31/10/11

LER OS CLÁSSICOS - 152

Não arredo o pé do árduo caminho, por cansado; nem retiro as mãos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro as costas ao inimigo que se me opõe, nem como deslumbrado, desvio os olhos do divino objeto: no entanto, sinto-me geralmente reputado um sofista, que mais procura parecer sutil do que ser verídico; um ambicioso, que mais se esforça por suscitar nova e falsa seita do que por consolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro que procura o resplendor da glória impingindo as trevas dos erros; um espírito inquieto que subverte os edifícios da boa disciplina, tornando-se maquinador de perversidade. Oxalá, Senhor, que os santos numes afastem de mim todos aqueles que injustamente me odeiam; oxalá que me seja sempre propício o meu Deus; oxalá que me sejam favoráveis todos os governantes do nosso mundo; oxalá que os astros me tratem tal como à semente em relação ao campo, e ao campo em relação à semente, de maneira que apareça no mundo algum fruto útil e glorioso do meu labor, acordando o espírito e abrindo o sentimento àqueles que não têm luz de intelecto; pois, em verdade, eu não me entrego a fantasias, e se erro, julgo não errar intencionalmente; falando e escrevendo, não disputo por amor da vitória em si mesma, mas por amor da verdadeira sapiência e fervor da verdadeira especulação me afadigo, me apoquento, me atormento.

Giordano Bruno

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30/10/11

OS MEUS POETAS - 228




[da Elegia-Écloga silenciosa-poema II]

Conhecerás o meu riso,
a súplica fixa
como uma ferida nos milênios
e com a alba em cada manhã.
Hei de conhecer a lenta germinação:
como hás de abrir e saciar
os brandos acontecimentos.
Drogas inócuas, tormentas de março;
hortos de lírios e cera, sinecuras
para a mente e as mãos débeis de alergia;
leituras sobre a poeira dos verões,
leituras sob a chuva, entre as infinitas espinhas da chuva.
Às vezes, Urania, a verdade
é como um fruto armado que se abrirá:
o céu máximo,
voos que a noite
do solstício reanima,
gema de remotíssimo
hidrogênio, ódio e amor,
a fadiga ardente:
abandonada aqui, na água do planeta,
com perfis de libélulas e lírios verdes.
Talvez erga para ti os olhos,
a boca onde a espera
alterou o dizer, o existir.
E amanhã, na terra,
tornar-se-ão ardores estelares
os vestígios derradeiros,
as esperanças convulsas e efémeras.
Teremos distâncias inversas,
espelhos hão de oferecer imagens roubadas,
flores fugindo dos muros para te amar.
Seremos apenas um afã, um só esquecimento.

Andrea Zanotto
trad.deJorge Henrique Bastos


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29/10/11

LEITURAS - 175


Janela dita da alma

Uma vez irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma desta vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos, com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria...


clarice lispector

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28/10/11

Os meus poetas -227

                                                         

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27/10/11

SATIE -VERLAINE



Lembro Verlaine :

Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville;
Quelle est cette langeur
Qui pénètre mon coeur?
Ô bruit doux de la pluie
Par terre et sur les toits!
Pour un coeur qui s'ennuie,
Ô le chant de la pluie!
Il pleure sans raison
Dans ce coeur qui s'écoeure.
Quoi! nulle trahison?...
Ce deuil est sans raison.
C'est bien la pire peine
De ne savoir pourquoi
Sans amour et sans haine
Mon coeur a tant de peine!

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26/10/11

NOCTURNOS - 103

Envelhece-se mais devagar ao anoitecer. A morte enrosca-se, faz uma trégua até que de novo amanheça. Sou um homem nocturno, a luz do dia aumenta o conhecimento da minha escassa eternidade.

Malcom Lowry
http://cortenaaldeia.blogspot.com/?zx=ff0c7c7d0ee8d608

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25/10/11

OMNIA VINCIT AMOR - 168


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Um amor depois do outro

Virá o tempo
quando exultante
hás de saudar-te ao chegar, em teu espelho, e cada qual
retribuirá sorrindo a saudação do outro,

e dirá, senta-te aqui. Come.
Amarás de novo a quem te era estranho: a ti mesmo.
Dá vinho. Pão. Teu coração de volta
a si mesmo, ao estranho que toda a vida

te amou, que, por causa de um outro,
desconsideras, quem te conhece de cor.
Pega as cartas de amor na estante,

As fotos, as anotações desesperadas,
Descasca do espelho tua imagem.
Senta-te. Refestela-te com tua vida.

Derek WalcottPrémio Nobel em 1992 
Trad. de Nelson Archer

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24/10/11

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 99










Violência

Se os nossos olhos te enxergassem, rosa,
E não só: “É uma rosa” nos dissessem
Na vulgar gradação que nunca esquecem,
Que epifania na manhã tediosa!

Se eles vissem, ao vê-la, cada coisa
E não seu nome, se afinal pudessem
Fugir da furna abstrata onde destecem
A vida, um morto partiria a lousa

Maciça de aqui estar. Flor, nuvem, muro,
Árvore, que é uma só e não tal nome,
Se tudo entrasse o corredor escuro

Que há em nós, algo de exato se ergueria,
Algo que pára o tempo ou que o consome,
Que alveja a noite e entenebrece o dia.

 Alexei Bueno

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23/10/11

Boas Noites

22/10/11

DA EDUCAÇÃO -72




DA EDUCAÇÃO

"Em cada geração, as melhores inteligências e as mais ricas imaginações são imoladas no Altar do Supremo Deus da Competição.
A competição é, não apenas má, como um acto educativo, mas também como um ideal para a juventude. O que o mundo necessita não é de competição, mas de organização e cooperação; toda a crença na sua utilidade torna-se um anacronismo. E mesmo que a competição fosse útil, não seria louvável em si própria, considerando que as emoções correspondentes são de hostilidade e crueldade. A concepção da sociedade como um todo orgânico é de muito difícil aceitação, para os que foram educados numa ideologia de competição. Ética ou economicamente, é indesejável que a juventude seja educada na competição."


Bertrand Russell

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21/10/11

Medo num mundo às avessas










O pior dos medos não é aquele que sabemos localizar, que sentimos em relação a uma dada situação, a um objeto ou ser que podemos identificar. Nem é sequer aquele que, após um instante de recusa, nos impele a enfrentar o que nos ameaça. É antes esse sentimento difuso, pouco claro, ambíguo, inteiramente desarmante, que experimentamos quando somos afetados por algo que não sabemos identificar, nem ver, nem prever, reduzindo a nossa margem de escape diante do perigo que pressentimos. É esta espécie de medo que nos acompanha por estes dias, quando somos confrontados com uma imprevisibilidade que começa nas palavras e nos atos daqueles que nos governam e ousam falar em nosso nome. Como poderemos dormir descansados quando os primeiros a ameaçar-nos, a escalar-nos as paredes e a entrarem sem avisar pelos nossos lares adentro, são justamente aqueles que foram democraticamente escolhidos para cuidarem do nosso futuro e gerirem, sob a bandeira que nos reúne, a antiga paz das nossas noites? Algo está muito mal e a precisar muito rapidamente de ação neste mundo às avessas que nem parece o nosso. Que não pode ser o nosso.

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20/10/11

ARTE - 25


http://www.youtube.com/watch?v=YgcAPBJ5GLc&feature=player_embedded

Nota:O nome é Gerard e não Gearg

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19/10/11

ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO



Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo
calai-vos que pode o povo
q'rer um mundo novo a sério...




António Aleixo,poeta popular
img:Tossán

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PENSAR - 130


europeus


Possivelmente, todos nós, nas terras da Europa, nos parecemos. Temos uma sensibilidade comum perante a vida e as suas mudanças. O que mais nos agrada é inventariar as coisas do progresso para não nos iludirmos com ele. Mas, acima de tudo, amamos tudo aquilo que afinal não está na agenda da celebridade. Amamos os quatro favores da pobreza, que são: o humor, o vínculo ao quotidiano, o respeito pela morte e por tudo o que a pode atrasar ou activar. E amamos os caminhos da terra que percorremos sem descanso, mesmo quando somos obrigados a um ofício sedentário.


agustina bessa-luís in dicionário imperfeito

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18/10/11

DESASSOSSEGOS - 125

perfume & chama
Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!
Juan Ramón Jiménez

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17/10/11

DE AMICITIA - 115

amitié
  
Amigos

Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto...

Óscar Wilde

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16/10/11

AVISO

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http://www.youtube.com/watch?v=1HQLggte01I&feature=player_embedded


...Na esperança de que não venham a privatizar os CTT - mesmo que eles nem sempre funcionem bem, chegam, tarde ou cedo, a todo o lado...

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15/10/11

DIREITO DE RESISTÊNCIA

um direito consagrado na nossa Constituição
lembrado pelo Gil Sousa

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Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

                                Valete, Fratres.

Fernando Pessoa - Mensagem 

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14/10/11

ARTE -24

Picasso - Dança

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ESCREVER - 102

  

[escrever]

Escrever era só a sobra. O que restava depois que o dia ia se cumprindo e ela cumpria seu papel – a casa bem cuidada, as garotas na escola, o almoço tão bem temperado, a roupa limpa e guardada, não fossem os vizinhos – ou pior, o marido – chamá-la de relaxada. Tinha uma reputação a cuidar. Dias ainda havia para as compras, estantes e tanta coisa por limpar e arrumar. E sempre, sempre os eternos ciscos, migalhas nas bancadas da copa, poeira aqui e ali, a gordura mal limpa no fogão. Tinha empregada, sim, mas cada dia ela queria fazer menos e sair mais cedo. E ao fim do dia, os momentos de ócio necessários para azeitar as ideias e deixar fluir certa energia semicósmica – porque em parte vinha era de dentro. Nem sabia se era mesmo energia: era mais concreto, como liberar alguma coisa física, um miniparto. E porque nada ainda estava dito, era então preciso colher palavras, limpar a terra, o sangue, a aura estranha e revirá-las sobre o teclado e plantá-las no monitor entre as outras, em sequência de alguma lógica, às vezes nem isso. Sentir e pesar seu efeito, seu tempo de validade, porque às vezes ficavam murchas, pobres, indigestas ou indigentes de sentido, caso em que nada resolviam de sua necessidade: as palavras são como as cores para o pintor. Há um efeito final a levar em conta que, esse sim, vem de dentro, e é preciso ser fiel a ele. Então deixava passar um tempo e voltava a elas, as palavras. Assim podia ter uma ideia mais clara do que estariam fazendo ali, corrigir algum rumo sem destino como um piloto em vôo. O voo era sempre meio cego. Havia tardes e noites em que as palavras pareciam fluir tão facilmente, e ela enchia páginas e páginas seguidas, contente, realizada, achando o tempo um sonho. Mas não durava muito e a dor secreta dos dias voltava a se insinuar. A dor era sempre, não cessaria nunca e se expressava de um jeito surdo, devorando as entrelinhas. Chegava de leve, depois aumentava de intensidade e afinal causava um mal-estar que a obrigava a se curvar como quem carrega um peso maior que suas forças. Então às vezes apareciam poemas no monitor. 

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13/10/11

OS MEUS POETAS - 225

12/10/11

OMNIA VINCIT AMOR - 167

despedida

As palavras que os apaixonados empregam às vezes estão carregadas de falsas emoções. Somente os silêncios possuem aquela precisão cruel que lhes confere a verdade.

Lawrence Durrel

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11/10/11

LER OS CLÁSSICOS - 151


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Estupendo

estupendo,
um jardim em chamas.

o meu coração carece de todas as formas:
um prado para as gazelas,
um mosteiro para os monges,
um chão sagrado para os ídolos,
ka'ba para o peregrino circular,
as tábuas de Tora,
os pergaminhos do Corão.

eu creio no amor,
seja em que esquina a sua caravana vire.
e esta é a minha certeza,
esta é a minha fé.

Ibn ‘Arabī
versão de Pedro Calouste

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10/10/11

OS MEUS POETAS - 224

 lugares 

Entrarás em Delfos pela porta
secreta- a da serpente. É esse,
e não outro, o caminho
para o templo. Junto
à pedra
da ara colherás
o ouro exausto
do tempo e o sangue
inútil dos sacrifícios. E
saberás que amor
e morte são
a outra face do mito.



Albano Martins - Castália e Outros poemas, 2001 

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09/10/11

REVIVALISMOS -25

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DE AMICITIA -114

08/10/11

PÉROLAS - 234

 Campo dei fiori


Não sei que tempos duram as frésias
a rendição de um corpo
é sempre tão inesperada


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07/10/11

Tocando em Frente- Almir Sater

06/10/11

THOMAS TRANSTROMER,NOVO PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA




[Quando desceu à rua]

Quando desceu á rua, depois do encontro de amor  
a neve redemoinhava no ar 
 quando desceu à rua
O Inverno tinha chegado,enquanto estiveram nas mãos um do outro 
A noite brilhava,branca 
Ele correu de alegria 
Toda a cidade se inclinava para um lado ou para outro 
Passavam sorrisos 
Os transeuntes sorriam atrás de colarinhos engomados 
Tudo respirava liberdade 
Todos os pontos de interrogação começaram a entoar a existência de Deus 
Ou , pelo menos, assim pensou  

Uma música soltou-se 
e correu a neve, em turbilhão 
em longas passadas 
a música e tudo erravam sobre a nota dó 
uma bússola balanceante, na direcção de dó 
uma hora mais alta que os tormentos 
tudo era fácil, leve 
E os outros sorriam atrás de colarinhos engomados

Thomas Transttromer 
Trad. de Sérgio Lopes

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LEITURAS - 174


ler

De uma só vez, apostei vinte fredericos nos  Pares e ganhei. Voltei a apostar cinco e ganhei de novo. E assim duas ou três vezes mais. Creio que juntei uns quatrocentos fredericos em cerca de cinco minutos. Deveria ter-me retirado então, mas brotou em mim uma sensação estranha, como um desejo de desafiar o destino, de dar-lhe uma bofetada, [...].
Dostoiewski, O Jogador 
colocado por eli em http://novelosdesilencio.blogspot.com

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05/10/11

DIA INTERNACIONAL DOS PROFESSORES

educação

EU FUI FELIZ EM TER SIDO PROFESSORA!


A escolha deste dia, (em 1994) pela UNESCO,prende- se com a data em que foi publicado o Estatuto do Professor (em 1996)documento que  reconheceu os professores como um  instrumento que define as suas responsabilidades e  direitos.

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04/10/11

ENSINOU A PENSAR EM RITMO - 12



Nós somos loucos,não somos?
D'esta louca poesia,
D'esta riqueza dos pobres
Que se chama fantasia!

Ergamos pois nossa tenda
E nosso lar de pobreza
No mais ermo desses montes,
No fundo da natureza.

Se o frio apertar connosco,
Pois não temos mais calores,
Aqueceremos os membros
Na fogueira dos amores!

Se for tão grande a nossa sede,
Tão longe da fonte fria,

contentar-nos- emos, filha,
Com as águas da poesia!

Assim à nossa pobreza
Daremos a Imensidade...
Que com isto se contente
Nossa pouca seriedade.

E pois somos loucos, vamos,
Atrás dos loucos mistérios...
Deixemos ricas cidades
Ao sério dos homens sérios.

A
ntero de Quental (Beatrice -1861-1862)

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