A Tirania da Razão InsensataEu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
(F. Pessoa, 1932)
Sabemos, pelo menos desde O Erro de Descartes de António Damásio, que as pessoas não agem apenas pelo uso da razão. Sabemos que os argumentos não bastam para convencer as pessoas a aceitar determinada ordem ou seguirem determinada direcção. Podem ser importantes, mas não bastam. E sabemos enfim que há razões insensatas, isto é, que devastam expectativas e motivações e semeiam o caos.Vivemos hoje, no campo educativo, inundados de boas e más razões. As boas razões de uma escola inclusiva e sucedida para um muito maior número de alunos. As boas razões de uma avaliação que deve estar ao serviço da compreensão, da exigência, do estímulo e do apoio. As boas razões de uma escola a tempo inteiro, de uma cooperação solidária e exigente entre a escola e as famílias. E as más razões que geram o descrédito da acção profissional; as generalizações abusivas que liquidam a auto-estima; as desautorizações frequentes que ameaçam qualquer hipótese de regeneração; a compulsão de ser obrigado a fazer não interessa o quê; a panóplia de regras próximas da irracionalidade e do arbítrio, agora que se regulamenta o 1.º acesso a professor titular. As más razões, filhas da desconfiança congénita, que rasuram o tempo, a intensa entrega de toda uma vida dedicada ao ensino e reduzem tudo a números e a cifras.Como tenho evocado, vivemos no limiar de uma perigosa teoria da máquina; e há alguns sinais de que a corda da viola pode estar quase a rebentar. Para agirmos bem, precisamos que esteja esticada. Mas o excesso pode levar à ruptura. Ao desastre. Onde todos perderemos: os alunos, os pais, a sociedade, o país. Porque é impossível governar não levando em linha de conta o coração das pessoas e a razão sensata, que esteja com as pessoas (e não contra elas). A fragilidade crescente, a solidão profissional, o alheamento, a revolta surda e latente começam a asfixiar aqueles que nunca desistiram. Mais do que nunca, era preciso não abrir mais feridas. Era preciso chegar aos corações. Para ver se ainda iríamos a tempo de os cativar.
José Matias Alves
In Correio da Educação –nº 288-5 de Março de 2007 - http://www.asa.pt/CE
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