à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo
(Álvaro de Campos)
31/05/10
PÉROLAS - 197
Tu me chamas ainda a tua vida - - E a vida é só o que se escapa e corre... Antes me chames alma: é mais exacto, Pois que, como a alma, o meu amor não morre.
Houve um homem, anterior a estes e ao abismo. Chovia. O homem apontou o céu e disse: «olha como As nuvens choram,». Foi o primeiro. As palavras eram ainda leves e,naturalmente, era também possível dizer coisas belas e imprevistas como um relâmpago.
Quando os dias são longos em Maio é-me doce o canto dos pássaros de longe, e quando me parti de lá relembra-me um amor de longe; vou, de desejo, curvado e triste tal que nem cantos nem flores de branco-espinho me agradam mais que o inverno gelado.
Bem tenho o Senhor por verdadeiro, que criou este amor de longe, mas por um bem que me acontece, tenho dois males, pois me está longe. Ai! assim fosse eu lá peregrino para o que meu bordão e o meu manto fossem dos seus belos olhos contemplados.
Alegria será quando lhe pedir, por amor de Deus, o albergue de longe; e se lhe agradar, albergarei junto a seu lado, se bem sou de longe; que assim é a conversa perfeita, quando o amante longínquo é tão vizinho que com espírito cortês goza prazer.
Irado e dolente me partireis e não o vejo, este amor de longe; e não sei quando a verei de tal modo são as nossas terras longe: assaz há passos e caminhos; e por isso não sou adivinho… mas tudo seja como a ela apraz.
Jamais amor não desfrutarei se não disfrutar este amor de longe, pois melhor nem mais gentil não sei em nenhum lugar, nem perto nem longe; tanto o seu mérito é grande e elevado que lá no reino dos Sarracenos fosse eu por ela cativo proclamado.
Deus, que fez tudo o que vem e vai, e criou este amor de longe, me dê o poder – que ânimo já terei, de ver este amor de longe, verdadeiramente, em lugar propício, tal que a câmara e os jardins me parecerão novos palácios.
Verdade diz quem me chama ávido e desejoso de amor de longe; pois nenhumas alegrias me agradam mais que os prazeres de amor de longe; mas o que eu quero me é tão vedado: que assim me fadou o meu padrinho que eu amasse e não fosse amado.
Mas o que eu quero me é vedado: maldito seja para sempre o padrinho que me fadou que eu não fosse amado!
Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Hoje, fiz uma lista de livros, e não tenho dinheiro para os poder comprar.
É ridículo chorar por falta de dinheiro para comprar livros, quando a tantos ele falta para não morrerem de fome.
mas também e certo que eu vivo ainda pior do que a minha vida difícil,para comprar alguns livros - sem eles, também eu morreria de fome, porque o excesso de dificuldades na vida, a conta, afinal certa, de traições e portas .................................[que se fecham, os lamentos que ouço, os jornais que leio, tudo isso eu tenho de ligar a mim profundamente, através de quanto sentiram, ou sós, ............................ [ou mal-acompanhados, alguns outros que, se lhes falasse, destruiriam sem piedade, às vezes só com o rosto, quanta humanidade eu vou pacientemente juntando, para que se não perca nas curvas da vida, onde é tão fácil perdê-la de vista, se a curva ......................................[é mais rápida. Não posso nem sei esquecer-me de que se morre ................................................[de fome, nem de que, em breve, se morrerá de outra fome maior, do tamanho das esperanças que ofereço ao apagar-me, ao atribuir-me um sentido, uma ausência de mim, capaz de permitir a unidade que uma presença destrói.
Por isso, preciso de comprar alguns livros, uns que ninguém lê, outros que eu próprio mal lerei, para, quando se me fechar uma porta, abrir um deles, folheá-lo pensativo, arrumá-lo como inútil, e sair de casa, contando os tostões que me restam, a ver se chegam para o carro eléctrico, até outra porta.
E então, eu vi, eu vi abrir-se à nossa frente o dom da revelação. Que eram, pois, todas as nossas conversas, a nossa alegria de taças e cigarros, diante daquela evidência? Tudo o que era verdadeiro e inextinguível, tudo quanto se realizava em grandeza e plenitude, tudo quanto era pureza e interrogação, perfeito e sem excesso, começava e acabava ali, entre as mãos indefesas de uma criança. Mas tão forte era o peso disso tudo, tão necessário que nada disso se perdesse, que as mãos de Cristina se estorciam na distância das teclas, as pernas na distância dos pedais e toda a sua face gentil, até agora impessoal e só de infância, se gravava de arrepio à passagem do mistério. Toca, Cristina. Eu ouço. Bach, Beethoven, Mozart, Chopin. Estou de lado, ao pé de ti, sigo-te no rosto a minha própria emoção. Apertas ligeiramente a boca, pões uma rugazinha na testa, estremeces brevemente a cabeleira loura com o teu laço vermelho. E de ver assim presente a uma inocência o mundo do prodígio e da grandeza, de ver que uma criança era bastante para erguer o mundo nas mãos e que alguma coisa, no entanto, a transcendia, abusava dela como de uma vítima, angustiava-me quase até às lágrimas. Toca uma vez ainda, Cristina. Agora,só para mim. Eu te escuto, aqui, entre os brados deste vento de Inverno. Chopin, Nocturno nº20. Ouço, ouço. As palmeiras balançam no teu jardim, a noite veste-se de estrelas, adormece na planície. Donde este lamento, esta súplica? Amargura de sempre, Cristina, tu sabe - la. Biliões e biliões de homens pelo espaço dos milénios e tu só, presente, a memória disso tudo e a dizê-la...
"Os grandes defeitos são tão profundos que uma pessoa não vê nada à superfície excepto o sorriso.E as grandes experiências definitivas só sucedem uma vez, infelizmente!Sim, só tens direito a uma dentada na cereja.A longa noite aproxima-se, e a treva é explícita.Bebe como os tigres bebem, furtivamente.Uma ideia é como uma ave rara que não pode ser vista.O que uma pessoa vê é o estremecimento do ramo de onde ela acaba de levantar voo."
Lawrence Durrel,Monsieur ou o Príncipe das trevas.,(de O Quinteto de Avinhão)
Keats: I had such a dream last night! I was floating above the trees, with my lips connected to those of a beautiful figure. For what seemed like an age, flowery treetops sprung up beneath us and we um, rested on them, with the lightness of a cloud.
Fanny:Who was the figure?
Keats: [Sighs] I must have had my eyes closed, because, I can't remember.
1ª citação: "A nossa juventude ama o luxo, é mal educada, zomba da autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As crianças de hoje são tiranas. Não se levantam quando um velho entra numa sala, respondem a seus pais e são muito simplesmente más"
- Sócrates (430-399 a.C.)
2ª citação: "Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o mando amanhã, porque estes jovens são insuportáveis e não têm moderação. Simplesmente terrível". - Hesíodo (720 a.C.) 3ª citação: "O nosso mundo atingiu um estado crítico. Os filhos não escutam os seus pais. O fim do mundo não pode estar longe". - Inscrição no túmulo dum sacerdote egípcio (2000 a.C.) 4ª citação: "Esta juventude está podre desde o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Não serão nunca a juventude de outrora. Os jovens de hoje não serão capazes de manter a nossa cultura". - Inscrição numa olaria de Babilónia (2500 a.C.)
Fonte: Ronald Gibson, British Medical Journal, cit. por "Revista da Armada", s.d.
Poesia é uma espécie de mentir, necessariamente. Para proveito do poeta ou da beleza. Mas também nisso a verdade pode ser dita só assim. Aqueles que, admiravelmente, recusam falsificar (tal como aqueles que não querem arriscar fingimentos) estão excluídos de dizerem sequer tanto como isso.
Degas disse que não pintava aquilo que via, mas aquilo que os tornaria capazes de ver a coisa que ele tinha.
Antes de escrever para ti, leitor, é para mim que escrevo. Não para fazer um exercício de auto-contemplação, nem para me libertar de pesos que jamais folgarão tanto as costas como sacos de cimento. Escrevo para mim como quem se interroga, como quem procura construir-se num tempo e num espaço que agrilhoam o pensamento desde a infância perdida. No fundo, escrevo para me libertar de mim próprio e do mundo que me educa.«Pouco ou muito, de tempos a tempos toda a pessoa sente um desejo de abandonar o seu “eu” (esse conjunto aproximativo), tentada por um outro “eu”» (Henri Michaux). Nisso, imito as minhas filhas quando desarrumam a casa. Como elas, desarrumo o domicílio. Não se trata de brincadeira, caro leitor. Pergunta às crianças que te desorganizam a sala se preferiam estar ali, entre as quatro paredes de cimento, protegidas pelas quatro paredes de cimento, ou se preferiam andar na rua. Pode ser que te espante a resposta delas. Não te espantes com a minha: prefiro as casas desarrumadas aos ensaios, às leituras organizadas pela batuta de um maestro, não gosto de encenações, decorações, prefiro o acto, o puro acto da rua à brincadeira domiciliária. Nisso, eu imito o olhar das filhas quando metem torneiras a chorar e desviam da norma a existência dos comandos. Não busco anedotas, coisas belas, nem coisas que de tão feias se tornam caricaturais. Não me basta o rosto grotesco com que acordo todos os dias. Se quiseres, preciso exorcizar o monstro em que me transformo ou corro o risco de me transformar se deixar de insistir na insubordinação e me curvar, submisso, ao castigo que é a domesticação da vida. Podes chamar-lhe anarquismo ontológico, nomadismo espiritual, que nenhum desses conceitos me comoverá tanto como a velha magia de que falava Artaud. Não confundas magia com ilusionismo, pensa nela como se te fosse possível recuperar o sopro mais primitivo da existência. A dança do sol, um silabário anterior à sintaxe dos deuses.
Henrique Fialho
in http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/
As casas vieram de noite As casas vieram de noite De manhã são casas À noite estendem os braços para o alto fumegam vão partir Fecham os olhos percorrem grandes distâncias como nuvens ou navios As casas fluem de noite sob a maré dos rios São altamente mais dóceis que as crianças Dentro do estuque se fecham pensativas Tentam falar bem claro no silêncio com sua voz de telhas inclinadas Luiza Neto Jorge
O vinho possui a cor das rosas. O vinho não é, talvez, o sangue da vinha, .........................[mas, sim, o das rosas. Esta taça não é, talvez, de cristal, ......................[ [[mas de azul do céu coagulado. A noite não é, talvez, senão a pálpebra do dia. Omar Khayyam
Eu a amo, de corpo e alma. Ela é tudo para mim. E no entanto não se parece em nada com as mulheres sonhadas, aquelas criaturas ideais que eu adorava quando menino. Não corresponde a nada que eu tenha concebido na profundeza de meu ser. É uma imagem totalmente nova, algo estranho, algo que o destino roubou de alguma esfera desconhecida para lançar no meu caminho. Olhando para ela, amando-a pedacinho por pedacinho, verifico que a sua totalidade me escapa. Meu amor se acrescenta como uma soma, mas ela, a mulher que procuro com um amor desesperado e faminto, me escapa como um elixir. É completamente minha, de uma maneira quase servil, mas eu não a possuo. Eu é que sou possuído. Sou possuído por um amor que nunca antes se tinha oferecido a mim: um amor absorvente, amor total, amor até as unhas do pé e a sujeira debaixo delas - e, no entanto, minhas mãos estão sempre esvoaçando, sempre procurando agarrar e segurar, aprisionando o vácuo. Henry Miller
Daria a minha vida por um verso que fosse da vida o ápice perfeito - um verso que não coubesse no universo fosse embora à medida do meu peito um só verso luzindo no disperso desconcerto do mundo insatisfeito que fosse da maldade o puro inverso e fosse do amor o belo efeito dez sílabas medidas e não mais para atestar o desejado enlace do verbo com o ser, núpcias reais um verso que esculpisse a exacta face da esfinge esquiva aos édipos mortais um só verso que fosse, mas ficasse.
Cláudio Lima In ItinerariumIII Encontrado emhttp://abelhanachuva.blogspot.com/
O meu querido amigo Fausto dobrou hoje a curva da estrada e está, certamente, fazendo, como Mozart, segundo Bandeira, parte dos anjos. Dele me resta uma memória carinhosa e terna - de um amigo que não vou esquecer.Em entradas poetas meus amigos ele é o 3º com a sua magnífica lição de francês.
Cigarras
Nesta primavera as cigarras cantam diferente.
Há retidos gestos de adeus nas retinas e saudades nas horas.
Longos olhos miram longamente as sombras à procura de duendes.
Olhos feito punhais cravam-se em meus olhos: detém-se o jorro de palavras.
Emoções rompem as eclusas e a poesia nasce, tímida planta, nos áridos campos onde plantei a semente de todas as palavras.
O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa. Sacha lhe deu uma casa, Água, comida e carinhos. Foram cuidados em vão: A casa era uma prisão, O pardalzinho morreu. O corpo Sacha enterrou No jardim; a alma, essa voou Para o céu dos passarinhos!
Rosas que já fostes, desfolhadas Por mãos também que já se foram; rosas Suaves e tristes! Rosas que as amadas Mortas também, beijaram suspirosas... Umas rubras e vãs, outras fanadas, Mas cheias do calor das amorosas... Sois aroma de alfombra silenciosas Onde dormiram tranças destrançadas Umas brancas, da cor das pobres freiras, Outras cheias de viço e de frescura, Rosas primeiras, rosas derradeiras! Ai! quem melhor que vós, se a dor perdura, Para coroar-me, rosas passageiras, O sonho que se esvai na desventura?
"Fazer pensar é tudo; e a agitação a única alavanca que pode deslocar este mundo: pois que agitar quer dizer instruir, ensinar, convencer e acordar."
Alberto Sampaio citado por António Nóvoa (1989). Os professores - quem são? Donde Vêm? Para onde vão?. Encontrado em terrear -http://terrear.blogspot.com/
apenas preciso de alguém que me sorria e reponha o mesmo disco sempre a tocar e escute comigo o vento nas janelas e sinta a tristeza que têm os gladíolos murchando em cima da mesa
"Entretanto é exacto ele ter proposto casamento a Diotima. Fizera-o em primeiro lugar, quanto mais não fosse para evitar as complicações do adultério, incompatível com um modo de vida elevado e consciencioso. Diotima apertara-lhe a mão, reconhecida, e, com um sorriso que lembrava os melhores modelos da história da arte, respondera ao oferecimento dele: - Nem sempre aqueles que nos abraçam são os que amamos mais profundamente... Depois desta resposta, tão equívoca como a sugestiva mancha amarela no coração dos lírios puros, Arnheim não tivera mais coragem de reiterar o seu pedido. Este foi substituído por conversas de ordem geral, nas quais as palavras divórcio, casamento, adultério, etc, apareciam com insistência singular. Foi assim que Arnheim e Diotima discorreram repetidas vezes acerca do adultério na literatura contemporânea: Diotima achava que o problema era tratado sem qualquer respeito pelos grandes sentimentos da disciplina, da renúncia e da ascese heróica, que ele encerrava, mas sim de uma forma puramente sensualista; era também esse, infelizmente, o parecer de Arnehim, de modo que nada lhe restava acrescentar, senão que o sentido do profundo mistério moral da pessoa humana estava quase perdido universalmente."
Acaba de ser lançada hoje, 05/05/2010 a revista literária Literacia:
Da apresentação deste 1ºnúmero:
«Edição I - Maio de 2010
«A Literacia foi pensada e construída, pautando-se na missão de estabelecer a integração entre os povos, promovendo à literatura, o exercício da leitura, a aprendizagem continuada, ampliando nossa visão de mundo através da Língua Portuguesa.»
Nota: declaração de interesses - eu colaboro na revista, a convite da sua promotora, como o fazem já tantos outros...Convido-vos a passarem por lá...
Um dia terás de aceitar a verdade: não é a roupa que tem de se ajustar ao corpo, mas precisamente o contrário: o corpo deve ajustar-se à roupa.
Um dia perceberás que ao desenhares um rosto na humidade dos vidros, poderás apenas retirar desse rosto o prazer que retiras de uma vela a ser
consumida pela chama. Sobra-te a cera, os contornos do rosto desfeito em água, e é como se o rosto que desenhaste fosse uma vasilha de lágrimas. Cera derramada.
Só na memória do teu rosto,mãe posso encontrar agora as paredes da casa onde nasci. Como se fosse possível voltar àquele tempo em que a felicidade residia nas tuas mãos entretidas a encaracolar os meus cabelos.
Do álbum de Zeca Afonso Cantigas de Maio - para todos os Maios, para todos os que neste dia comemoram o Dia dos Trabalhadores.Escrita em tempos de ditadura e resistência.