06/05/10

LEITURAS - 139

sem qualidades

"Entretanto é exacto ele ter proposto casamento a Diotima. Fizera-o em primeiro lugar, quanto mais não fosse para evitar as complicações do adultério, incompatível com um modo de vida elevado e consciencioso. Diotima apertara-lhe a mão, reconhecida, e, com um sorriso que lembrava os melhores modelos da história da arte, respondera ao oferecimento dele: - Nem sempre aqueles que nos abraçam são os que amamos mais profundamente... Depois desta resposta, tão equívoca como a sugestiva mancha amarela no coração dos lírios puros, Arnheim não tivera mais coragem de reiterar o seu pedido. Este foi substituído por conversas de ordem geral, nas quais as palavras divórcio, casamento, adultério, etc, apareciam com insistência singular. Foi assim que Arnheim e Diotima discorreram repetidas vezes acerca do adultério na literatura contemporânea: Diotima achava que o problema era tratado sem qualquer respeito pelos grandes sentimentos da disciplina, da renúncia e da ascese heróica, que ele encerrava, mas sim de uma forma puramente sensualista; era também esse, infelizmente, o parecer de Arnehim, de modo que nada lhe restava acrescentar, senão que o sentido do profundo mistério moral da pessoa humana estava quase perdido universalmente."

musilRobert Musil in "O homem sem qualidades"

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