31/07/11

ESCREVER - 99

escrever
Antes de escrever para ti, leitor, é para mim que escrevo. Não para fazer um exercício de auto-contemplação, nem para me libertar de pesos que jamais folgarão tanto as costas como sacos de cimento. Escrevo para mim como quem se interroga, como quem procura construir-se num tempo e num espaço que agrilhoam o pensamento desde a infância perdida. No fundo, escrevo para me libertar de mim próprio e do mundo que me educa.«Pouco ou muito, de tempos a tempos toda a pessoa sente um desejo de abandonar o seu “eu” (esse conjunto aproximativo), tentada por um outro “eu”» (Henri Michaux). Nisso, imito as minhas filhas quando desarrumam a casa. Como elas, desarrumo o domicílio. Não se trata de brincadeira, caro leitor. Pergunta às crianças que te desorganizam a sala se preferiam estar ali, entre as quatro paredes de cimento, protegidas pelas quatro paredes de cimento, ou se preferiam andar na rua. Pode ser que te espante a resposta delas. Não te espantes com a minha: prefiro as casas desarrumadas aos ensaios, às leituras organizadas pela batuta de um maestro, não gosto de encenações, decorações, prefiro o acto, o puro acto da rua à brincadeira domiciliária. Nisso, eu imito o olhar das filhas quando metem torneiras a chorar e desviam da norma a existência dos comandos. Não busco anedotas, coisas belas, nem coisas que de tão feias se tornam caricaturais. Não me basta o rosto grotesco com que acordo todos os dias. Se quiseres, preciso exorcizar o monstro em que me transformo ou corro o risco de me transformar se deixar de insistir na insubordinação e me curvar, submisso, ao castigo que é a domesticação da vida. Podes chamar-lhe anarquismo ontológico, nomadismo espiritual, que nenhum desses conceitos me comoverá tanto como a velha magia de que falava Artaud. Não confundas magia com ilusionismo, pensa nela como se te fosse possível recuperar o sopro mais primitivo da existência. A dança do sol, um silabário anterior à sintaxe dos deuses.
Henrique Fialho in http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/

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30/07/11

ARTE -17

Paul   Gauguin

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OS MEUS POETAS - 217


aves

Pardalzinho

O pardalzinho nasceu
Livre.Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.  
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou     
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

Manuel Bandeira

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29/07/11

LER OS CLÁSSICOS - 149

[Seja, pois, raro o apreço.]

Photobucket

Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro. Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo. Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade. É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo. A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância; não nasce tanto da perfeição dos objectos, quanto da imperfeição dos conceitos. São únicas as perfeições de primeira grandeza: seja, pois, raro o apreço.  


PhotobucketBaltasar Gracián y Morales
encontrado em   http://cortenaaldeia.blogspot.com/2010

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28/07/11

SOMOS

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27/07/11

POETAS MEUS AMIGOS - 151

LER
 
dos livros

os livros que leio são uma extensão minha
os outros estão escritos numa língua estrangeira
a esses vou arrancando as páginas até restar nas mãos
uma fogueira. depois imagino que alguém que passe por eles
me traga um lugar onde o sol me queime os dedos
os meus lábios falam do resto da minha tristeza
e eu escureço lentamente com o segredo das árvores

 Maria Azenha

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26/07/11

LEITURAS - 169

autores 

[última reserva do passado]

Ora as lembranças de amor não constituem excepção às leis gerais da memória, também elas regidas pelas leis mais gerais do hábito. Como este enfraquece tudo, o que melhor nos recorda um ser é justamente o que esquecemos (porque era insignificante e lhe deixámos assim toda a sua força). Por isso é que a melhor parte da nossa memória está fora de nós, numa aragem pluviosa, no cheiro de um quarto fechado ou no cheiro de uma primeira labareda, em toda a parte onde encontramos de nós mesmos o que a nossa inteligência, por não o utilizar, pusera de lado, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem esgotadas, nos sabe ainda fazer chorar.
Marcel Proust - Em busca do tempo perdido

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25/07/11

A Barca dos Amantes





Sérgio Godinho , cantautor, em Escritor de Canções

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24/07/11

E ASSIM VAMOS SEGUINDO EM FRENTE...


...enquanto houver bons marinheiros...

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NOCTURNOS - 100

NATUREZA
Qué tristeza este pasar
el caudal de cada día
(vueltas arriba y abajo!),
por el puente de la noche
(vueltas abajo y arriba!),
al otro sol!
Quién supiera
dejar el manto, contento,
en las manos del pasado;
no mirar más lo que fue;
entrar de frente y gustoso,
todo desnudo, en la libre
alegría del presente!



Juan Ramón Jiménez

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23/07/11

AMÁLIA


cujo nascimento,  em 23 de julho de 1920,no tempo das cerejas,  o Google,sempre atento, comemora assim - colocando-a em cabeçalho  -clicando nele vão encontrar-se coisas sobre ELA.

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DESASSOSSEGOS - 120


desassossegos

Convite Triste

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.

Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.

Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.

Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.

Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.


Carlos Drummond de Andrade

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22/07/11

arte - 16


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O PRAZER DE LER -124


livros e
maçã

«A literatura é uma actividade fundamental e de nenhuma maneira uma especialização. Deve ocupar um lugar importante na vida de todas as pessoas, porque é uma fonte de conhecimentos e uma fonte extraordinária de prazer. Essa é e mensagem que trago aos jovens: convencê-los de que os livros são importantes porque não há diversão mais sã, exaltante e estimulante; um bom livro realmente criativo, agudiza a nossa sensibilidade, desenvolve em nós um grande sentido crítico e transforma a nossa existência.»

Mário Vargas LLosa

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21/07/11

DE AMICITIA -110


Porque os amigos brasileiros comemoram o Dia do Amigo, associo-me a eles e estou grata por todos os amigos que reconheci ou por quem fui reconhecida. Eles são também a minha família - a que tive a sorte de encontrar.

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NOCTURNOS - 99

chopin.varsovia

CHOPIN

Não se acende hoje a luz... Todo o luar
Fique lá fora. Bem aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordão de margaridas!

Entram falenas meio entontecidas...
Lusco-fusco... Um morcego, a palpitar,
Passa... torna a passar... torna a passar...
As coisas têm o ar de adormecidas...

Mansinho... Roça os dedos p’lo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!

E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira,
Vem para mim da escuridão da sala...

Florbela Espanca

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20/07/11

OS MEUS POETAS - 216


infância,infância
O Somno de João

O João dorme... (Ó Maria,
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...)

Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engulil-o um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!

O João dorme... Que regalo!
Deixal-o dormir, deixal-o!
Callae-vos, agoas do moinho!
Ó mar! falla mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...

O João dorme... Innocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo somno profundo!
Não acordes para o mundo,
Póde affogar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...

Ó Mae! canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Ha só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vae sem se sentir.»

Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!

E tu vel-o-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...

Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!

Mas para isso, ó Maria!
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...

E os annos irão passando.

Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha tambem)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas:
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir...
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é d'onde elle veio...

Mas para isso, ó Maria!
Pede áquella cotovia
Que falle mais davagar:

Não vá o João, acordar...

António Nobre, in 'Só' de que disse ser «o livro mais triste que há em Portugal»

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19/07/11

DO FALAR POESIA - 131



natureza


Aquisição fabulosa

(para João Cabral de Melo Neto)

Lapidar o poema.
Lançá-lo lindo à língua,
sem o peso do vácuo.
Palavra por palavra,

Sem prematura pressa.
Palavra por palavra,
Sem proezas supérfluas.
Palavra por palavra,

Sem pretensões precárias.
Para depois de pronto,
devolvê-lo nu aos deuses,
sem o peso do véu.  


Adriano Nunes

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18/07/11

Los poetas andaluces de ahora - Água Viva



http://www.youtube.com/watch?v=TBrD1Pl5UAw

¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
 ¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?
¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre
Pero, ¿dónde los hombres?
Con ojos de hombre miran
Pero, ¿dónde los hombres?
Con pecho de hombre sienten
Pero, ¿dónde los hombres?//

Cantan, y cuando cantan parece que están solos
Miran, y cuando miran parece que están solos
Sienten, y cuando sienten parece que están solos

¿Qué cantan los poetas, poetas andaluces de ahora?
¿Qué miran los poetas, poetas andaluces de ahora?
¿Qué sienten los poetas, poetas andaluces de ahora?

Y cuando cantan, parece que están solos
Y cuando miran , parece que están solos
Y cuando sienten, parece que están solos (BIS)

Pero, ¿dónde los hombres?

¿Es que ya Andalucía se ha quedado sin nadie?
¿Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?
¿Que en los campos y mares andaluces no hay nadie?

¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta,
Quien mire al corazón sin muros del poeta?
Tantas cosas han muerto, que no hay más que el poeta

Cantad alto, oireis que oyen otros oidos
Mirad alto, vereis que miran otros ojos
Latid alto, sabreis que palpita otra sangre

No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo encerrado
Su canto asciende a más profundo,
Cuando abierto en el aire ya es de todos los hombres

Y ya su canto es de todos los hombres
Y ya su canto es de todos los hombres
Y ya su canto es de todos los hombres
Y ya su canto es de todos los hombres (BIS)

Poema de Rafael Alberti, cantado pelos Agua Viva

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17/07/11

arte - 15

olga suvorova

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LEITURAS - 168

LER


«Naquele momento, teria sentido uma alegria muito enganadora ao pensar que o meu desejo, a satisfação do meu desejo forneceria uma prova evidente da minha impossibilidade de sentir o amor. Mas a carne traiu-me: aquilo que o meu espírito queria, o meu corpo fê-lo no seu lugar. Achei-me desta maneira perante uma nova contradição. Falando um pouco vulgarmente, diria que, convencido de nunca vir a ser amado, limitara-me a sonhar acerca do amor; e que, finalmente substituíra o amor pelo desejo, facto que me trouxera a paz. Mas subitamente descobri que o próprio desejo exigia de mim o esquecimento das minhas condições de vida, o afastamento da única barreira entre o amor e eu: a certeza de nunca vir a ser amado. Julgara o desejo uma coisa muito mais límpida do que é na verdade, não suspeitara minimamente de que ele nos obrigava, por muito pouco que fosse, a ver-nos sob uma luz de sonho.»

Excerto de "O Templo Dourado", de Yukio Mishima
Tradução de Filipe Jarro, 
Edição: Assírio e Alvim, 1985 

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16/07/11

LER OS CLÁSSICOS - 148

autores

[essas velhas fábulas]

Quem disse alguma vez que há deuses lá nos céus?
Não há, não há, não há. Não deixem que ninguém,
mesmo crente sincero nessas velhas fábulas,
com ela vos engane e vos iluda ainda.
Olhai o que acontece, e dai a quanto digo
a fé que isto merece: eu afirmo que os reis
matam, roubam, saqueiam à traição cidades,
e, assim fazendo, vivem muito mais felizes
que quantos dia a dia pios são e justos.
Quantas nações pequenas, bem fiéis aos deuses,
sujeitas são dos ímpios com poder e força,
vencidas por exércitos que as escravizam.
E vós, se me vez de trabalhar rezais aos deuses,
e deixais de lutar para ganhar a vida,
aprendereis que os deuses não existem. Que todas
as divindades significam só
a sorte, boa ou má, que temos neste mundo.

Eurípedes ( Grécia - Ática ... 480-405 a. C.)
excerto de " Belerofonte"

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15/07/11

Para quem não sabe por onde andei...

04/07/11


e os blogues, mesmo floridos como este barco, também...
Voltarei em breve, e como sempre, ao porto de abrigo...

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03/07/11

LEITURAS - 167

ler

As mulheres não são pacientes com o amor. São pacientes com tudo e de tudo fazem hábitos. Do amor é que não. Daí que muitas delas deixem de ser honestas e se entreguem a uma forma de criação que é principiar do nada coisas efémeras que nunca acabam. Chama-se a isto Quinta-Essência, a região do fogo e do amor. (...)
Há, nesse círculo da quinta-essência, uma atracção tão arrebatada que ela serve de linguagem entre gente complemente estranha na raça e nos costumes. Um deleite, que não é dos sentidos mas superior nos seus efeitos...

Agustina Bessa Luís, em A Quinta Essência

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02/07/11

ENSINOU A PENSAR EM RITMO - 11

noite


Génio da Noite

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo, triste e lento
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

Antero de Quental

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01/07/11

ARTE - 14


THE SUN IS GOD 
terão sido as últimas palavras de Turner

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OS MEUS POETAS - 215

objectos

epígrafe

Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre...

Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente e Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa...

 Eugénio de Castro

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