31/08/11
30/08/11
DESASSOSSEGOS - 122
Alguém parte para o exílio.
E não sei se sou eu
o homem que se vai ou o país que fica.
o homem que se vai ou o país que fica.
Federico Gallego Ripoli
(Versão de Luís Parrado)
Etiquetas: desassossegos
29/08/11
PÉROLAS -230
Pela manhã de junho é que eu iria
pela última vez.
Iria sem saber onde a estrada leva.
E a sede.
Eugénio de Andrade,em Matéria Solar
Etiquetas: pérolas
28/08/11
PENSAR - 129
[Mais ou menos...]
"A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos. A gente pode dormir numa cama mais ou menos, comer um feijão mais ou menos, ter um transporte mais ou menos, e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro. A gente pode olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos...TUDO BEM! O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum...é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos..."
Chico Xavier
Etiquetas: pensar
27/08/11
26/08/11
LEITURAS - 170
Um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entrada de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me:
- «Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem, gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado. »
Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.
Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os' dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a ...
- «Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem, gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado. »
Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.
Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os' dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a ...
Marguerite Duras - O Amante (1984) - 1ª página
recolhida por JMA em http://terrear.blogspot.com
Etiquetas: leituras
25/08/11
NOCTURNOS - 101
Pouco sei da noite
mas a noite parece saber de mim,
e para mais, conforta-me como se me desejasse,
cobre-me a consciência com as suas estrelas.
Talvez a noite seja a vida e o sol a morte.
Provavelmente a noite é nada
e nada as conjecturas sobre ela
e nada os seres que a vivem.
Talvez as palavras sejam tudo o que existe
no enorme vazio dos séculos
que nos arranham a alma com as suas recordações.
Mas a noite há-de conhecer a miséria
que bebe do nosso sangue e das nossas ideias.
Ela há-de atirar ódio às nossas observações
sabendo-as cheias de interesses, de desencontros.
Mas sucede que ouço a noite chorar nos meus ossos.
A sua lágrima imensa delira
e grita que algo partiu para sempre.
Um dia voltaremos a ser.
Alejandra Pizarnik, in Las Aventuras Perdidas
Versão de HMBF in http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/
Etiquetas: desassossegos, nocturnos
24/08/11
DA EDUCAÇÃO - 69
“Para as crianças, educação é o mestre-escola; para os jovens é o poeta.”
Aristófanes
Encontrado em http://www.profblog.org/
Etiquetas: da educação
23/08/11
«ENSINOU A OBSERVAR EM VERSO» -26
Heroísmos
Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme
Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Lisboa.Publicado no Diário da Tarde (Porto), 7 de Fevereiro de 1874.
Cesário Verde
img:turner
Etiquetas: ensinou a observar em verso
22/08/11
SER ARTISTA
à espera de godot
Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.
Samuel Beckett
Samuel Beckett
Etiquetas: PENSAR-CITAÇÕES
21/08/11
20/08/11
ESCREVER - 100
“Escrever é traduzir. Sempre o será. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos […] para um código convencional de signos, a escrita, e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não a integridade da experiência que nos propusemos transmitir (inevitavelmente parcelar em relação à realidade de que se havia alimentado), mas ao menos uma sombra do que no fundo do nosso espírito sabemos ser intraduzível, por exemplo, a emoção pura de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o resto de um sonho que o tempo não apagará por completo.
O trabalho de quem traduz consistirá, portanto, em passar a outro idioma (em princípio, o seu próprio) aquilo que na obra e no idioma originais já havia sido “tradução”, isto é, uma determinada percepção de uma realidade social, histórica, ideológica e cultural que não é a do tradutor, substanciada, essa percepção, num entramado linguístico e semântico que igualmente não é o seu. O texto original representa unicamente uma das “traduções” possíveis da experiência da realidade do autor, estando o tradutor obrigado a converter o “texto-tradução” em “tradução-texto”, inevitavelmente ambivalente, porquanto, depois de ter começado por captar a experiência da realidade objecto da sua atenção, o tradutor realiza o trabalho maior de transportá-la intacta para o entramado linguístico e semântico da realidade (outra) para que está encarregado de traduzir, respeitando, ao mesmo tempo, o lugar de onde veio e o lugar para onde vai. Para o tradutor, o instante do silêncio anterior à palavra é pois como o limiar de uma passagem “alquímica” em que o que é precisa de se transformar noutra coisa para continuar a ser o que havia sido. O diálogo entre o autor e o tradutor, na relação entre o texto que é e o texto a ser, não é apenas entre duas personalidades particulares que hão-de completar-se, é sobretudo um encontro entre duas culturas colectivas que devem reconhecer-se. “
O trabalho de quem traduz consistirá, portanto, em passar a outro idioma (em princípio, o seu próprio) aquilo que na obra e no idioma originais já havia sido “tradução”, isto é, uma determinada percepção de uma realidade social, histórica, ideológica e cultural que não é a do tradutor, substanciada, essa percepção, num entramado linguístico e semântico que igualmente não é o seu. O texto original representa unicamente uma das “traduções” possíveis da experiência da realidade do autor, estando o tradutor obrigado a converter o “texto-tradução” em “tradução-texto”, inevitavelmente ambivalente, porquanto, depois de ter começado por captar a experiência da realidade objecto da sua atenção, o tradutor realiza o trabalho maior de transportá-la intacta para o entramado linguístico e semântico da realidade (outra) para que está encarregado de traduzir, respeitando, ao mesmo tempo, o lugar de onde veio e o lugar para onde vai. Para o tradutor, o instante do silêncio anterior à palavra é pois como o limiar de uma passagem “alquímica” em que o que é precisa de se transformar noutra coisa para continuar a ser o que havia sido. O diálogo entre o autor e o tradutor, na relação entre o texto que é e o texto a ser, não é apenas entre duas personalidades particulares que hão-de completar-se, é sobretudo um encontro entre duas culturas colectivas que devem reconhecer-se. “
Etiquetas: escrever
19/08/11
PÉROLAS - 229
Tela de Pablo Picasso
Grande aventura
é entregar-se
aos braços do dia que começa.
Adelaide Amorim
Etiquetas: pérolas, poetas meus amigos
18/08/11
DE AMICITIA -111
Parábola dos sete vimes
“Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Quando estava para morrer, chamou-os todos sete, e disse-lhes assim:-Filhos, já sei que não posso durar muito; mas antes de morrer, quero que cada um de vós me vá buscar um vime seco e mo traga aqui.- Eu também? – Perguntou o mais pequeno, que tinha só quatro anos. O mais velho tinha vinte e cinco e era um rapaz muito reforçado e o mais valente da freguesia.- Tu também - respondeu o pai ao mais pequeno.Saíram os sete; e daí a pouco tornaram a voltar, trazendo cada um seu vime seco.
O pai pegou no vime que trouxe o filho mais velho e entregou-o ao mais novinho, dizendo-lhe: - Parte esse vime.O pequeno partiu o vime, e não lhe custou nada a partir.Depois, o pai entregou outro ao mesmo filho mais novo e disse-lhe:
- Agora parte também esse..O pequeno partiu-o; e partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não lhe custou nada parti-los todos. Partindo o último, pai disse outra vez aos filhos:-Agora ide procurar outro vime e trazei-mo.
Os filhos tornaram a sair e daí a pouco estavam outra vez ao pé do pai, cada um com o seu vime.- Agora dai-mos cá - disse o pai.E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho. E, voltando-se para o filho mais velho, disse-lhe assim:
- Toma este feixe! Parte-o!O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.- Não podes? - perguntou ele ao filho.Não, meu pai, não posso.-E algum de vós é capaz de o partir? Experimentai
Não foi nenhum capaz de o partir, nem dois juntos, nem três, nem todos juntos.O pai disse-lhes então:-Meus filhos, o mais pequenino de vós partiu, sem lhe custar nada, todos os vimes, enquanto os partiu um por um; e o mais velho de vós não pode parti-los todos juntos; nem vós, todos juntos, fostes capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrai-vos disto e do que vos vou dizer: enquanto vós todos estiverdes unidos, como irmãos que sois, ninguém zombará de vós, nem vos fará mal, ou vencerá. Mas logo que vos separeis, ou reine entre vós a desunião, facilmente sereis vencidos..
Acabou de dizer isto e morreu – e os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre em boa irmandade ajudando-se sempre uns aos outros; e como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem”
- Agora parte também esse..O pequeno partiu-o; e partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não lhe custou nada parti-los todos. Partindo o último, pai disse outra vez aos filhos:-Agora ide procurar outro vime e trazei-mo.
Os filhos tornaram a sair e daí a pouco estavam outra vez ao pé do pai, cada um com o seu vime.- Agora dai-mos cá - disse o pai.E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho. E, voltando-se para o filho mais velho, disse-lhe assim:
- Toma este feixe! Parte-o!O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.- Não podes? - perguntou ele ao filho.Não, meu pai, não posso.-E algum de vós é capaz de o partir? Experimentai
Não foi nenhum capaz de o partir, nem dois juntos, nem três, nem todos juntos.O pai disse-lhes então:-Meus filhos, o mais pequenino de vós partiu, sem lhe custar nada, todos os vimes, enquanto os partiu um por um; e o mais velho de vós não pode parti-los todos juntos; nem vós, todos juntos, fostes capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrai-vos disto e do que vos vou dizer: enquanto vós todos estiverdes unidos, como irmãos que sois, ninguém zombará de vós, nem vos fará mal, ou vencerá. Mas logo que vos separeis, ou reine entre vós a desunião, facilmente sereis vencidos..
Acabou de dizer isto e morreu – e os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre em boa irmandade ajudando-se sempre uns aos outros; e como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem”
Etiquetas: de amicitia
17/08/11
OS MEUS POETAS - 219
O sentido da simplicidade
Escondo-me atrás de coisas simples,
para que me encontres.
Se não me encontrares, encontrarás as coisas,
tocarás o que minha mão já tocou,
os traços juntar-se-ão de nossas mãos,
uma na outra.
A lua de agosto brilha na cozinha
como pote estanhado (pela razão já dita),
ilumina a casa vazia e o silêncio ajoelhado,
este silêncio sempre ajoelhado.
Cada palavra é a partida
para um encontro - muita vez anulado –
e só é verdadeira quando, para esse encontro,
ela insiste, a palavra.
Se não me encontrares, encontrarás as coisas,
tocarás o que minha mão já tocou,
os traços juntar-se-ão de nossas mãos,
uma na outra.
A lua de agosto brilha na cozinha
como pote estanhado (pela razão já dita),
ilumina a casa vazia e o silêncio ajoelhado,
este silêncio sempre ajoelhado.
Cada palavra é a partida
para um encontro - muita vez anulado –
e só é verdadeira quando, para esse encontro,
ela insiste, a palavra.
(Trad. Eugénio de Andrade)
Etiquetas: os meus poetas
09/08/11
08/08/11
DESASSOSSEGOS - 121
Um homem sussurrou: Deus fale comigo!
E um rouxinol começou a cantar.
Mas o homem não ouviu.
Então o homem repetiu:
Deus fale comigo!
E um trovão ecoou nos céus.
Mas o homem foi incapaz de ouvir.
O homem olhou em volta e disse:
Deus, deixe-me vê-lo!
E uma estrela brilhou no céu.
Mas o homem não a notou.
O homem começou a gritar:
Deus mostre-me um milagre!
E uma criança nasceu.
Mas o homem não sentiu o pulsar da vida.
Então o homem começou a chorar e a se desesperar:
Deus toque-me e deixe-me sentir que você está aqui comigo...
E uma borboleta pousou suavemente
Em seu ombro.
O homem espantou a borboleta com a mão e, desiludido,
Continou o seu caminho triste, sozinho e com medo.
(dos cherokees, índios do sudeste norte-americano)
para saber mais: wikipedia.org / wiki / Cheroke
para saber mais: wikipedia.org / wiki / Cheroke
Etiquetas: desassossegos
07/08/11
PENSAR - 128
Viver no mundo segundo a opinião do mundo é fácil; como também é fácil viver solitário segundo nós mesmos; mas o grande homem é aquele que mantém, em meio à multidão, com perfeita brandura, a independência da solidão.
Ralph Emerson |
Etiquetas: pensar
06/08/11
05/08/11
DOM BELTRÃO
D. BELTRÃO (Roncesvales)
Três voltas dei ao castelo
sem achar por dond'antrar.
Cavaleiro d' armas brancas
viste-lo por qui passar?
Eu vi-o morto n' areia
com a cabeça no juncal.
Três feridas tinha no corpo
todas três eram mortal:
por uma Ih' antrava o sol
pela outra o luar.
Pla mais pequena de todas
um gavião a voar
com as asas mui abertas
sem nas ensanguentar.
Três voltas dei ao castelo
sem achar por dond'antrar.
in Horta de Literatura de Cordel-org.por Mário Cesariny
Etiquetas: poesia popular
04/08/11
OMNIA VINCIT AMOR - 165
Quantas vezes o disse para dizer outra coisa? Que o amor é uma doce e complexa mistura de ternura desejo admiração paciência trabalho sopro memória furor paixão sexo compaixão amizade loucura saudade e tudo e sempre e mais... Quantas vezes o disse para dizer o que só te posso dizer a ti, que me abres um novo paraíso?
Casimiro de Brito - in O Livro de Eros
Etiquetas: omnia vincit amor
03/08/11
02/08/11
POETAS MEUS AMIGOS - 152
Julho
No céu, nenhuma sombra. É o solque volta a ser maciço.
Cintila e fere os olhos, embotando-os
e embotando a imagem
que para si cada homem construiu.
As árvores já mortas
Cintila e fere os olhos, embotando-os
e embotando a imagem
que para si cada homem construiu.
As árvores já mortas
e ipês de cores já plenas pontuam
uma única avenida.
Ainda sobeja o que resta do dia
e o calor é silêncio.
Trabalho que não cessa, caminhões
que toldam o ar de negro,
o almoço gorduroso feito às pressas
e pesado o torpor.
Não há corpo que não queira dormir.
Raivosa e crua luz meridiana
e o seu coração sujo.
O céu é torvelinho. Lancina a tarde.
Um vento carmesim
torna ásperos suor e epiderme.
Se os dias são poemas
são poemas que integram alfarrábios
que toda a gente leu
sem saber que leu – elegia vinda
dos pianos da infância.
E se os dias são poemas, os versos
ardem como esta luz
trêmula e sôfrega que corta o ar
e que ateia fogo às asas dos pássaros.
Cinzas que toda a gente
respira como se não respirasse.
uma única avenida.
Ainda sobeja o que resta do dia
e o calor é silêncio.
Trabalho que não cessa, caminhões
que toldam o ar de negro,
o almoço gorduroso feito às pressas
e pesado o torpor.
Não há corpo que não queira dormir.
Raivosa e crua luz meridiana
e o seu coração sujo.
O céu é torvelinho. Lancina a tarde.
Um vento carmesim
torna ásperos suor e epiderme.
Se os dias são poemas
são poemas que integram alfarrábios
que toda a gente leu
sem saber que leu – elegia vinda
dos pianos da infância.
E se os dias são poemas, os versos
ardem como esta luz
trêmula e sôfrega que corta o ar
e que ateia fogo às asas dos pássaros.
Cinzas que toda a gente
respira como se não respirasse.
Daniel Francoy
http://oceuvazio.blogspot.com
Nota:O Daniel Francoy publicou, nas edições Artefacto, Lisboa, em 2010, Em cidade Estranha-Retrato de Mulheres
Nota:O Daniel Francoy publicou, nas edições Artefacto, Lisboa, em 2010, Em cidade Estranha-Retrato de Mulheres
Etiquetas: poetas meus amigos
01/08/11
OS MEUS POETAS - 218
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
.
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos
Etiquetas: desassossegos, os meus poetas