31/12/08

FELIZ ANO NOVO


Sei que seria mais apropriado para o Natal...mas como ainda é tempo dele, aqui fica o grupo todo para vos desejar a todos e ao mundo um muito melhor 2009.

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30/12/08

DA EDUCAÇÃO - 42



Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres. Começava cada qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha à escuta do universo; em seguida, fabricava desde a matéria-prima o papel onde ia assentando as confidências que recebia directamente do universo; depois, descia até ao fundo dos rochedos por causa da tinta negra dos chocos; gravava letra por letra o tipo com que compunha as suas palavras; e arrancava da árvore a prensa onde apertava com segurança as descobertas para irem ter com os outros. Era assim que neste país todos chegavam a Mestres. Era assim que os Mestres iam escrevendo as frases que hão-de salvar a Humanidade.

Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro

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29/12/08

UMA ATITUDE SE IMPÕE: AFRONTAMENTO - 19



a história da moral

Você tem-me cavalgado,

seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.

Alexandre O'Neill

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28/12/08

LEITURAS - 98

Acabei de ler O Apocalipse dos Trabalhadores de Valter Hugo Mãe (ed. quidnovi, 2008), que recebeu o Prémio Literário José Saramago deste ano. As minhas expectativas, apesar das críticas favoráveis quase unânimes,* não eram grandes. Felizmente foi-me oferecido, e apesar da minha inicial reserva, posso, agora que acabei de o ler, dizer que o livro me encantou e não hesito em considerá - lo um excelente romance, dos melhores - e foram muitos - que li ou reli este ano. Apesar de escrito só em minúsculas, como é opção do autor, a verdade é que o português com que se exprime nos prende e nos leva rapidamente até ao final.
A «estória» passa-se em Bragança, tendo como protagonistas duas mulheres-a-dias. Gente pobre, pois. Na contra-capa diz-se, a certa altura:

«
Tal como a maria da graça, todas as personagens deste livro buscam o seu paraíso, aflitas com a esperança, ou esperança nenhuma. De um dia serem felizes, acham que a felicidade vale qualquer risco, nem que seja para as lançar alegremente no abismo».

Assim, compete-me dar conta do meu encantamento . Do autor nunca tinha lido ficção – apenas alguns poemas.

Deixo-vos o início do livro:

«de noite, a maria da graça sonhava que às portas do céu se vendiam souvenirs da vida na terra, gente de palavras garridas que chamava a sua atenção com os braços no ar, como quem tinha peixe fresco, juntava-se ao redor da sua alma e despachava por bagatelas as coisas mais passíveis de suprir uma grande falta aos que morriam, os últimos charlatães, pensava ela, envergonhada até por ter de pensar depois de morta, ou que talvez fosse coisa boa antes de se entrar no céu ser dada a oportunidade de levar um objecto, uma imagem materializada, algo como prova de uma vida anterior ou extrema saudade, ela pedia-lhes que a deixassem passar, ia à pressa, insistia, sabia mal o que fazer e não podia decidir nada sobre nada. seguia perplexa e não querendo arriscar a ganância de se depositar na eternidade, a partir de um acto de posse, por uma incompreensível angústia, ansiedade ou frenesi estar tão pela primeira vez. mantinha a esperança de que talvez s. pedro a esclarecesse e, ocm um pé lá dentro e outro ainda fora, lhe fosse possível comprar o requiem de mozart, a reprodução dos frescos de goya ou a edição francesa sãs raparigas em flor.
as portas do céu eram pequenas, ao contrário do que poderia esperar,[...]»

O Apocalipse dos Trabalhadores» é um livro admirável cuja mestria estilística nos manipula e inebria do princípio ao fim» - crítica em O Público;
«Deslumbrantes momentos epifânicos [...]imensa e originalíssima capacidade criativa do autor.(in Expresso) - entre outros apontamentos e recensões críticas

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27/12/08

PÉROLAS - 152



Não deixes o cansaço instalar-se
em vez disso
silenciosamente
como a um pássaro
estende a mão ao milagre.

Hilde Domin

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26/12/08

ANO VIEIRINO - 16







[tudo cura o tempo]

Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as feições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco com que já não tira; embota-lhe as setas com que já não fere; abre-lhe os olhos com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas com que voa e foge.

A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas: descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

Padre António Vieira - Sermões

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25/12/08

NATAL


Menino, peço-te a graça
de não fazer mais poemas
de Natal.
Um dois ou três, inda passa...
Industrializar o tema,
eis o mal.

Carlos Drummond de Andrade
(de um cartão de de natal recebido em 2006 da minha amiga Carmen Cinira (adaptado)

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24/12/08

DESASSOSSEGOS - 82



«Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar »
(...)

sophia andresen

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23/12/08

O MEU NATAL




8002 natal latan

O meu presépio não tem ervas nem burros
[ nem vaquinhas
Nem musgo para servir de cama aos da minha rua.
Comprei-o no Continente com 25% grátis

[numa prenda da tmn
E Maria e José são os meus pais terrenos.

Não devo chamá-los de outra maneira
Porque este poema é feito com as duas mãos,
Que eles me deram , embora escreva num pc
[da marca Toshiba.
O que escreve a direita é verdadeiro ,
É completado pela esquerda que também me deram.

Eu que não sou nem a esquerda nem a direita
[das minhas mãos
Conto esta estória através da neve que brilha
[nos meus olhos.



Pode parecer que este natal é mais verdadeiro
[do que eu

Mas eu sei que Era uma vez um Natal
Que começava sempre depois de outro
.
De todos eles fica a nostalgia das sombras
E as pratas espalhadas pelo chão.

Eu não gosto nem deste natal nem de outros
Porque as pessoas andam vestidas de céu.


Maria Azenha
[escreve no blogue http://omaratinge-nos.blogspot.com/]

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DESASSOSSEGOS - 81



Canto de primavera

Atrás da cerca havia

um limoeiro - era nosso-
Os seus frutos amarelos brilhavam como lanternas,
as flores espalhavam o seu perfume no bairro.
Atrás da cerca havia um limoeiro - era nosso!-
Mas era preciso enfeitar a filha da minha Censura,
que a sua cabeleira fosse perfumada e tivesse...

[um diadema.
Então cortaram os nossos limoeiros
e a primavera tombou-nos dos olhos!

Mahmud Darwich, O Jardim Adormecido e outros poemas,- selecção e tradução de Albano Martins

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22/12/08

O PRAZER DE LER - 92

"Livros Usados"

Tudo que se disse depois e ainda se diz, pode estar num usado exemplar de Crime e Castigo ou da Utopia.

Os livros usados – mesmo que se chamem Utopia - têm aquela terna docilidade das
páginas em que outras mãos passaram, ao contrário dos novos, que em rígidas e intactas páginas são só apenas papel impresso.
E para escassos amigos, quando se fugiu duma livraria de consumíveis tops,talvez seja essa a melhor oferta.

Inês Lourenço, In "a disfunção lírica"
encontrado em http://www.adispersapalavra.blogspot.com/

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21/12/08

REVIVALISMOS - 21

la blanchisseuse - a lavadeira

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APONTAMENTOS



"No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose; porque ela acaba sempre por chegar."

August Strindberg

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20/12/08

POETAS MEUS AMIGOS - 95



cedimento

a madrugada inunda a página -
cedo verdades sem palavras
ardem
ao sabor da hora
imensa
o tempo imperioso do momento
ressoa ao gesto incerto
é tua - guerreiro do azul perdido -
é tua a lembrança da noite?

Lilia Chaves

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19/12/08

LEITURAS - 95

Um dia na vida de Ivan Denisovich

(Dois excertos – início e final)

«Como habitualmente, às 5 da manhã ouviu-se o toque de alvorada, dado pelos golpes de um martelo sobre um bocado de barra suspenso junto da barraca de comando. (...)
Já o ruído cessara, embora por todo o campo parecesse ainda estar-se a meio da noite, quando Ivan Denisovich Shukhov se ergueu para ir à latrina. Estava escuro como breu, vendo-se apenas a luz amarela lançada por três holofotes – dois no perímetro e um dentro do próprio campo. [...]

*

Shukhov adormeceu completamente satisfeito. Feliz. Fora bafejado pela sorte aquele dia: não o haviam posto no xadrez; não tinham enviado a brigada para o Centro; surripiara uma tigela de kasha ao almoço; o chefe de brigada fixara bem as rações; construíra uma parede e tirara prazer do seu trabalho; arranjara aquele pedaço de metal e conseguira passá-lo; recebera qualquer coisa de Tsezar, à noite; comprara o tabaco. E não caíra doente.
Um dia sem uma nuvem carregada, sombria. Quase um dia feliz.

Contava já no seu activo três mil seiscentos e cinquenta e três dias como este. Desde o primeiro até ao último toque na barra de carril.
Os três dias suplementares pertenciam a anos bissextos.»

Alexander Soljenitsin

Trad de H. Silva Letra
Publicações Europa-América, Livros de Bolso nº 33, Lisboa, 1972 – reed. Em 2008

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18/12/08

NOCTURNOS - 64



Quarto crescente

Porque vejamos: uma lua destas
já nem lua é. A lua quer - se grande,
leitosa, apontável às crianças:
olha o homem da lua, os olhos, a

vassoura. Mas uma lua destas,
desfazendo - se em sombras, um ar
de quem passou o dia em claro
já nem lua é. Que não exija então

o impossível, que não se finja
a sério a pedir versos e algum olhar:
o poeta não usa telescópio,
nem se vai acordar uma criança
por gomos de luar


Ana Luísa Amaral

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17/12/08

O PRAZER DE LER - 91



os livros

dóceis
ao toque da mão às papilas do olhar
os livros

mar ao vagar dos dedos
onde corre livremente o tempo
sem nunca tomar a direcção da morte

velhos companheiros da luxúria vária
e da mais provada fidelidade

cada um
uma luva
um bisturi
um sortilégio

Soledade Santos
in nocturno com gatos - http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/

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16/12/08

LER OS CLÁSSICOS - 105



Não podemos ver luzimento em outrem, porque imaginamos que só em nós é próprio: cuidamos que a grandeza só em nós fica sendo natural, e nos mais violenta: o esplendor alheio passa no nosso conceito por desordem do acaso, e por miséria do tempo.
Matias Aires,Reflexões sobre a vaidade dos homens

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15/12/08

«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» -15



NOITES GÉLIDAS


Merina

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gaz dá noites de ballada;


Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda- me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingénua e delicada.


Cesário Verde
publ. in Ocidente, Lisboa, 1 de Maio de 1878

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14/12/08

DO FALAR POESIA - 91



E nunca o tormento acha um céu e nunca o desejo
acha uma terra.É por isso que a poesia existe.

Birger Sjoberg

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13/12/08

LEITURAS - 94



O Amante

Um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entra­da de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me: ­- «Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem, gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado. »Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os' dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoi­to anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, [ ...]

Marguerite Duras,O Amante

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12/12/08

OMNIA VINCIT AMOR -113



La hermosa máscara

Es el amor. Tendré que cultarme o que huir.
Crecen los muros de su cárcel, como en un sueño atroz.
La hermosa máscara ha cambiado, pero como siempre es la única.

¿De qué me servirán mis talismanes: el ejercicio de
las letras,la vaga erudición, el aprendizaje de las palabras que usó el áspero Norte para cantar sus mares y sus espadas,la serena amistad,las galerías de la biblioteca,las cosas comunes,los hábitos, el joven amor de mi madre,la sombra militar de mis muertos,la noche intemporal, el sabor del sueño
?Estar contigo o no estar contigo es la medida de mi tiempo.

Ya el cántaro se quiebra sobre la fuente, ya el hombre se levanta a la voz del ave,ya se han oscurecido los que miran,por las ventanas, pero la sombra no ha traído la paz.
Es, ya lo sé, el amor: la ansiedad y el alivio de oír tu voz,
la espera y la memoria, el horror de vivir en lo sucesivo.

Es el amor con sus mitologías, con sus pequeñas magias inútiles.
Hay una esquina por la que no me atrevo a pasar.
Ya los ejércitos me cercan, las hordas.
(Esta habitación es irreal; ella no la ha visto.)
El nombre de una mujer me delata.
Me duele una mujer en todo el cuerpo.


Jorge Luís Borges - "El Oro de los Tigres"

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11/12/08

NO 100ºANIVERSÁRIO DE MANOEL DE OLIVEIRA


O decano dos cineastas celebra hoje os seus 100 anos de vida, continuando a filmar - como quase sempre fez - uma adaptação de obra literária: o conto Singularidades de uma rapariga loura (de Eça de Queirós).E promete vir a filmar ainda a sua auto-biografia que é riquíssima...
Disse um dia:
"Se me perguntarem porque faço cinema, logo penso: não perguntam antes se respiro?"
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PÉROLAS - 151



"No inverno, os ramos nus
que parecem dormir
trabalham em segredo
preparando-se para a primavera."

Rumi
poeta sufi, nascido em 1207

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10/12/08

UM HOMEM BOM



Dominique Pire,um amigo ...

Se queres a paz, prepara a paz
«Existe uma tentação extremamente subtil e perigosa para confundir a paz com a simples ausência de guerra, como se fôssemos tentados a confundir a saúde com a simples ausência de doença, ou a liberdade com a ausência de prisões. Por exemplo, «coexistência pacífica» é uma expressão que significa ausência de guerra e não paz verdadeira.
Passemos, então, a definir «paz positiva» como o começo da compreensão mútua, do respeito e consideração pelo outro como diferente de nós. A paz positiva é aquilo que chamo coexistência dos espíritos e dos corações.Esta definição é válida para a paz entre grupos, nações, blocos, etc...»

- Dominique Pire em «Construir a Paz»


Completam-se agora 50 anos sobre a atribuição do Prémio Nobel da Paz ao padre dominicano belga Dominique Pire (1910-1969) – porque era um homem bom e fraternal – que se destacara com a sua acção em favor dos refugiados da 2ªguerra mundial – na criação da fundação Aide aux Personnes Déplacées e das suas «Îles ou Villages de Paix», onde recebia os refugiados, dirigidas por pessoas solidárias em regime de voluntariado. Nessas aldeias continuaram e continuam a ser acolhidos refugiados de tantas guerras que depois vieram. Para além da sua acção nesse domínio, fundaria posteriormente a Université de Paix, destinada a acolher jovens de todo o mundo em conferências e cursos sobre a paz, com base na sua doutrina, se assim se lhe pode chamar, do diálogo fraternal (para ele o diálogo não consistia em expor o meu ponto de vista aos que pensam de maneira diversa da minha, mas consistia em pôr provisoriamente entre parênteses o que eu penso, para tentar primeiro compreender o ponto de vista dos outros e ver o que há de apreciável nele) entre os povos. Aí estive eu em 1964 e aí pude conhecer pessoas maravilhosas, quer entre jovens de outros mundos e vivências, quer entre conferencistas, como John Griffin, René Dumont, Robert Oppenheimer, Haroun Tazieff, membros de Ligas Europeias dos Direitos do Homem, etc. Disso dei também testemunho na série de Notícias do Antigamente que em tempos aqui publiquei. Era a crónica nº8,de 20 de abril de 2005, para a qual remeto(procurar em etiqueta notícias do antigamente).
Foi meu amigo, sim. Na sequência desse 1ºcurso em que me inscrevi, convidou -me nos anos que se seguiram a ir de novo passar uma quinzena ou um mês, como intérprete e participante nos cursos da Universidade da Paz, ou também ajudando ao pessoal do «bureau», gente que aí trabalhava também em regime de voluntariado, prestando auxílio aos mais infelizes da região (Huy, cidadezinha de onde partira a 1ªcruzada, a chamada «dos pobres», por ironia do destino, agora uma cidade em que se pregava o diálogo, a solidariedade, a tolerância. Fazia-o por saber do ambiente asfixiante e totalitário em que vivíamos o resto do ano – era ocasião de conhecer ainda melhor outras vivências E era, repito, um homem bom. – de quem tive o gosto de traduzir, para além de textos e conferências, o livro Bâtir la PaixConstruir a Paz, editado, nos anos sessenta, pela editora Paisagem, do Porto, há muito desaparecida, Hoje relembro esses tempos e esse homem extraordinário – e faço questão de o recordar, na altura em que se cumprem 50 anos sobre o seu Prémio Nobel da Paz.
Devo acrescentar que a sua obra permanece ainda e continua o seu trabalho de construir a paz que ele designava de «paz positiva», pelo diálogo e a solidariedade activa. A Universidade da Paz é que mudou de lugar, para Namur – no sítio em que a conheci, foi construída há anos uma central nuclear...

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Mais informações podem ser obtidas, consultando, por exemplo, o google...Por exemplo em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dominique_Pire

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09/12/08

DESASSOSSEGOS - 80



Soneto da perdida esperança

Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

Carlos Drummond de Andrade

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08/12/08

OS MEUS POETAS - 100



Amanhecer


Olhas o amanhecer,
vives o amanhecer como o único instante
em que o céu é entreaberto segredo de um deus
[ mudo.

Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto
para mergulhar teu sonho num poço de luz casta.

O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas
como se trincasses com os dentes a polpa
[do absoluto.

Alphonsus de Guimaraens

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07/12/08

DO FALAR POESIA - 90




img:aseco

A poesia encontra-se em todas as coisas - na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade - não o neguemos - é evidente para mim, aqui, enquanto estou sentado, há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue.
Meu senso íntimo predomina de tal maneira sobre meus cinco sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de modo diferente de outros homens. Há para mim - havia - um tesouro de significado numa coisa tão ridícula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim uma plenitude de sugestão espiritual em uma galinha com seus pintinhos, atravessando a rua, com ar pomposo. Há para mim um significado mais profundo do que as lágrimas humanas no aroma do sândalo, nas velhas latas num monturo, numa caixa de fósforos caída na sarjeta, em dois papéis sujos que, num dia de ventania, rolarão e se perseguirão rua abaixo. É que a poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência de sua queda, atónito diante das coisas. Como de alguém que conhecesse a alma das coisas, e lutasse para recordar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não sob aquelas formas e aquelas condições, mas de nada mais se recordando.

F.Pessoa.Bernardo Soares - L.D.

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06/12/08

ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO - 14



Cinismos

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado.
Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E, desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada...

Cesário Verde, O Livro

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05/12/08

DE AMICITIA - 85



«Tenho amigos com 30 anos de caminho comum e isso dá-me segurança. São as pessoas que gostam de nós,apesar de nos conhecerem.»

Nuno Morais Sarmento

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04/12/08

CAMONIANAS - 50




Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que o amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.



Luís de Camões, Rimas

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03/12/08

UMA ATITUDE SE IMPÕE: AFRONTAMENTO - 18

recolhido in http://tempodeteia.blogspot.com/

«Quando a desordem se torna ordem uma atitude se impõe: afrontamento» (E.Mounier)

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LER OS CLÁSSICOS - 104


imagem de Iman Maleki

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.

Marquesa de Alorna (1750-1838)

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02/12/08

PÉROLAS - 150



Não sei quando virá o amanhecer,
por isso
abro todas as portas

Emily Dickinson

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01/12/08

UMA ATITUDE SE IMPÕE: AFRONTAMENTO - 17

"Raramente consigo ver alguém sem lhe bater.
Outros preferem o monólogo interior.
Eu não. Prefiro bater."

Henri Michaux

Epigrafe do blogue desmancha - prazeres http://eunaoetunao.blogspot.com/

img.guerreiro 2- H.Radomsky

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