LEITURAS -179
[Voltou a ser água]
Chamavam-lhe Zé da Fonte. Todos os dias, mal o sol acordava, caminhava até à nascente modesta, escondida por entre pedras gastas e ramadas pendentes. Ajoelhava-se e lavava os olhos, longamente, com as mãos inundadas de água fria. Depois tirava do bolso um naco de pão que mastigava devagar, muito devagar. Já de pé, dizia baixinho: Até amanhã, Mãe.
Ninguém lhe conhecia família. Não se poderia dizer que idade tinha. Caminhava aos saltinhos como um rio sobre leito pedregoso. Havia quem o temesse. Havia quem o adorasse. Por uns dias ninguém o viu. Procuraram em redor da fonte. Nem rasto.
Um corpo apareceu a boiar no ponto em que o ribeiro que nascia da fonte se encontrava com outro ribeiro nascido de outra fonte. As pessoas ficaram pesarosas. Coitado do Zé da Fonte. Como foi que sucedeu? Só a Rosa Maria, que também caminhava aos saltinhos e tinha olhos cor de musgo, soube explicar, na sua voz murmurante: Voltou a ser água. Um homem tem de cumprir o seu destino.
Licínia Quitério – publicado no Facebook
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