28/12/08

LEITURAS - 98

Acabei de ler O Apocalipse dos Trabalhadores de Valter Hugo Mãe (ed. quidnovi, 2008), que recebeu o Prémio Literário José Saramago deste ano. As minhas expectativas, apesar das críticas favoráveis quase unânimes,* não eram grandes. Felizmente foi-me oferecido, e apesar da minha inicial reserva, posso, agora que acabei de o ler, dizer que o livro me encantou e não hesito em considerá - lo um excelente romance, dos melhores - e foram muitos - que li ou reli este ano. Apesar de escrito só em minúsculas, como é opção do autor, a verdade é que o português com que se exprime nos prende e nos leva rapidamente até ao final.
A «estória» passa-se em Bragança, tendo como protagonistas duas mulheres-a-dias. Gente pobre, pois. Na contra-capa diz-se, a certa altura:

«
Tal como a maria da graça, todas as personagens deste livro buscam o seu paraíso, aflitas com a esperança, ou esperança nenhuma. De um dia serem felizes, acham que a felicidade vale qualquer risco, nem que seja para as lançar alegremente no abismo».

Assim, compete-me dar conta do meu encantamento . Do autor nunca tinha lido ficção – apenas alguns poemas.

Deixo-vos o início do livro:

«de noite, a maria da graça sonhava que às portas do céu se vendiam souvenirs da vida na terra, gente de palavras garridas que chamava a sua atenção com os braços no ar, como quem tinha peixe fresco, juntava-se ao redor da sua alma e despachava por bagatelas as coisas mais passíveis de suprir uma grande falta aos que morriam, os últimos charlatães, pensava ela, envergonhada até por ter de pensar depois de morta, ou que talvez fosse coisa boa antes de se entrar no céu ser dada a oportunidade de levar um objecto, uma imagem materializada, algo como prova de uma vida anterior ou extrema saudade, ela pedia-lhes que a deixassem passar, ia à pressa, insistia, sabia mal o que fazer e não podia decidir nada sobre nada. seguia perplexa e não querendo arriscar a ganância de se depositar na eternidade, a partir de um acto de posse, por uma incompreensível angústia, ansiedade ou frenesi estar tão pela primeira vez. mantinha a esperança de que talvez s. pedro a esclarecesse e, ocm um pé lá dentro e outro ainda fora, lhe fosse possível comprar o requiem de mozart, a reprodução dos frescos de goya ou a edição francesa sãs raparigas em flor.
as portas do céu eram pequenas, ao contrário do que poderia esperar,[...]»

O Apocalipse dos Trabalhadores» é um livro admirável cuja mestria estilística nos manipula e inebria do princípio ao fim» - crítica em O Público;
«Deslumbrantes momentos epifânicos [...]imensa e originalíssima capacidade criativa do autor.(in Expresso) - entre outros apontamentos e recensões críticas

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