Se queres a paz, prepara a paz
«Existe uma tentação extremamente subtil e perigosa para confundir a paz com a simples ausência de guerra, como se fôssemos tentados a confundir a saúde com a simples ausência de doença, ou a liberdade com a ausência de prisões. Por exemplo, «coexistência pacífica» é uma expressão que significa ausência de guerra e não paz verdadeira.
Passemos, então, a definir «paz positiva» como o começo da compreensão mútua, do respeito e consideração pelo outro como diferente de nós. A paz positiva é aquilo que chamo coexistência dos espíritos e dos corações.Esta definição é válida para a paz entre grupos, nações, blocos, etc...»
- Dominique Pire em «Construir a Paz»
Completam-se agora 50 anos sobre a atribuição do Prémio Nobel da Paz ao padre dominicano belga Dominique Pire (1910-1969) – porque era um homem bom e fraternal – que se destacara com a sua acção em favor dos refugiados da 2ªguerra mundial – na criação da fundação Aide aux Personnes Déplacées e das suas «Îles ou Villages de Paix», onde recebia os refugiados, dirigidas por pessoas solidárias em regime de voluntariado. Nessas aldeias continuaram e continuam a ser acolhidos refugiados de tantas guerras que depois vieram. Para além da sua acção nesse domínio, fundaria posteriormente a Université de Paix, destinada a acolher jovens de todo o mundo em conferências e cursos sobre a paz, com base na sua doutrina, se assim se lhe pode chamar, do diálogo fraternal (para ele o diálogo não consistia em expor o meu ponto de vista aos que pensam de maneira diversa da minha, mas consistia em pôr provisoriamente entre parênteses o que eu penso, para tentar primeiro compreender o ponto de vista dos outros e ver o que há de apreciável nele) entre os povos. Aí estive eu em 1964 e aí pude conhecer pessoas maravilhosas, quer entre jovens de outros mundos e vivências, quer entre conferencistas, como John Griffin, René Dumont, Robert Oppenheimer, Haroun Tazieff, membros de Ligas Europeias dos Direitos do Homem, etc. Disso dei também testemunho na série de Notícias do Antigamente que em tempos aqui publiquei. Era a crónica nº8,de 20 de abril de 2005, para a qual remeto(procurar em etiqueta notícias do antigamente).
Foi meu amigo, sim. Na sequência desse 1ºcurso em que me inscrevi, convidou -me nos anos que se seguiram a ir de novo passar uma quinzena ou um mês, como intérprete e participante nos cursos da Universidade da Paz, ou também ajudando ao pessoal do «bureau», gente que aí trabalhava também em regime de voluntariado, prestando auxílio aos mais infelizes da região (Huy, cidadezinha de onde partira a 1ªcruzada, a chamada «dos pobres», por ironia do destino, agora uma cidade em que se pregava o diálogo, a solidariedade, a tolerância. Fazia-o por saber do ambiente asfixiante e totalitário em que vivíamos o resto do ano – era ocasião de conhecer ainda melhor outras vivências E era, repito, um homem bom. – de quem tive o gosto de traduzir, para além de textos e conferências, o livro Bâtir la Paix – Construir a Paz, editado, nos anos sessenta, pela editora Paisagem, do Porto, há muito desaparecida, Hoje relembro esses tempos e esse homem extraordinário – e faço questão de o recordar, na altura em que se cumprem 50 anos sobre o seu Prémio Nobel da Paz.
Devo acrescentar que a sua obra permanece ainda e continua o seu trabalho de construir a paz que ele designava de «paz positiva», pelo diálogo e a solidariedade activa. A Universidade da Paz é que mudou de lugar, para Namur – no sítio em que a conheci, foi construída há anos uma central nuclear...
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