30/06/06

LER OS CLÁSSICOS - 46



Y la figura

Descubre tu presencia
y mateme tu vista, y hermosura,
mira que la dolencia
de amor no bien se cura,
sino con la presencia, y la figura.

San Juan de la Cruz

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29/06/06

LEITURAS - 13



«O caminhante faz várias paragens, vai andando e narrando, mas só habita em tendas, aguardando novo rumo. Não tarda que ele sinta o coração bater fortemente, ora de desejo, ora também de medo e de angústia da carne. E este será o sinal de que deve prosseguir viagem, à cata de novas aventuras, aventuras que terão de ser penosamente vividas em todos os mais remotos pormenores, de acordo com a vontade insaciável do espírito
Thomas Mann, in José e os seus Irmãos
trad. Elisa Lopes Ribeiro.

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CAMONIANAS -17



Mote alheio

Verdes são os campos
da cor do limão:
assi são os olhos
do meu coração.

Voltas suas

Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes:
d' ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gado, que paceis,
co contentamento
vosso mantimento
não o entendeis;
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.

Luís de Camões, Rimas

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28/06/06

O PRAZER DE LER - 46




A literatura é uma forma de conhecimento. O que saberíamos do amor se não tivéssemos lido o Otelo, de Shakespeare, Ana Karenina, Madame Bovary?

Antonio Tabucchi

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27/06/06

PÉROLAS - 77



Canção

Levas um manto
de flores tecido;
a trama foi feita
de ouro aos fios;
as franjas atadas
por esta ternura,
finas, seguras
das minhas pupilas.

Índios Quíchuas-América do Sul
Versão de Herberto Hélder - in Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro© Assírio & Alvim

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26/06/06

PENSAR - 46




Ser Livre


É mais difícil ser livre do que puxar a uma carroça. Isto é tão evidente que receio ofender-vos. Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar, ou haver carroça para ser puxada. Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando. Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente razão nenhuma para nada. É ser senhor total de si quando se é senhoreado. É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada. É ser-se o mesmo, sendo-se outro. É ser-se sem se ser. Assim, pois, tudo é complicado outra vez. É mesmo possível que sofra aqui e ali de um pouco de engasgamento. Mas só a estupidez se não engasga, ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede, como vós o deveis saber.

Vergílio Ferreira, in 'Nítido Nulo'

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25/06/06

DESASSOSSEGOS - 37


Van Gogh. Zeegezicht bij Scheveningen

Angústia

como se o tempo parasse
– tecidos esgarçados pelo céu
no peito o coração quase supresso
e o mar se repetindo
repetindo

Adelaide Amorimin http://www.meublog.net/adelaideamorim/

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24/06/06

OS MEUS POETAS - 55



Canto-te para que tu definitivamente existas
Canto o teu nome porque só as coisas cantadas
realmente são e só o nome pronunciado inicia
a mágica corrente
Canto o teu nome como o homem fazia eclodir
o fogo do atrito das pedras
Canto o teu nome como o feiticeiro invoca
a magia do remédio
Canto o teu nome como um animal uiva
Como os animais pequenos bebem nos regatos depois
das grandes feras
Canto-te
e tu definitivamente existes nos meus olhos
Sempre abertos porque é sempre os meus olhos
são os olhos da criança que nós somos sempre
diante da imensidão do teu espaço

Canto-te
e os meus olhos sempre abertos são a pergunta
instante pendente de eu te interrogar
e interrogo as coisas em seu ser nocturno
em seu estar sombriamente presentes na tua claridade
obscura
E como é sempre
meus olhos abertos perscrutam-te
símbolo de tudo o que me foge
como apertar o ar dentro das mãos
e querer agarrar-te
oh substância
Canto-te
Para que tu existas
E eu não veja mais nada além de ti

Ana Hatherly

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23/06/06

LEITURAS - 12


[O gosto da madalena]


«Mas no preciso instante em que o gole com migalhas de bolo misturadas me tocou o céu da boca, estremeci, atento ao que de extraordinário estava a passar-se em mim. Fora invadido por um prazer delicioso, um prazer isolado, sem a noção da sua causa. Tornara-me imediatamente indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, do mesmo modo que o amor opera, enchendo-me de uma essência preciosa: ou, antes, tal essência não estava em mim, era eu mesmo. Deixara de me sentir medíocre, contingente, mortal. Donde poderia ter vindo aquela poderosa alegria? Sentia-a ligada ao gosto do chá e do bolo, mas ultrapassava-o infinitamente, não devia ser da mesma natureza. Donde vinha? Que significava? Onde agarrá-la? Bebo um segundo gole, no qual nada encontro a mais que no primeiro, e um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, a virtude da bebida parece estar a diminuir. É verdade que a verdade que procuro não está nela mas em mim.(...) Poiso a xícara e volto-me para o meu espírito. A ele cabe encontrar a verdade. Mas como? Grave incerteza, sempre que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo; quando ele, o explorador, é todo ele o país escuro que tem a explorar e onde lhe não servirá de nada toda a sua bagagem. Explorar? Não só: criar. Está diante de algo que não é ainda e que só ele pode tornar real e depois fazer entrar na sua luz. »

Marcel Proust - Em busca do Tempo perdido -I


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22/06/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 17



A Rosa

Suave Irmã!
Onde irei buscar, quando for Inverno,
As Flores, para tecer coroas aos Deuses?
Então será, como se eu já não soubera do Divino,
Pois de mim terá partido o Espírito da Vida;
Quando eu buscar Prendas de Amor aos Deuses,
As Flores no Campo escalvado,
E te não achar.

Hölderlin

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21/06/06

POETAS AMIGOS - 37



Transpareces quando ris, e nem é preciso haver Sol.
A tua alegria mora onde as casas terminam
e as salinas refulgem resguardadas do Tempo.

Um céptico diria breve esse teu riso
e diáfana a minha fé de para sempre.
Que posso dizer?

Talvez lhe falte o sabor dos diospiros
ao pequeno-almoço.
Ou essa música que tem o perfume das amoras.

João Villa Lobos
in http://prazeresminusculos.blogspot.com/

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20/06/06

LEITURAS - 11


I
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco insecto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar.Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos.
Que me aconteceu? - pensou. Não era nenhum sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares. Por cima da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em completa desordem, uma série de amostras de roupas: Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotografia que recentemente recortara de uma revista ilustrada e colocara numa bonita moldura dourada
. [...]

Franz Kafka,A Metamorfose

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19/06/06

OMNIA VINCIT AMOR - 52



Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos

Ana Cristina César

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18/06/06

COISAS MINHAS - 22


foto de amélia pais

- Quand on est tellement triste, on aime le coucher de soleil.Un jour j'ai vu le soleil se coucher 43 fois.
- Le jour des 43 fois, tu étais donc tellement triste?

Saint-Exupéry, Le Petit Prince
[citado de cor]

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PÉROLAS - 76





Talvez a juventude apenas seja isto:
sem arrependimento amar sempre os sentidos.

Sandro Penna (1906-1977)

Trad. de David M.Ferreira

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17/06/06

DESASSOSSEGOS - 36




Onde pus a esperança, as rosas
Murcharam logo.
Na casa, onde fui habitar,
O jardim, que eu amei por ser
Ali o melhor lugar,
E por quem essa casa amei -
Decerto o achei,
E, quando o tive, sem razão para o ter

Onde pus a feição, secou
A fonte logo.
Da floresta, que fui buscar
Por essa fonte ali tecer
Seu canto de rezar -
Quando na sombra penetrei,
Só o lugar achei
Da fonte seca, inútil de se ter.

Para quê, pois, afeição, esperança,
Se tê-las sabe a não as ter?
Que as uso, a causa para as usar,
Se tê-las sabe a não as ter?
Crer ou amar -
Até à raiz, do peito onde alberguei
Tais sonhos e os gozei,
O vento arranque e leve onde quiser
E eu os não possa achar!


Fernando Pessoa

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16/06/06

DE AMICITIA - 41




L’amitié
Paroles et Musique: G.Lombardi, J.Barnel, H.Pagani 1975

Ça fleurit comme une herbe sauvage
N'importe où, en prison, à l'école,
Tu la prends comme on prend la rougeole
Tu la prends comme on prend un virage
C'est plus fort que les liens de famille
Et c'est moins compliqué que l'amour
Et c'est là quand t'es rond comme une bille
Et c'est là quand tu cries au secours
C'est le seul carburant qu'on connaisse
Qui augmente à mesure qu'on l'emploie
Le vieillard y retrouve sa jeunesse
Et les jeunes en ont fait une loi.

C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ça réchauffe et ça donne du courage
Et ça n'a qu'un slogan "on partage"

Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
Mon ami Pierrot

L'amitié c'est un autre langage
Un regard et tu as tout compris
Et c'est comme S.O.S. dépannage
Tu peux téléphoner jour et nuit
L'amitié c'est le faux témoignage
Qui te sauve dans un tribunal
C'est le gars qui te tourne les pages
Quand t'es seul dans un lit d'hôpital
C'est la banque de toutes les tendresses
C'est une arme pour tous les combats
Ça réchauffe et ça donne du courage
Et ça n'a qu'un slogan : "on partage"

Au clair de l'amitié
Le ciel est plus beau
Viens boire à l'amitié
mon ami Pierrot

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15/06/06

LER CLÁSSICOS - 45



O louro chá no bule fumegando
De Mandarins e Brâmanes cercado;
Brilhante açúcar em torrões cortados,
O leite na caneca branquejando;

Vermelhas brasas alvo pão tostando;
Ruiva manteiga em prato mui lavado;
O gado feminino rebanhado,
E o pisco Ganimedes apalpando;

A ponto a mesa está de enxaropar - nos,
Só falta que tu queiras, meu Sarmento,
Com teus discretos ditos alegrar-nos.

Se vens, ou cala chuva, ou brame o vento,
Nãoi pode a longa noite enfastiar-nos,
Antes tudo será contentamento.

Pedro António Correia Garção, poeta árcade-s.XVIII
imagem de m.helena roque em digitalis
http://mhroque.blogspot.com/

14/06/06

DA EDUCAÇÃO - 16

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O PRAZER DE LER - 45




ANIA

Volta, mamã, muito, muito depressa…está bem? Vou-me preparar para os exames, hei-de passar, e, em seguida, trabalharei para te ajudar. E havemos de ler juntas,mamã, as duas, muitos livros…está bem?(Beija as mãos da mãe) Durante as noites longas de Outono. Havemos de ler, de ler livros. E um mundo novo e maravilhoso se abrirá diante de nós…(Sonha).Volta, mamã…

Tchekov, in O Cerejal

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13/06/06

HOJE ...DIA DE TODOS OS FERNANDO(S) PESSOA(S)

.
costa pinheiro-fernando pessoa
Nascido em 13 de Junho de 1888, em Dia de Santo António

Soneto já Antigo

Olha,Daisy,quando eu morrer, tu hás de
Dizer aos meus amigos aí de Londres,
Que embora não o sintas,tu escondes
A grande dor da minha morte.Irás de

Londres para York,onde nasceste (dizes-
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes

(Embora não o saibas)que morri.
Mesmo ele,a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará.Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...

(Fernando Pessoa / Álvaro de Campos )

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12/06/06

LEITURAS - 10



[Já no final do Outono ]

«Já no final do Outono, fui uma vez passear. Desloquei-me para sul, visitei uma cidade que nasceu de um humilde bairro de vivendas, onde não morava gente rica, mas pessoas que viviam das suas pequenas economias e pensionistas, moravam em pequenas casinhas com jardins simples. Um jovem e reputado arquitecto tinha aqui construído muita coisa encantadora, que eu queria ver mais uma vez.
Era uma tarde quente, aqui e ali havia nogueiras que se esvaziavam, os jardins e as pequeninas casas estavam alegremente expostas ao sol. Agradavam-me as construções simples e bonitas, e observava-as com o superficial interesse dos jovens para quem o lar e a família, o descanso e o fim do dia de trabalho ainda estavam bem longe. A pacífica rua com jardim causava uma impressão simpática, agradável, eu ia devagar, ao passar lia os nomes dos donos das casas em pequenas placas de metal nos portões.»
[....]


Hermann Hesse, Gertrud, ed. Difel

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11/06/06

NOCTURNOS - 7




A noite é um campo
semeado de estrelas
sem árvores
sem belezas
apenas a rosa
brilhante
cintila no céu escuro.
Noite, espera um pouco,
eu gosto de ti
tu tens todo o encanto
sonhas no ar
como pássaros voando em lírios
és livre
ó noite infinda
na arte dos céus!


Poema infantil
colhido em http://insensatez.no.sapo.pt/palavras/noite00.htm-

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10/06/06

DIA DE CAMÕES - DIA DE PORTUGAL




«O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não,que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
D'uma austera, apagada e vil tristeza»
Lus.X,145


PORTUGAL


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neill

09/06/06

LEITURAS - 9






"O seu bolo pode não ter saído bem, mas ela é amada, de qualquer modo. É amada, pensa, mais ou menos da mesma maneira que as suas prendas serão apreciadas: porque foram dadas com boa intenção, porque existem, porque fazem parte de um mundo em que uma pessoa quer o que recebe."
Michael Cunningham - As Horas

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08/06/06

DA EDUCAÇÃO -15


Rafael, Escola de Atenas

Em favor da manutenção dos Estudos Clássicos em Portugal

Face à hipótese de supressão das licenciaturas em Estudos Clássicos nas Universidades Portuguesas, uma Petição on-line em

http://www.petitiononline.com/classici/

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DESASSOSSEGOS - 35


van gogh,rosas silvestres

Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar,
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!

Fernando Pessoa. Poesias de Álvaro de Campos.

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07/06/06



Le Temps des Cerises

Quand nous chanterons le temps des cerises,
Et gai rossignol, et merle moqueur
Seront tous en fête !
Les belles auront la folie en tête
Et les amoureux du soleil au cœur !
Quand nous chanterons le temps des cerises
Sifflera bien mieux le merle moqueur !

Mais il est bien court, le temps des cerises

Où l'on s'en va deux cueillir en rêvant
Des pendants d'oreilles...
Cerises d'amour aux robes pareilles,
Tombant sous la feuille en gouttes de sang...
Mais il est bien court, le temps des cerises,
Pendants de corail qu'on cueille en rêvant !

Quand vous en serez au temps des cerises,
Si vous avez peur des chagrins d'amour,
Evitez les belles !
Moi qui ne crains pas les peines cruelles
Je ne vivrai pas sans souffrir un jour...
Quand vous en serez au temps des cerises
Vous aurez aussi des chagrins d'amour !

J'aimerai toujours le temps des cerises,
C'est de ce temps-là que je garde au cœur

Une plaie ouverte !
Et dame Fortune, en m'étant offerte

Ne saurait jamais calmer ma douleur...
J’aimerai toujours le temps des cerises

Et le souvenir que je garde au cœur !


Jean-Baptiste Clément (1866)
musique de A. Renard

O PRAZER DE LER - 44



Do meu melhor professor, poderia dizer o que diria se me perguntassem qual o meu livro preferido: tive, ao longo da vida, vários encontros felizes com livros, e ainda bem. O primeiro de que me lembro de ter gostado muito foi Um fidalgo de per­nas curtas, da IIse Losa (esta história bonita de amizade entre um menino e um cão fez-me chorar muitas vezes). Mas depois gostei muito de O Monte de San Michele, do Axel Munthe (e já não me lembro porquê), e depois entrei na fase de o meu livro pre­ferido ser À la recherche du temps perdu, do Proust, e depois, ou ao mesmo tempo, Os Maias, do nosso Eça. Porque eu fui sendo várias ao longo dos anos, e até ao mesmo tempo, quem sabe.

[…]


Isabel Margarida Duarte
in Correio da Educação nº251-27 fev.2006

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06/06/06

POETAS AMIGOS - 36



Escuto o rumor da luz no alto da
falésia. A poalha da luz de ouro coroa-me
os dedos com o espírito do deus
alado.

É cedo, muito cedo para começar a
morrer.

Manuel Silva Terra, Livro da Ignorância
Casa do Sul, ed.-Évora

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05/06/06

DA EDUCAÇÃO - 15


fot.de William Ronis

[…]
Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. “Erotizada“ – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo.[…]

Rubem Alves
–in http://www.microeducacao.pro.br/Artigos/RubemAlves.htm

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OS MEUS POETAS - 54




Um homem junta folhas num
monte no seu quintal, uma pilha
E apoia-se no ancinho e
queima-as todas.
A fragrância enche a floresta
as crianças param e sentem o
aroma, que se tornará
nostalgia em alguns anos

James Douglas MorrisonJim Morrison
Tradução de Ana Paula Sousa e António Costa.

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04/06/06

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 16


foto de eli


Canto Trigésimo Segundo

Vinte dias atrás meti uma rosa no copo
perto da janela em cima da mesinha.
Quando reparei que as folhas
perdiam o vigor
sentei-me diante do copo
para ver a rosa morrer.

Esperei um dia e uma noite.

A primeira pétala desprendeu-se às nove da manhã
e deixei que caísse em minhas mãos.
Nunca tinha estado ao leito de morte de um moribundo
nem quando minha mãe morreu,
pois então estava de pé, ao longe, no fundo da rua.

Tonino Guerra -O Mel
Trad. Mário Rui de Oliveira
(Assírio &Alvim)

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03/06/06

NOCTURNOS - 6




À margem

Tudo o que brilha na noite,
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.
A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.
Apaga-te,
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.
A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.



Octavio Paz

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02/06/06

LEITURAS - 8



[O jovem Törless]

[....]

"De repente ele notou - e era como se fosse pela primeira vez - quanto o céu ficava longe.
Foi como um sobressalto. Exactamente por cima dele reluzia entre as nuvens uma nesga de azul, indizivelmente profunda.
Sentiu que poderia subir até lá numa escada bem longa. Mas, quanto mais entrava ali, erguendo-se pelo olhar, mais o fundo azul e luminoso se encolhia, recuando. Era como se ele tivesse de alcançá-lo, segurando-o com os olhos. Esse desejo tornou-se torturantemente intenso." [....]

Robert Musil, "O Jovem Törless".
Tradução de João Filipe Ferreira.

encontrado em http://last-tapes.blogspot.com/

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CAMONIANAS -16


em Constância -foto de ana assunção

[SEXTINA]


Foge-me pouco a pouco a curta vida
- se por acaso é verdade que inda vivo -,
vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;
choro pelo passado enquanto falo,
se me passam os dias passo e passo;
vai-se-me enfim a idade, e fica a pena.

Que maneira tão áspera de pena
que nunca üa hora viu tão longa vida,
em que possa do mal mover-se um passo!
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfim? Para que falo,
se lograr-me não pude de meus olhos?

Ó fermosos, gentis e claros olhos,
cuja ausência me move a tanta pena
quanta se não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
de vós m'inda inflamasse o raio vivo,
por bem teria tudo quanto passo.

Mas bem sei que primeiro o extremo passo
me há-de vir a cerrar os tristes olhos
que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
que escreveram de tão molesta vida
o menos que passei, e o mais que falo.

Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que, se de um pensamento n'outro passo,
vejo tão triste género de vida
que, se lhr não valerem tantos olhos,
não posso imaginar qual seja a pena
que traslade esta pena com que vivo.

N'alma tenho contino um fogo vivo
que, se não respirasse no que falo,
estaria já feita cinza a pena;
mas sobre a maior dor que sofro e passo,
me temperam as lágrimas dos olhos
com que, fugindo, não se acaba a vida.

Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
vejo sem olhos, e sem língua falo;
e juntamente passo glória e pena.


Luís de Camões, Rimas - ed. de 1595

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01/06/06

PÉROLAS - 75




Maria Campaniça
Debaixo do lenço azul com sua barra amarela
os lindos olhos que tem!
Mas o rosto macerado
de andar na ceifa e na monda
desde manhã ao sol-posto,
Mas o jeito
das mãos torcendo o xaile nos dedos
é de mágoa e abandono...
Ai Maria Campaniça,
levanta os olhos do chão
que quero ver nascer o sol!
Manuel da Fonseca

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