Enterra-se uma mulher às duas horas, e às onze e meia o marido encontra-se na cozinha, em frente do espelho rachado, pendurado sobre o lavadoiro da louça. Não chorou muito. Se tem os olhos vermelhos é porque não dormiu quase nada. Veste uma camisa de goma e um vaporzinho leve lhe sai ainda das calças passadas a ferro há pouco. Enquanto a irmã mais nova lhe aperta o colarinho por trás e lhe faz subir o laço da gravata sob o queixo, com um gesto quase tão terno como uma carícia, o viúvo dobra-se para a pia da louça e perscruta ardentemente os seus olhos no espelho; em seguida passa a mão sobre as pálpebras como quem enxuga uma lágrima; mas as costas da mão continuam secas. A mão da irmã mais nova, a irmã bonita, demora-se uns segundos, imóvel, debaixo do queixo dele. O laço da gravata, branco como a neve, destaca-se-lhe na pele avermelhada. Ele acaricia-lhe furtivamente a mão. A irmã bonita é a que ele ama. Ama a beleza. A mulher era feia e doente, por isso a não chorou.
Stig Dagerman - O Vestido Vermelho,
Tradução de Irene Lisboa
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