OS MEUS POETAS - 218
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
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Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
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Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
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Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
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Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
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Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
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Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos
Etiquetas: desassossegos, os meus poetas
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