31/03/07

DA EDUCAÇÃO - 24




A educação de massas, que prometia democratizar a cultura, até aí reservada às classes privilegiadas, acabou por embrutecer os próprios privilegiados. A sociedade moderna, que conseguiu criar um nível sem precedentes de educação formal, produziu igualmente novas formas de ignorância. Tornou-se cada vez mais difícil às pessoas usarem a sua língua com facilidade e precisão, recordarem os factos fundamentais da história do seu pais, fazerem deduções lógicas, compreenderem textos escritos para além do rudimentar.

Christopher Lasch, La Culture du Narcissisme, 2000-reedição da obra de 1979
Citado em
http://educar.wordpress.com/

Etiquetas:

30/03/07

PÉROLAS - 105





Não há arroz
mas tenho na malga
uma flor

Matsuo Bashô, Japão,s.XVII

Etiquetas:

29/03/07

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 8



Paisagens de Inverno

(A Alberto Osório de Castro)

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! Volvei, longas noites de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido...
Cismai, meus olhos, como uns velhinhos.

Extintas primaveras, evocai-as.
– Já vai florir o pomar das macieiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias. –

Sossegai, esfriai, olhos febris...
– E hemos de ir a cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces vozes senis...

Camilo Pessanha, Clepsydra

Etiquetas:

28/03/07

O PRAZER DE LER - 62



O Substrato Afectivo Eterno

A familiaridade com um autor é a adesão ao mundo por ele criado. Podemos esquecer - e esquecemos - as subtilezas de estilo, o virtuosismo da composição, mas perdura por anos e anos, e às vezes para sempre, uma certa personagem, um certo lance, uma frase que nos faz estremecer, pois é predominantemente a este nível que um texto revela a sua comunicabilidade essencial. Isto é: a estima por um autor resulta sobretudo de ingredientes que nos impressionaram a sensibilidade, o que equivale a dizer: o privilégio de durar na memória dos homens tem, em regra, um substrato afectivo.

Fernando Namora, in 'Jornal sem Data'
encontrado em o citador-http://www.citador.pt/

Etiquetas:

27/03/07

NO DIA MUNDIAL DO TEATRO

Atriz

A morte emendou a [gramática.
Morreram Cacilda Becker.*
Não era uma só. Era tantas.
Professorinha pobre de
[ Piraçununga
Cleópatra e Antígona
Maria Stuart
Mary Tyrone
Marta de Albee
Margarida Gauthier e Alma Winemiller
Hannah Jelkes a solteirona
a velha senhora Clara Zahanassian
adorável Júlia
outras muitas, modernas e futuras
irreveladas.
Era também um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo
e um mendigo esperando infinitamente Godot.
Era principalmente a voz de martelo sensível
martelando e doendo e descascando
a casca podre da vida
para mostrar o miolo de sombra
a verdade de cada um dos mitos cênicos.
Era uma pessoa e era um teatro.
Morrem mil Cacildas em Cacilda.
Carlos Drummond de Andrade
* Cacilda Becker Yaconis ( 19211969) foi uma actriz , um dos maiores mitos dos palcos nacionais brasileros.

Etiquetas:

CAMONIANAS - 29



[dos sonetos à morte de Dinamene]

0 céu, a terra, o vento sossegado;
as ondas, que se estendem pela areia;
os peixes, que no mar o sono enfreia;
o nocturno silêncio repousado...

0 pescador Aónio que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado.

«Ondas - dezia -, antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita».

Ninguém lhe fala. 0 mar, de longe, bate;
move-se brandamente o arvoredo...
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Luís de Camões, Rimas

Etiquetas:

26/03/07

OMNIA VINCIT AMOR - 72




O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda
trad. Albano Gonçalves

Etiquetas: ,

25/03/07

OS MEUS POETAS - 70



Esta gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra

O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem

Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia Andresen

Etiquetas:

24/03/07

LEITURAS - 38



Fogo

"Aquela foi uma tarde maravilhosa.Törless tirou da gaveta todas as suas tentativas poéticas. Sentou-se com elas junto do fogão e permaneceu sozinho e despercebido atrás da chaminé. Folheou um caderno após outro, depois rasgou-os bem devagar, em mil pedacinhos, jogando-os no fogo, saboreando de cada vez a doce emoção da despedida."


Robert Musil, "O Jovem Törless".
Tradução de João Filipe Ferreira.

Etiquetas:

23/03/07

DO FALAR POESIA - 61



Poesia

é
necessário
muito
desespero
insatisfação
e
desilusão
para
escrever
uns
quantos
bons
poemas.
não é
para
toda a gente
escrevê -
-los
ou até mesmo
-
-los

Charles Bukowski
versão de manuel a. domingos - in http://www.mdomingos.blogspot.com/

Etiquetas:

22/03/07

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 35


img. de fantin-latour

Onde há para este interior
um exterior? Sobre que dor
se põe este linho?
Que céus se espelham
no seio do lago
destas rosas abertas,
descuidadas?Olha:
como jazem soltas,
como se não pudesse
mão tremente desfolhá-las.
Mal se podem suster
a si próprias; muitas deixaram-se
encher de mais, e transbordam
de espaço interior
para os dias, que cada vez
mais plenos se fecham,
até que todo o verão se faz
uma sala, uma sala num sonho.


Rainer Maria Rilke

Etiquetas:

21/03/07

«A NOITE ABRE OS MEUS OLHOS»-encontro de poetas em Leiria

No convite enviado a clientes e amigos, a Livraria Arquivo - Leiria -, promotora do evento, diz:

«A propósito do Dia Mundial da Poesia (21 de Março), a Livraria Arquivo; Leiria, realiza dia 24 (sábado), pelas 18 horas, um encontro de Poesia intitulado " A Noite Abre os Meus Olhos". Esta sessão, cujo nome é homónimo do último livro de José Tolentino Mendonça , poeta que apadrinhará o evento, conta ainda com a presença de reputados nomes da poesia nacional, tais como: Ana Luísa Amaral, Manuel António Pina, e os mais novos, Valter Hugo Mãe, Jorge Melícias, José Rui Teixeira . *"A Noite Abre os Meus Olhos" acolherá ainda Amélia Pinto Pais na qualidade de apresentadora. No final da tarde de Sábado, por volta das 18 horas, estes grandes nomes do panorama literário português irão partilhar alguns dos seus poemas preferidos, publicados ou inéditos... Por isso... Não Falte ! »

*estará ainda presente o poeta Luís Falcão, autor de
Pétalas Negras ardem nos teus olhos - Assírio e Alvim 2007

Etiquetas:

NO DIA INTERNACIONAL DA POESIA ou...

...no tempo da frol*


Proençaes soen mui ben trobar
e dizem eles que é cõ amor;
Mais
os que trobem no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
am tam gram coita no seu coraçom
qual m’eu per mha senhor vejo levar.

Pero que trobã e sabem loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, soõ sabedor
que
os que trobã quand’a frol sazõ
á, e no ante, se deus me perdon
nõ am tal coita quel eu ei sen par.

Ca os que trobã e que s’alegrar
eno tempo que ten a color
a frol cõsigu’e
, tãto que se for
aquel tempo,logu’en trobar razõ
no an, nem vive[en] qual perdiçõ
oj’eu vivo, que pois m’a de matar.

Dom Dinis, rei e poeta - s.XII-XIII

*flor
foto de amélia pais


Etiquetas: ,

ESCREVER - 50



As palavras

The hand that signed the paper felled a city

Ao escrever sobre o que sentimos acabamos por vezes a sentir o que escrevemos porque o escrevemos. Explico-me. Às vezes, escrevem-se coisas porque vão umas com as outras, porque rimam significados ou simplesmente ficam bem. Porque as palavras procuram outras de uma certa maneira irrecusável. E depois já está. As palavras possuem esse poder de moldar o que a mão ao escrevê-las queria dizer. Escrever não é um acto de um sentido só, uma espécie de rua de sentido único entre o que temos dentro e o que aparece de fora, escrito. Este «de fora» que parece ser a escrita, se molda o que depois ao ler sentimos, é porque está ainda «de dentro». Mas às vezes o cansaço apodera-se de nós, e temos vontade de parar. Não sei se de escrever se de sentir, possivelmente de estar sempre a pensar nisso. Parar: vontade de fechar os olhos e ver.

Dylan Tomas - na imagem

Etiquetas:

20/03/07

OMNIA VINCIT AMOR -71



Embora não tenham limites as minhas conquistas
para mim há apenas uma cidade
e nessa cidade um palácio
e nesse palácio um quarto
e nesse quarto uma cama
e nessa cama uma mulher
adormecida
a jóia mais valiosa
de toda a minha coroa

Anónimo, Índia, s(?) d.C
In
O vinho e as rosas
Trad. de Jorge Sousa Braga

Etiquetas:

19/03/07

LEITURAS - 37



[...]

" Para mim o que pode haver de sensível no amor é uma saia branca a sacudir o ar, um laço de cetim que mãos esguias enastram, uma cintura que se verga, uma madeixa perdida que o vento desfez, uma canção ciciada em lábios de ouro e de vinte anos, a flor que a boca de uma mulher trincou...
Não, nem sequer é a formosura que me impressiona. É outra coisa mais vaga - imponderável, translúcida : a gentileza. Sim, e como eu a vou descobrir em tudo, em tudo - a gentileza... Daí uma ãnsia estonteada, uma ânsia sexual de possuir vozes, gestos, sorrisos, a romãs e cores!..
" Lume doido! Lume doido!... Devastação! Devastação!...
Mas logo serenando:
- A boa gente que aí vai meu querido amigo, nunca teve destas complicações. Vive. Nem pensa... Só eu não deixo de penar... O meu mundo interior ampliou-se - volveu-se infinito, e hora a hora se excede! É horrível. Ah Lúcio! Tenho medo de soçobrar, de me extinguir no meu mundo interior, de desaparecer na vida, perdido nele...
"... E aí tem assunto para uma das suas novelas: um homem que à força de se concentrar, desaparecesse da vida - imigrado no seu mundo interior...
" Não lhe digo eu? A maldita literatura..."
[...]

Mário de Sá- Carneiro

Etiquetas:

18/03/07

NOCTURNOS - 28



Eu não voltarei

Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,

e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.
Ignoro se alguém me aguarda

de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.
Mas haverá estrelas, flores

e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.
E tocará esse piano

como nesta noite plácida
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.

Juan Ramón Jimenez

Etiquetas:

17/03/07

PENSAR - 60





A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas de espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
Fernando Pessoa.Bernardo Soares - Livro do Desassossego

Etiquetas: ,

16/03/07

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 7



Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a húmida areia.
A fugitiva hora, revoquei-a,
—Tão rediviva! Nos meus olhos baços...

Olhos turvos de lágrimas contidas.
— Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?

Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça...

Toda essa extensa pista — para quê?
Se há-de vir apagar-vos a maré,
Como as do novo rasto que começa...

Camilo Pessanha, Clepsydra

Etiquetas:

15/03/07

PÉROLAS - 104




C'est tellement mystérieux le pays des larmes...

Antoine de Saint-Exupéry

Etiquetas:

14/03/07

OS MEUS POETAS - 69




O corpo dividido em duas partes
fechadas
à chave uma na outra, avanço
num duplo coração como se fosse
ao mesmo tempo num só barco por dois rios.

Luís Miguel Nava

Etiquetas:

13/03/07

EDUCAÇÃO - 23



Educação Colectiva Não Funciona

A nossa política educacional baseia-se em duas enormes falácias. A primeira é a que considera o intelecto como uma caixa habitada por ideias autónomas, cujos números podem aumentar-se pelo simples processo de abrir a tampa da caixa e introduzir-lhes novas ideias. A segunda falácia, é que, todas as mentes são semelhantes e podem lucrar como o mesmo sistema de ensino. Todos os sistemas oficiais de educação são sistemas para bombear os mesmos conhecimentos pelos mesmos métodos, para dentro de mentes radicalmente diferentes.Sendo as mentes organismos vivos e não caixotes do lixo, irremediavelmente dissimilares e não uniformes, os sistemas oficiais de educação não são como seria de esperar, particularmente afortunados. Que as esperanças dos educadores ardorosos da época democrática cheguem alguma vez a ser cumpridas parece extremamente duvidoso. Os grandes homens não podem fazer-se por encomenda por qualquer método de ensino por mais perfeito que seja.O máximo que podemos esperar fazer é ensinar todo o indivíduo a atingir todas as suas potencialidades e tornar-se completamente ele próprio. Mas o eu de um indivíduo será o eu de Shakespeare, o eu de outro será o eu de Flecknoe. Os sistemas de educação prevalecentes não só falham em tornar Flecknoes em Shakespeares (nenhum método de educação fará isso alguma vez); falham em fazer dos Flecknoes o melhor. A Flecknoe não é dada sequer uma oportunidade para se tornar ele próprio. Congenitamente um sub-homem, ele está condenado pela educação a passar a sua vida como um sub-sub-homem.
Aldous Huxley, in 'Sobre a Democracia e Outros Estudos'

Etiquetas:

12/03/07

DO FALAR POESIA - 60



Intensive Care


A poesia, irmã, não é
Nem canção, nem reflexão.
Poesia é «cuidado intensivo»
Aplicado à criação sem sangue
E sobretudo registo
De como a vida conduz à morte.

Kharkianákis

Trad. de Manuel Resende

Etiquetas:

11/03/07

RETRATOS DE UM PAÍS QUE JÁ NÃO HÁ - 12



assoalhando o linho

Etiquetas:

10/03/07

OMNIA VINCIT AMOR - 70


Eu cantei este amor sem que soubesses.
Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei (sem que soubesses) no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.

Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei de parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.

Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando (sem que soubesses) por tudo o que fazias.

Fernando Assis Pacheco




Etiquetas:

09/03/07

O PRAZER DE LER - 61



«El mundo de la literatura, el mundo del arte, es el mundo de la perfección. Es el mundo donde la belleza, que es lo que en última instancia le da su independencia, su verdad, su autenticidad, nos enfrenta a la acabado, a lo absolutamente abarcable con el conocimiento, con la conciencia además con una visón esférica que jamás llegamos a tener. Entonces, cuando nosotros regresamos de una gran novela, de ese mundo de ilusión, de ese espejismo, deslumbrante que es el de una ficción lograda que se nos impone como una verdad irresistible a este mundo nuestro, cuál es la reacción natural? El cotejo es inevitable. Y la conclusión de ese cotejo es el de que pequeño es este mundo comparado con ese mundo tan grande, tan rico del que acabamos de salir. Y que feo, mediocre y sórdido es este mundo comparado con ese mundo donde todo aprecia tan bello, incluso las peores aspectos de la condición humana, las manifestaciones más sombrías, tétricas, crueles de lo que es el hombre tenia un encanto que el escritor, el creador había conseguido impregnarle, que a nosotros nos lo hacia aceptable, incluso emocionante y por lo tanto bello.»
Mario Vargas Llosa

in http://cortenaaldeia.blogspot.com/

Etiquetas:

08/03/07

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER


Ingres


Um poema e uma citação

Maria Campaniça

Debaixo do lenço azul com sua barra amarela
os lindos olhos que tem!
Mas o rosto maceradode andar na ceifa e na monda
desde manhã ao sol-posto,
Mas o jeito
das mãos torcendo o xaile nos dedos
é de mágoa e abandono...
Ai Maria Campaniça,
levanta os olhos do chão
que quero ver nascer o sol!

Manuel da Fonseca


Não nascemos mulher : tornamo-nos mulher.
Simone de Beauvoir, O Segundo sexo

Etiquetas:

LER OS CLÁSSICOS - 64



Sobre o amor

Não somos firmes no amor, porque em nada podemos ser constantes: continuamente nos vai mudando o tempo; uma hora de mais é mais em nós uma mudança. A cada passo que damos no decurso da vida, imos nascendo de novo, porque a cada passo imos deixando o que fomos, e começamos a ser outros: cada dia nascemos porque cada dia mudamos, e quanto mais nascemos desta sorte, tanto mais nos fica perto o fim, que nos espera. A inconstância que é um acto da alma, ou da vontade, não se faz sem movimento; a natureza não se conserva, e dura, senão porque se muda, e move. O mundo teve o seu princípio no primeiro impulso, que lhe deu o supremo Artífice; a mesma luz, que é uma bela imagem da Omnipotência, toda se compõe de uma matéria trémula, inconstante, e vária. Tudo vive enfim do movimento; a falta de mudança é o mesmo que falta de vida, e de existência, e assim a firmeza é como um atributo essencial da morte.

Se em nada pois há permanência, e se o estado da firmeza é contrário às leis da vida, como pode ser que haja amor constante? Isso é um impossível desejado. Não há nada isento das revoluções, e alterações do mundo; tudo nele se muda, porque tudo se move; por isso a firmeza é violenta, ao mesmo tempo que a inconstância é natural. Para sermos firmes, é-nos necessário força, porque temos que vencer a economia, e ordem, que não permite repouso em cousa alguma; para mudarmos a mesma natureza nos inclina, e guia; semelhante a qualquer peso, que sobe com violência, e desce por si mesmo. O movimento, e a mudança, de que depende o ser das cousas, também é princípio do fim delas; sem mudança, e movimento, nem se pode existir, nem acabar; a mesma origem da vida também é da morte a causa; por isso é tão certa a morte, e tão curta a vida; porque um, e outro extremo, nascem do mesmo modo, e se criam no mesmo berço.

O amor é um influxo da beleza, por isso esta raras vezes anda solitária e quási sempre a acompanha o amor: agradável mas louca companhia; apetecida, mas traidora felicidade! (...)

Matias Aires - Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752
encontrado em http://ruialme.blogspot.com/

Etiquetas:

07/03/07

NOCTURNOS - 27



Esta noite o vento ceifa os bosques e
uma raiva sacode a terra. Se a voz
do mar chamasse pelas velas, os estreitos
aguardariam um naufrágio. E se dissesses
o meu nome eu morreria de amor.
Devo, por isso, afastar-me de ti – não
por ter medo de morrer (que é de já não
o ter que tenho medo), mas porque a chuva
que devora as esquinas é a única canção
que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.


Maria do Rosário Pedreira
in O Canto do Vento nos Ciprestes

Etiquetas:

06/03/07

PENSAR -61

wolinski

«quando a desordem se torna ordem, uma atitude se impõe : afrontamento»

Emmanuel Mounier

Etiquetas:

PÉROLAS - 103



Primavera

A neve derrete, dias cada vez mais quentes,
o gelo desaparece, raios de sol inundam a terra,
pouco a pouco os rebentos ganham força,
A Primavera só não desfaz a geada branca em meus cabelos.

Bai Juyi (China. 772-846)
Trad.: António Graça de Abreu

Encontrado no blogue poetas do mundo- http://www.poetasdomundo.blogspot.com/

Etiquetas:

05/03/07

DA EDUCAÇÃO - 22



A Tirania da Razão Insensata

Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
(F. Pessoa, 1932)

Sabemos, pelo menos desde O Erro de Descartes de António Damásio, que as pessoas não agem apenas pelo uso da razão. Sabemos que os argumentos não bastam para convencer as pessoas a aceitar determinada ordem ou seguirem determinada direcção. Podem ser importantes, mas não bastam. E sabemos enfim que há razões insensatas, isto é, que devastam expectativas e motivações e semeiam o caos.Vivemos hoje, no campo educativo, inundados de boas e más razões. As boas razões de uma escola inclusiva e sucedida para um muito maior número de alunos. As boas razões de uma avaliação que deve estar ao serviço da compreensão, da exigência, do estímulo e do apoio. As boas razões de uma escola a tempo inteiro, de uma cooperação solidária e exigente entre a escola e as famílias. E as más razões que geram o descrédito da acção profissional; as generalizações abusivas que liquidam a auto-estima; as desautorizações frequentes que ameaçam qualquer hipótese de regeneração; a compulsão de ser obrigado a fazer não interessa o quê; a panóplia de regras próximas da irracionalidade e do arbítrio, agora que se regulamenta o 1.º acesso a professor titular. As más razões, filhas da desconfiança congénita, que rasuram o tempo, a intensa entrega de toda uma vida dedicada ao ensino e reduzem tudo a números e a cifras.Como tenho evocado, vivemos no limiar de uma perigosa teoria da máquina; e há alguns sinais de que a corda da viola pode estar quase a rebentar. Para agirmos bem, precisamos que esteja esticada. Mas o excesso pode levar à ruptura. Ao desastre. Onde todos perderemos: os alunos, os pais, a sociedade, o país. Porque é impossível governar não levando em linha de conta o coração das pessoas e a razão sensata, que esteja com as pessoas (e não contra elas). A fragilidade crescente, a solidão profissional, o alheamento, a revolta surda e latente começam a asfixiar aqueles que nunca desistiram. Mais do que nunca, era preciso não abrir mais feridas. Era preciso chegar aos corações. Para ver se ainda iríamos a tempo de os cativar.

José Matias Alves
In Correio da Educação –nº 288-5 de Março de 2007 - http://www.asa.pt/CE

Etiquetas:

04/03/07

CAMONIANAS - 28



"Transforma-se o amador na coisa amada"

«Transforma-se o amador na coisa amada»,
com seu feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.

Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.

Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.

E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo e do amor.

Herberto Hélder

Etiquetas: ,

03/03/07

PENSAR - 59



O Embuste dos Artistas e Escritores


Estamos habituados, perante tudo o que é perfeito, a omitir a questão do seu processo evolutivo, regozijando-nos antes com a sua presença, como se ele tivesse saído do chão por artes mágicas. Provavelmente, estamos ainda, neste caso, sob o efeito residual de um antiquíssimo sentimento mitológico. Quase nos sentimos ainda (por exemplo, num templo grego como o de Pesto) como se, numa manhã, um deus, brincando, tivesse construído a sua morada com tão gigantescos fardos. Outras vezes, como se um espírito tivesse subitamente sido metido por encanto dentro duma pedra e quisesse, agora, falar através dela. O artista sabe que a sua obra só produz pleno efeito, se fizer crer numa improvisação, numa miraculosa instantaneidade da sua criação; e, assim, ele ajuda mesmo a essa ilusão, introduzindo na arte, ao começo da sua criação, aqueles elementos de entusiástica inquietação, de desordem que tacteia às cegas, de sonho atento, como forma de iludir, a fim de dispor o espírito do espectador ou do ouvinte de modo a que ele creia no súbito brotar da perfeição.A ciência da arte, como é evidente, tem de contradizer essa ilusão da maneira mais determinada e apontar as conclusões erróneas e os maus hábitos do intelecto, graças aos quais este cai na rede do artista.

Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'

Etiquetas:

02/03/07

NOCTURNOS - 26




Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.

Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,

Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,

Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.

Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem

Tristeza das cigarras a cantar.

Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Etiquetas:

01/03/07

PÉROLAS - 102



Nem uma palavra trocaram entre si
o anfitrião o hóspede
e o crisântemo branco

Anónimo, Japão,séc (?) d.C. - In O vinho e as rosas
Trad. de Jorge Sousa Braga

Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons