DE AMICITIA -115
Um amigo é uma pessoa com quem posso ser sincero. Posso pensar na sua frente em voz alta. Finalmente estou diante de um homem tão real e harmonioso que posso abandonar até mesmo aqueles mais ocultos véus de dissimulação, cortesia e segundos pensamentos, que os homens jamais se libertam, e lidar com ele com a simplicidade e a inteireza com que um átomo reage a outro. A sinceridade é o luxo permitido, como apenas ao mais alto escalão se oferece diademas e autoridade, sendo ela a permissão para falar a verdade como se não houvesse ninguém mais alto para cortejar, ou a cuja vontade conformar-se. Todo homem é sincero sozinho. A hipocrisia tem início quando aparece uma segunda pessoa. Através de cumprimentos, tagarelice, diversões, negócios contornamos e evitamos a aproximação de nosso amigo. Com uma centena de medidas, escondemos nosso pensamento. Conheci um homem que, sob certo transe religioso, desfez-se de todos os seus artifícios e, omitindo convenções e concordâncias, falou à consciência de toda pessoa que encontrou com grande penetração e beleza. Todos disseram que ele havia enlouquecido e, a princípio, resistiram a ele. Porém, persistindo algum tempo nesse caminho, como de fato não podia evitar de fazer, ele teve o privilégio de criar uma relação verdadeira com todo homem de seu conhecimento. Ninguém pensaria em ser falso com ele, ou em desperdiçar seu tempo com assuntos vazios. Devido a sua grande sinceridade, todo homem se sentia obrigado a corresponder a igual tratamento, e, qualquer que fosse o entusiasmo pela natureza, a poesia, o símbolo de verdade que portasse, ele certamente o mostraria. Para a maioria das pessoas, todavia, a sociedade não mostra seu rosto e olhos, mas sim seu perfil e costas. Em uma época falsa, para estabelecer-se relações sinceras com os homens, não é necessário um surto de insanidade?
Ralph Emerson
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