(...)
O mês de Julho fora quente e luminoso. Mas no princípio do novo mês fez-se mau tempo, reinou uma humidade fria, chuva mesclada de neve, seguida de uma nevada incontestável e esse Verão, além do fim de Agosto, até pleno Setembro. No começo os quartos conservaram o calor do período estival precedente: registaram-se dez graus no seu interior, o que passava por uma temperatura agradável. Mas aos poucos o frio aumentava, e o aspecto da neve que caía sobre o vale causou viva satisfação, porque só ele - a queda de temperatura não teria bastado- decidiu a Administração a acender o aquecimento central, em primeiro lugar na sala de jantar e depois também nos quartos; e quem, após ter cumprido o dever do repouso, se desembaraçasse dos dois cobertores e, abandonando a sacada, entrasse no aposento, podia tocar com as mãos húmidas e enregeladas os radiadores reanimados, cuja emanação seca intensificava o ardor das faces.Era isto o Inverno? Os sentidos não se esquivavam a essa impressão, e todos lamentavam « que lhes tivessem roubado o Verão», posto que eles mesmos, ajudados por circunstâncias artificiais e naturais, por um pródigo consumo do tempo, o tivessem esbanjado eles próprios. A razão argumentava que ainda viriam uns belos dias de Outono, talvez até uma série deles, e que teriam um esplendor tão cálido que não seria excessiva honra atribuir-lhes nome de Verão - uma vez que se fizesse abstracção da órbita do Sol já menos oblíqua e do facto de anoitecer mais cedo. Mas o efeito que a paisagem de Inverno exercia sobre a alma era mais forte que todas as consolações. Pelo menos era essa a atitude de Joachim que disse numa voz oprimida:
-Irá recomeçar isto agora?
Hans Castorp respondeu do fundo do quarto:
- Seria um pouco prematuro. Isto não pode ser definitivo, mas têm uma aparência terrivelmente definitiva. Se o Inverno consiste na escuridão, na neve, no frio e nos radiadores quentes, temos outra vez Inverno, não podemos negá-lo. E quando considero que o Inverno acaba apenas de terminar e mal passou o degelo - em todo o caso parece-nos que acabamos de sair da Primavera; não achas? - bem, sentimo-nos desanimados, francamente! Estas ideias são perigosas para o nosso optimismo. Vou-te explicar o que estou a dizer. Quero dizer que o mundo normalmente está organizado de maneira a corresponder às necessidades do homem e a estimular-lhe a alegria de viver; isto deve ser admitido(...) Mas o caso é que as nossas necessidades e os factos básicos e gerais da Natureza estão, graças a Deus, de acordo uns com os outros. (...) Na planície, quando vem o Verão ou o Inverno, já passou tanto tempo desde o Verão ou Inverno anteriores, que a estação que chega é-nos outra vez nova e bem-vinda, e disso deriva a alegria de viver. Mas aqui em cima, essa ordem e esse acordo são perturbados, primeiro porque no fundo não há verdadeiras estações, como tu mesmo me disseste uma vez, mas somente dias de Inverno e dias de Verão misturados, numa completa desordem e segundo, porque aquilo que decorre para nós aqui não é Tempo, de maneira que o Inverno quando chega, não é novo, mas sim o mesmo que o passado. Daí se explica o mau humor com que estás a olhar pela janela.
(...)
Thomas Mann , A Montanha Mágica
excertos seleccionados e colocados em http://aguarelast.blogspot.com/
Etiquetas: leituras