31/08/05

OMNIA VINCIT AMOR -26



A andorinha canta: «Aurora,
Para onde se foi a aurora?»


Assim se vai também a minha noite feliz
O meu amor na cama ao meu lado.

Imagine-se a minha alegria ouvindo o seu murmúrio:
«Jamais te deixarei», disse-me.
«Com a tua mão na minha passearemos
Por todos os mais belos caminhos».
·Demais a mais ele quer que o mundo saiba
Que de entre todas as mulheres sou a primeira
E que o meu coração nunca mais há-de ficar triste.

Poemas de Amor do Antigo Egipto

- tradução Helder Moura Pereira; Assírio & Alvim ,1998

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30/08/05

DO FALAR POESIA - 31

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aprendizagem da poesia

Durou muitos anos, aquele verão.
Crescíamos sem pressa com o trigo
e as abelhas. Com o sol
corríamos para a àgua, à noite
num verso de Shakespeare ou
na nossa boca uma estrela dançava.
Aprendíamos a amar, aprendíamos
a morrer. A todos os sentidos
pedíamos para escutar o rumor,
não do mundo, que ninguém abarca,
apenas da brancura de uma folha
e outra folha ainda de papel.


Eugénio de Andrade

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O PRAZER DE LER -26



Elogio do livro


Convençam-se: nenhuma escrita digital conseguirá superar o livro. Porque o papel não é apenas papel. Nele as palavras respiram. Amarelecem. Têm cicatrizes. Carregam anos, anotações de margem, cheiros. Só no papel fazem sentido versos como «Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado», de Herberto Helder. O papel expressa-nos como lume em dia de chuva. Acaricia-nos. É cúmplice dos nossos vestígios que estão para lá do concreto, porque apenas a leitura-escrita primitiva permite a evocação da verdade inalterável das coisas. Da consumação do subjectivo.

Tiago Barbosa Ribeiro - in http://laplage.blogs.sapo.pt/

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29/08/05

DESASSOSSEGOS - 8



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Explicação

O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.

Deus não fala comigo--e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
---espero a minha própria vinda.


(Navego pela memória
sem margens.

Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)


Cecília Meireles


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28/08/05

PÉROLAS - 1

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«Quem a alegria beija no romper do dia
vive no coração da eternidade.»


William Butler Yeats

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27/08/05

OS MEUS POETAS - 35


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OH YES

there are worse things than
being alone
but it often takes decades
to realize this
and most often
when you doit´s too late
and there´s nothing worsethan
too late.



OH SIM

há coisas bem piores
do que ser sozinho.
mas às vezes levamos décadas
a percebê-lo.
e ainda mais vezes
demasiado tarde
e não há nada pior
do que
demasiado tarde


trad.de Amélia Pais.


A NEW WAR

and to think, after I’m gone,
there will be more days for others,
other days,
other nights.
dogs walking, trees shaking in the wind.
I won´t be leaving much.
something to read, maybe.
a wild onion in the guttedroad.
Paris in the dark.


Charles Bukowsky




UMA NOVA GUERRA

e pensar que, depois de desaparecer,
haverá mais dias para os outros,
outros dias,
outras noites.
cães a passear,
árvores oscilando ao vento.
não deixarei muito.
alguma coisa por ler, talvez.
um rebelde na estrada devastada.
Paris às escuras.


trad. de Rui Manuel Amaral

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26/08/05

DE AMICITIA-21



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Intimidade na Amizade

«Ele encontrou alguém com quem pode falar, pensei. E eu também, pensei a seguir. No momento em que um homem começa a falar de sexo a outro, está a dizer alguma coisa acerca de ambos. Noventa por cento das vezes isso não acontece, e talvez seja melhor que não aconteça, mas se não conseguirmos alcançar um certo grau de franqueza no que respeita a sexo e optamos por proceder como se nem sequer pensássemos nisso, então a amizade masculina é incompleta. A maioria dos homens nunca encontra um amigo assim. Não é comum. Mas quando acontece, quando dois homens se descobrem de acordo sobre esta parte essencial de ser um homem, sem medo de serem julgados, aviltados, invejados ou dominados, seguros de que a sua confiança não será traída, a sua relação humana pode tornar-se muito forte e nascer uma intimidade inesperada.»
Philip Roth, in 'A Mancha Humana' -ed.Teorema,Lisboa

Obs.:Permito-me recomendar muito este livro - um dos melhores que li nos últimos tempos.


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25/08/05

ESCREVER - 15

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«Quanto a mim, os únicos trilhos da criação que conheço são os abertos passo a passo, ou seja palavra a palavra, pelo próprio caminhar da escrita. Antes de começar a traçar signos na página, não existe nada, salvo um magma informe de sensações mais ou menos confusas, de lembranças mais ou menos acumuladas, e um vago - muito vago - projecto. É apenas ao escrever que alguma coisa acontece, em todos os sentidos do termo.(...) Nesse momento ter-se-á talvez feito aquilo que eu designo por romance (...) romance que no entanto não conterá a história exemplar de um qualquer herói ou heroína, mas esta história bem diversa que é aventura singular do narrador que não para de procurar, descobrindo às apalpadelas o mundo na e pela escrita.»

Claude Simon in Prefácio de Orion Aveugle - JL nº 908

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24/08/05

LER OS CLÁSSICOS - 15

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Ode on Intimations of Immortality

Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind.

Wordsworth (1770-1850)


Embora nada possa fazer voltar a hora
Do esplendor na relva, da glória na flor;
Não nos lamentaremos, antes procuraremos
A força no passado.

Trad. de Amélia Pais

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23/08/05

PENSAR - 24




O Amor da Sabedoria Tem Falta de Amor


A sabedoria deve saber que traz em si uma contradição: é louco viver muito sabiamente. Devemos reconhecer que, na loucura que é o amor, há a sabedoria do amor. O amor da sabedoria - ou filosofia - tem falta de amor. O importante, na vida, é o amor. Com todos os perigos que carrega.Isto não é suficiente. Se o mal de que sofremos e fazemos sofrer é a incompreensão de outrem, a autojustificação, a mentira de si próprio (self-deception), então a via da ética - e é aí que introduzirei a sabedoria - está no esforço de compreensão e não na condenação - no auto-exame que comporta a autocrítica e que se esforça por reconhecer a mentira de si próprio.

Edgar Morin, in 'Pode Haver uma Sabedoria Moderna ? ' (c0nferência)

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22/08/05

DO FALAR POESIA - 30

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«[...] Eu escrevo poesia porque gosto de cantar quando estou só [...]

Eu escrevo poesia porque minha cabeça contém uma multidão de pensamentos,
10 mil para ser preciso[...

Eu escrevo poesia porque não há razão, não há porquê.

Eu escrevo poesia porque é a melhor forma de dizer tudo que me vem à cabeça no intervalo de um quarto de hora ou de toda uma vida».

Allen Ginsberg

(excertos de uma conferência pronunciada em Pequim, em 21 de outubro de 1984).
Fonte: Leia, setembro de 1985

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21/08/05

DESASSOSSEGOS - 7

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"Eu vinha para a vida e dão-me dias."

Ruy Belo, Homem de Palavra(s)

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20/08/05

OS MEUS POETAS - 34

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foto de A.Pais

Não mais

Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e porque
Me considero hoje um dos muitos Mercadores e artesãos do Império
[do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

[….]

Não duvidaria.
Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem - nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.

Czeslaw Milosz, 2 excertos do poema Não mais
–trad. brasileira de Henryk Siewierski e Marcelo Paiva de Souza

19/08/05

FERNÃO DE MAGALHÃES

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rota de Magalhães

A Igreja diz que a terra é achatada, mas sei que ela é redonda, porque vi a sombra na Lua, e tenho mais fé numa sombra do que na Igreja.

Fernão de Magalhães (1480? - 1521), único português a ter o seu nome nas estrelas


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FERNÃO DE MAGALHÃES

No valle clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do valle vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titans, os filhos da Terra
Que dançam da morte do marinheiro
Que quiz cingir o materno vulto-
Cingil-o, dos homens, o primeiro-
Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda commanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas elles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do valle pelas encostas
Dos mudos montes.

Fernando Pessoa, Mensagem

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OMNIA VINCIT AMOR-25

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E alguém disse:

- Fala - nos do Amor.

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o ;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.


E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos ;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele ;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar - vos

E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.
[....]


O amor só se dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.


[... ]

Mas se amardes e tiverdes desejos ,
deverão ser estes:
fundirem-se e serem um regato que corre
cantando à noite a sua melodia.

[...]


Khalil Gibran (Líbano) - excertos de O Profeta

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18/08/05

POETAS AMIGOS - 14

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foto:monumento a Sibelius em Helsinki
(visto da vertical)


Concerto, ré menor

(Para Jan Sibelius)

Ah essa dor...
esse doer como voam cisnes,
esse deslizar por cordas de violinos,
ré menor, adagio di molto,
onde se prendem meus cabelos...
Desespero, meu substantivo,
vago, sem verbo, a saber lagos,
sozinho,
finlândias de minhas horas de
sol-talvez-nunca-mais...
Cellos, fagotes, oboés, acudam.
Minh'alma, grande obra, é inútil.
Peço perdão.
Pianissimo, rejo-me cromático
- lágrima -, descendente.

- José P. di Cavalcanti Jr.


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PENSAR -23

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Viver Sempre Perfeitamente Feliz

Viver sempre perfeitamente feliz. A nossa alma tem em si mesma esse poder de ficar indiferente perante as coisas indiferentes. Ficará indiferente se considerar cada uma delas analiticamente e em bloco, lembrando-se que nenhuma nos impõe opinião a seu respeito nem nos vem solicitar; os objectos estão aí imóveis e somos nós que formamos os nossos juízos sobre eles e os entalhamos, por dizê-lo assim, em nós mesmos; e está em nosso poder não os gravar e, se eles se insinuam nalgum cantinho da alma, apagá-los de repente.
Depois os cuidados que te pungem não duram, bem depressa deixará de viver. E por que tens um penoso sentimento de serem assim as coisas? Se são conformes à natureza aceita-as alegremente e sejam-te propícias. Se vão ao arrepio da natureza, busca o que for conforme à tua natureza, e corre nessa direcção, fosse-te ela menos propícia; merece indulgência quem procura o seu próprio bem.

Marco Aurélio, in 'Pensamentos'

recolhido em -http://citador.weblog.com.pt/

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17/08/05

DO FALAR POESIA -29

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Tormento do Ideal

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre,

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombra, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.

Antero de Quental

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16/08/05

O PRAZER DE LER -25



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OS DIREITOS DO LEITOR

1.o direito de não ler
2. o direito de saltar páginas
3.o direito de não acabar o livro
4.o direito de reler
5.o direito de ler só o que lhe apetece
6.o direito ao bovarismo *
7. o direito de ler onde lhe der na real gana
8. o direito de pescar aqui e acolá**
9. o direito de ler em voz alta
10. o direito a não se pronunciar sobre o livro

Daniel Pénnac, Como um Romance

* o direito ao bovarismo: a identificar-se com as personagens ou a mensagem
** o direito de pescar aqui e acolá: de abrir o livro ao calha, ler um pouco, saltar páginas ou ler páginas ao acaso

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15/08/05

POETAS AMIGOS -13

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"Que levas cruel morte? hum claro dia" (Luís de Camões) .
um claro dia. tudo está guardado
no devir da nuvem.resta o silêncio
de quem amou apenas nos limites
da sua alegria.

anoitece a alva, a vergonha dos
corpos apenas é o limite do sangue.

Jorge VicenteDa série de poemas Autoridades
in http://amoralva.blog-city.com/

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14/08/05

DESASSOSSEGOS - 6

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DESESPERANÇA


A glicínia serpeia no tronco velho
e o dossel chama as abelhas na tarde quente.
Ninguém perturba o seu afã de insectos
eficazes.
As rolas soltam arrulhos mas não convidam à sesta
e não caem coa calma aves nem bocas de amantes.
Tudo é mudo e branco. Nada significa.

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DE AMICITIA - 20


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Lembranças


aos amigos

Dizem que aos vinte e sete anos não se têm
memórias, que tudo são só recordações, talvez
lembranças (dirão alguns). As memórias
são para aqueles que jogaram nas ruas com
uma bola de trapos; ou foram para a escola
descalços; ou namoraram da rua a rapariga com quem
mais tarde vão casar; ou fizeram a guerra.
Nós temos apenas recordações, lembranças,
iguais aos dias quentes de julho quando, não fazendo
a guerra, passávamos as tardes aos tiros,
às explosões e a discutir quem morreu primeiro,
quando a morte ainda era para nós um longo e
profundo sono; iguais ao sabor das cerejas
quase negras que à noite íamos roubar
sem nenhum ruído, não fossemos acordar
o Ti Jaquim; iguais ao primeiro beijo dado atrás
da capela com aquela rapariga com quem mais tarde
não viemos a casar; iguais aos joelhos esfolados
de tanto jogar à bola; iguais ao primeiro cigarro
roubado a um dos pais e depois fumado
com tiques de gente crescida; iguais ao silêncio
que era estar deitado na erva fresca a tentar
contar estrelas. Mas isto são só recordações,
talvez lembranças (dirão alguns).

Manuel A.Domingos - http://limitesdeluz.blogspot.com/

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