso. Dá-se inclusive o inusitado de já terem sido avistados textos seus, páginas marcadas pela sua laboriosa caligrafia, em alfarrabistas de várias partes do mundo. Este homem não escreve apenas sobre o acto de escrever, ele escreve como quem respira e sabe todo aquele que respira que nem sempre um homem respira da mesma maneira. A cada inspiração corresponde uma expiração diversa. Talvez seja sobre este mecanismo que o homem que não pára de escrever escreve, porque ele escreve com os cigarros queimando-se entre os dedos e largando cinza sobre a tinta da esferográfica, à luz de velas confeccionadas com cera gamada nas igrejas das redondezas, ele escreve com a caneca de café ao lado das folhas, sentindo aquele momento em que o cheiro do tabaco se imiscui com o aroma do café e os vapores pulverizam o ar que se respirar e sobre o qual se escreve. Um homem pode não viver do ar, mas Zé Petinga vive literalmente de escrever.

Etiquetas: ,

12/02/12

PENSAR - 137










A Única Alegria Neste Mundo é a de Começar
(excerto)
A única alegria neste mundo é a de começar. É belo viver, porque viver é começar, sempre, a cada instante. Quando esta sensação desaparece - prisão, doença, hábito, estupidez - deseja-se morrer. 
[...]
Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"
Encontrado em  citador -www.citador.pt/

Etiquetas:

11/02/12

ARTE- 31

Zurbaran-jarro (pormenor)

Etiquetas:

POEMAS COM ROSAS DENTRO -103


Photobucket

Rosinha do prado

Viu um rapaz uma rosa,
Rosinha do prado,

Era tão fresca e formosa,
Correi a vê-la, viçosa,
Viu-a, ficou encantado.
Rosa, rosa, tão vermelha,
Rosinha do prado.

Disse o rapaz: "Vou colher-te,
Rosinha do prado!"
Disse a rosa: "Eu vou picar-te,
Tu de mim hás-de lembrar-te,
E não aceito esse Fado."
Rosa, Rosa, tão vermelha
Rosinha do prado

Fogoso, o rapaz colheu
A rosa do prado;
Defendeu-se ela e picou,
Mas de nada lhe valeu,
E sofreu seu Fado.
Rosa, rosa, tão vermelha,
Rosinha do prado.

Goethe
trad. de João Barrento

Etiquetas: ,

10/02/12

Uma muito bela canção de amor



https://www.youtube.com/watch?v=E1ssGr47-2I&feature=player_embedded

Uma bela canção e poema de Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Etiquetas:

09/02/12

LEITURAS -179

fonte

[Voltou a ser água]

Chamavam-lhe Zé da Fonte. Todos os dias, mal o sol acordava, caminhava até à nascente modesta, escondida por entre pedras gastas e ramadas pendentes. Ajoelhava-se e lavava os olhos, longamente, com as mãos inundadas de água fria. Depois tirava do bolso um naco de pão que mastigava devagar, muito devagar. Já de pé, dizia baixinho: Até amanhã, Mãe. 

Ninguém lhe conhecia família. Não se poderia dizer que idade tinha. Caminhava aos saltinhos como um rio sobre leito pedregoso. Havia quem o temesse. Havia quem o adorasse. Por uns dias ninguém o viu. Procuraram em redor da fonte. Nem rasto.
Um corpo apareceu a boiar no ponto em que o ribeiro que nascia da fonte se encontrava com outro ribeiro nascido de outra fonte. As pessoas ficaram pesarosas. Coitado do Zé da Fonte. Como foi que sucedeu? Só a Rosa Maria, que também caminhava aos saltinhos e tinha olhos cor de musgo, soube explicar, na sua voz murmurante: Voltou a ser água. Um homem tem de cumprir o seu destino.

Licínia Quitério
publicado no Facebook

Etiquetas:

08/02/12



Photobucket


e, agora, somos já 270 000 a passar por aqui...
img. de eli - les pêcheurs de perles

Etiquetas:

DA EDUCAÇÃO -77

«achado» no Facebook

Etiquetas:

07/02/12


O bicentenário do nascimento do escritor 
Charles Dickens
 cumpre-se hoje, sendo assinalado em Lisboa com a inauguração de duas exposições ...
Uma citação sua:
«As coisas mais bonitas do mundo são sombras.»
(o google lembra Dickens no seu mural)

Etiquetas:

DE AMICITIA -114

Photobucket 


Bilhete para o Amigo Ausente

Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho. 



Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

Etiquetas:

06/02/12

DESASSOSSEGOS -132


solidão

solidão...


não creio como eles crêem,
não vivo como eles vivem,
não amo como eles amam...

morrerei
como eles morrem.  

marguerite yourcenar
fogos
trad. de maria da graça morais sarmento
difel
1995

Etiquetas: ,

05/02/12

ARTE - 30

Rubens - retrato de Susanne Fourment

Etiquetas:

ENSINOU A PENSAR EM RITMO -13

antero de quental

Aspiração
 
Meus dias vão correndo vagarosos,
Sem prazer e sem dor e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece...
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.

Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira...

Porém, do pressentir dá-ma a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!
 

Antero de Quental

Etiquetas:

04/02/12

PÉROLAS - 238

objecto
atlântico

[Tão só frente ao objecto atlântico]

Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás só e pensas que alguém está olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objecto atlântico.


Marguerite Duras 
encontrado em http://cortenaaldeia.blogspot.com

Etiquetas:

03/02/12

LEITURAS - 178

Photobucket
marc chagall,the blue lovers
O nascimento do prazer

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protectora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protector, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.

Clarice Lispector

Etiquetas: ,

02/02/12

POETAS MEUS AMIGOS - 160

arcano-vitral

Desencontro

Do alto
talvez algum arcanjo
tenha indicado o caminho
e não reconheci sua voz.
Que pena.
Teria chegado mais depressa
ao paraíso
mas não sabia
por onde se sobe aos céus.

Adelaide Amorim
http://inscries.blogspot.com/

Etiquetas:

01/02/12

LER OS CLÁSSICOS - 155

Photobucket

[os meus gostos em matéria de livros]


A minha inclinação em matéria de livros (disse ele), de todos os que estão presentes é bem conhecida; somente poderei dar agora de novo a razão dela. Sou particularmente afeiçoado a livros de história verdadeira, e, mais que às outras, às do reino em que vivo e da terra onde nasci; dos Reis e Príncipes que teve; das mudanças que nele fez o tempo e a fortuna; das guerras, batalhas e ocasiões que nele houve; dos homens insignes, que, pelo discurso dos anos, floresceram; das nobrezas e brasões que por armas, letras, ou privança se adquiriram. O que me inclinou à escolha desta lição que tive alguma de um homem muito douto em o que o deve desejar de ser e parecer o que é nascido; ao qual ele dizia que o que mais convinha que soubesse era o apelido que tinha, donde lhe veio, quem foram seus passados, que armas lhe deixaram, a significação e fundamento da figura delas, como se adquiriram ou acrescentaram, os Reis que reinaram na sua pátria, as crónicas deles, os princípios, as conquistas, as empresas e o esforço dos seus naturais; porque, falando deles nas terras estranhas, ou na sua com estrangeiros, saiba dar verdadeira informação de suas cousas. E, alcançadas estas, lhe estará bem tudo o que mais puder saber das alheias. E, na verdade, nenhuma lição pode haver que mais recreie e aproveite que a que sei que é verdadeira, e, por natural, ao desejo dos homens deleitosa.

Francisco Rodrigues Lobo - em Corte na Aldeia 
encontrado também em  http://cortenaaldeia.blogspot.com

Etiquetas: ,

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons