30/05/05

Breve ausência

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Amigos:
Vou estar ausente entre dia 31, amanhã, e 8 de junho, em que estarei de regresso a estas e outras lides.
Desejo a todos que esta semana seja de serenidade e de bem-estar, com música, flores, boas leituras e sobretudo em boas companhias.
E deixo-vos estas papoilas, «grito aberto na manhã do espanto»

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PENSAR - 17



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A Melhor Parte da Nossa Memória está Fora de Nós

As recordações em amor não constituem uma excepção às leis gerais da memória, também ela regida pelas leis do hábito. Como esta enfraquece tudo, o que mais nos faz lembrar uma pessoa é justamente aquilo que havíamos esquecido por ser insignificante e a que assim devolvemos toda a sua força.A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado ou no de um primeiro fogaréu, seja onde for que de nós mesmos encontremos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando se esgotam todas as outras, sabe ainda fazer-nos chorar.

Marcel Proust, in 'A Fugitiva'

Encontrado em http://citador.weblog.com.pt/

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ESCREVER - 9

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- pour écrire il ne faut pas être trop intelligent, il faut être un idiot fulgurant. - António Lobo Antunes
- écrire c'est surtout essayer de survivre - Le Clézio

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29/05/05

OMNIA VINCIT AMOR - 15

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[Dos laços que Amor arma...]

Mas quem pode livrar-se, porventura,
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente
[....]

Quem viu um olhar seguro, um gesto brando,
Uma suave e angélica excelência,
Que em si está sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ela resistência ?
[....]

Luís de Camões, Os Lusíadas, III, 142 - 143

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28/05/05

LER OS CLÁSSICOS - 5/1

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POR QUE OS AMORES FAZEM MAIS SENTIMENTO
NO CORAÇÃO QUE OUTRA BENQUERENÇA
(excertos)

Os amores no coração fazem mais rijo e continuado sentimento que outra benquerença, por estas razões:

Primeira, por a contrariedade do entender que os contradiz, mostrando de uma parte quanto mal por eles se faz, defendendo que se não faça, e doutra o desejo que muito com eles reina, requerendo com grande afincamento [persistência] que persevere no que há começado, fazem uma porfia que continuadamente dá grã pena de espírito, afã e cuidado, do que mui amiúde os namorados se queixam, a qual se não pode passar sem rijos[penosos] sentimentos.

Segunda, porque rijo, desordenado e continuado desejo, ciúmes e vanglória fazem no coração grande sentimento. E porquanto estes reinam mais com amores que com outra benquerença, porém fazem maior sentido.
Terceira, porque assim como dizem as cousas costumadas não fazerem tanto sentir, por esse fundamento aquelas que se abalam convém que o acrescentem. E pois que os amores nunca dão repouso por fazerem contentar de mui pequeno bem, assim como de uma boa maneira de olhar, gracioso rir, ledo falar, amoroso e favorável jeito, e de tal contrário se assanham, tomam suspeita, caem em tristeza, filhando [tomando] tão rijo cuidado por uma cousa de nada, como se tocasse a todo seu bom estado, que o não deixa enquanto dura pensar em al [em mais nada]
...
- continua
(D.Duarte ,s.XIV-XV - em O Leal Conselheiro)


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LER OS CLÁSSICOS -5/2-cont.

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{...}livremente, mas como aquele que tem véu posto ante os olhos vê as cousas, dessa guisa [desse modo] ele pensa em todas outras fora do seu fundamento por cima daquele cuidado que lhe faz parecer todas as folganças nada, não havendo aquela que mais deseja. E se a cobrasse [alcançasse], que tristeza nunca sentiria, o que é tão errado pensamento como bem demonstram muitos exemplos, os quais não quer consentir que se creiam, posto que claramente de demonstrem, pensando que nunca semelhante como ele sentiu que o contrário pudesse sentir, o que adiante as mais das vezes se demonstra mui desvairado do que parece. E por aqui se pode bem conhecer, posto que não caia em outro erro, quanto perigo é trazer um tal cuidado assim reinante em ele, que o não deixe pensar em cousa livremente sem haver dele lembramento, e como constrangido cuidar em qualquer outro feito por pesado que seja, para o coração no que tais amores lhe mandam quer embargar seu sentido, desamparando todos os outros por necessários que sejam. E por estas razões convém que traga e faça maiores sentimentos que outra maneira de amar.
A boa amizade de entre marido e mulher e outros verdadeiros amigos disto sentem o contrário, porque, quanto ao primeiro, não passam tal contrariedade de entre o entender e vontade, porque ambos são dum acordo; quanto praz ao coração de amar, tanto assim julga o entender que é bem de se fazer. Ao segundo, desejo rijo não sentem, porque vivem em deleitação e contentamento; tais ciúmes não devem haver por a grande segurança que um do outro, sem algum temor, sempre tem. [.....]
E se algum sente trabalho, ou amiúde se torva por amor que tenha dalguma pessoa, se não é por manifesto mal, perigo ou perda que vem a ele ou a quem assim ama, saiba que tal amor é por desordenada paixão ou falecimento dalguma das partes, e não de amizade que por virtude, acordo de razão e bom entender de ambos convém ser confirmado, os quais sem causa direita não dão nem consentem padecer, por assim amar, suspeita, nojo, tristeza ou algum empacho, nem cativamento de cuidado, mas outorgam liberdade.[....]
E porém, ainda que os amores tragam os sentimentos suso [atrás] ditos e façam obrar por eles cousas mui revessadas, não se creia porém que com eles mais amam, porque o verdadeiro amor com benquerença e vontade de bem fazer mais está na direita amizade ca em eles, cujo fundamento, como disse, é um desordenado desejo de ser benquisto e cumprir vontade por continuada afeição, sem outro regimento de bom entender nem virtude [....]

Porém dou este avisamento que não pense algum que possa bem achar pessoa tão perfeita para amar que seja fora de todos os falecimentos, e em virtudes, condição, maneira de viver, linhagem, idade, acordamento de vontades e boa disposição, mas onde o principal bem está, as pequenas mínguas devem ser tão escurentadas que se não sintam, ou pareça que não queriam que se mudasse, duvidando de perder alguma cousa do principal que mais prezam. [....]
Rei Dom Duarte,in Leal Conselheiro

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ESCREVER - 8

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porque escrevo

[....]

Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?

Quando eu era criança, durante muito tempo pensei que os livros nascessem como as árvores, como os pássaros. Quando descobri que existiam autores, pensei: também quero fazer um livro."

[....]
Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...



Clarice Lispector

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27/05/05

POEMAS DE AMIGOS -3

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ed.Kelps,Goiânia, Brasil


LIÇÃO DE FRANCÊS


Le régiment était en bataille
Sur le talus du chemin de fer:
oh, se me lembro, era pequeno,
e je n’avais pas a consciência
da beleza de certas línguas.
E dona Elza me ensinava fazer
a liaison correta.
Meus olhos perdulários, rápidos,
ligavam-se às coxas redondas
da professora e eu inventava
mil posições d’enjambements.





Fausto Rodrigues Valle (do livro Relógio de Areia, 1998)

OMNIA VINCIT AMOR -14

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Picasso-Lovers

Das palavras, ainda

Eram amantes das palavras, artesãos de frases que faziam e desmanchavam a gosto. Ávidos, usaram todas as que tinham há muito guardadas para o dia inesperado em que o amor os convocasse. Inundaram o ar com o som que os submergia e nada chegava perto. Finalmente, de olhos deslumbrados, perceberam que só o silêncio bastava para conter a desmesura do que os unia.

Ana Roque- in modus vivendi - http://amata.weblog.com.pt/

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26/05/05


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Mar

Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?'
João Guimarães Rosa, Campo Geral.

DE AMICITIA - 13


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Só Se Possuem Eternamente os Amigos de Quem Nos Separamos

O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces, ao encontro de quem vais e que porventura te esperam: aquele que eles vão conhecer será diferente daquele que eu julguei conhecer e creio amar. Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo. Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela. Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo, assim tu também não és mais para mim do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver. Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo. Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.

Marguerite Yourcenar, in 'Sistina'

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25/05/05

DO FALAR POESIA - 23

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A centelha do
poema dorme num
punho fechado

abre-se a mão
torna-se ave


Carlos Alberto Silva, in Bestiário Poético - -ed.Folheto, Leiria, 2004
ver tb. http://animalpoetico.blogs.sapo.pt/ e http://sitiodoshaikais.blogspot.com/

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24/05/05

O PRAZER DE LER - 18

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LIA

Lia lia e sorria
e às vezes gargalhava.
E ninguém compreendia
o motivo da risada.

As letrinhas, ali, em massa,
sob os olhos da menina,
pareciam fazer graça
à sua boca pequenina.

Lia lia e sorria
de um conto inesperado
e, surpresa, descobria
o universo ao seu lado!

Lia lia e sorria,
pois podia desfrutar
das viagens que fazia
sem sair de seu lugar.

Lia lia e sorria
um sorriso lindo e esperto.
Quem no livro sempre espia
vê o mundo bem de perto.


Maria da Graça Almeida

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23/05/05

OS MEUS POETAS -27

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imagem:Turner

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21/05/05

POEMAS DE AMIGOS -2

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ao entardecer, o Guadiana


o entardecer acende uma estrela na planície
e doira as pedras do chão, em silêncio
- é quando sobe o rumor da água,
a secreta linguagem do rio
que não se desvenda, porém murmura
ao ouvido de quem retarda o passo
a escutá-lo.


gonçalo bruno de sousa

20/05/05

LER OS CLÁSSICOS - 4


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Todo o Mundo e Ninguém

Todo-o-mundo:

Eu hei nome Todo-o-Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo

Ninguém:

Eu hei nome Ninguém
e busco a consciência

Berzebu:

Esta é boa experiência:Dinato, escreve isto bem.

Dinato:

Que escreverei, companheiro?

Berzebu:

Que Ninguém busca consciência
e Todo-o-Mundo dinheiro


Gil Vicente - Auto da Lusitânia - excerto

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ESCREVER -7

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Falar é difícil

a escrita é o gesto dos inadaptados à fala, daqueles que, de alguma maneira amputados, não conseguem expressar-se pelas delicadezas do verbo, pela boa música de uma ideia ou desejo pronunciados. A escrita é a salvação dos desesperados: e é tão imperfeita. Tu não sabes falar, não sabes dizer, e quando não podes escrever dependes das imagens como um ortodoxo precisa dos ícones. O que se passa contigo rapaz? Tens uma nova casa, o teu novo bairro é acolhedor, visitas mais frequentemente os teus amigos, estás agora no umbigo do mundo, o que te falta? Ontem, depois de uma conversa ligeira com alguém, descobriste as tuas imperfeições, mas e daí? Todos as têm. Estás mesmo perdido, não estás? Tão perdido que nem sabes ao certo o que querias escrever aqui.
- Era para falar da tua nova solidão:



Óscar Mouravein http://www.finisterra.blogger.com.br/

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18/05/05

DE AMICITIA - 12

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A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade.O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância.
Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça.



La BoétieDiscurso sobre a servidão voluntária dos homens
[Ver entradas Pensar 11/1 e 2- arquivos de março]

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INESIANAS - 14

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Ex-voto da Paisagem de Coimbra
ao Pôr-do-Sol


Sangue de Inês, Coimbra, é o teu ex-voto.
Ah, quem o crime estranha, a morte chora?
Inês, ó miséria, teu nome invoco
Ao rito da paisagem que o memora.


Em teu perfil de magoada ausente
Que Coimbra de lágrimas incensa,
Teu sangue, à mártir, exilou em Poente,
Doou-te o amor espiritual presença.


Teu infortúnio, aos meus lábios, timbra,
Sangüínea a golpes na hora do sol-pôr,
Que aos outonais poentes de Coimbra
O sol é em sacrifício do teu amor,


E em teu lago, cismátíco paúl,
Olho as nuvens do Céu cor de martírios:
Anda tua Alma poluindo o Azul,
Dorida luz viática de círios.


E ao que esta luz fatídica delira
E ao que a paisagem tem de insatisfeito,
Com meus dedos em febre, as mãos na Lira,
Soluçarei cuidados do teu peito.


Teu vulto de "Mors-amor" recomponho
Quando cai em delíquio a tarde exangue:
— E é a paisagem minha Ágora de sonho ,
— E é o poente a Legenda do teu sangue.


"Mors-amor", sinto! é a expressão do Outono
Que vem dos choupos ao cair da folha!
"Mors-amor", ouço! em ritos de abandono
É o olor das pétalas que o vento esfolha!


Desígnio de algum choupo ou cedro velho
Quando o Sol abre o cálice vermelho
Da imensa flor da tarde, eu sinto, eu sei!


Oh!, mãos em holocausto, eu quero vê-los,
Ao Poente, libando os teus cabelos,
Como se fossem áulicos de El-Rei.


Afonso Duarte

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17/05/05

LER OS CLÁSSICOS -3

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Cantiga

Entre tamanhas mudanças,
Que coisa terei segura?
Duvidosas esperanças
Tão certa desaventura.

Venham estes desenganos

Do meu longo engano, e vão,
Que já o tempo e os anos
Outros cuidam que me dão.
Já não sou para mudanças,
Mais quero uma dor segura.
Vá crê-las, vãs esperanças,
Quem não sabe o qu'aventura.


Bernardim Ribeiro -S.XVI

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16/05/05

O PRAZER DE LER - 17

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Livros não mudam o mundo


Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas.

Mário Quintana

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DO FALAR POESIA - 22

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Ver o Céu de Verão
É poesia, ainda que não esteja num Livro -
Os Verdadeiros Poemas escapam [-nos]



Emily Dickinson

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15/05/05

ESCREVER -6

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escrita

"Canta-se o que se perde", estava escrito no poema que relia. Mas não cantava. Limitava-se a escrever, como as avós tinham bordado, para encher as horas dos dias, se propor uma tarefa, uma finalidade que lhe apagasse a frustração e o vazio. Uma escrita, contida, do e no silêncio.»


Luísa Dacosta, O planeta desconhecido e romance da que fui antes de mim

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14/05/05

POEMAS DE AMIGOS -1


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fresco de pietroannigoni -adão e eva


Passo-te, doravante,
De quando em quando,
Os meus dedos pelas
Pálpebras dos teus medos,
E amacio-te o rosto do absurdo.


Violeta Teixeira

(http://www.mgrande.com/weblog/index.php/partosdepandora/)

13/05/05

OMNIA VINCIT AMOR -13

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love's function is to fabricate unknownness

e.e.cummings




hipóteses de tradução:
A função do amor é forjar o desconhecido /é gerar o não conhecimento

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OS MEUS POETAS -26

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IRMANDADE

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima: as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
também sou escritura e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Octavio Paz

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12/05/05

COISAS MINHAS-16

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plácida a sombra atravessa o
limiar do dia
nos interstícios do olhar
a luz espreita
limpa e serena



e nos convida


Amélia Pais

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11/05/05

LER OS CLÁSSICOS - 2

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leonardo da vinci

Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.


Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Francisco de Sá de Miranda (s.XVI)

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10/05/05

DE AMICITIA -11

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DO FALAR POESIA -21

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Um poema é sempre escrito numa língua estrangeira
com os contornos duros das consoantes
com a clara música das vogais
Por isso devemos lê-lo ao nível dos seus sons
e apreendê-lo para além do seu sentido
como se ele fosse um fluente felino verde ou com a cor do fogo
O que de vislumbre em vislumbre iremos compreendendo
será a ágil indolência de sucessivas aberturas
em que veremos as labaredas de um outro sentido
tão selvagem e tão preciosamente puro que anulará o sentido

[das palavras
É assim que lemos não as palavras já formadas
mas o seu nascimento vibrante que nas sílabas circula
ao nível físico do seu fluir oceânico

António Ramos Rosa . Deambulações Oblíquas .

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09/05/05

OMNIA VINCIT AMOR -12

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O amor é a única coisa que a partilha aumenta
Massa Makan Diabaté

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08/05/05

LER OS CLÁSSICOS - 1

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Picasso, Guernica

«É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: — o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.»


Padre António Vieira , s.XVII
Obs.Porque é hoje a data oficial do fim da 2ª Grande Guerra Mundial - há 60 anos - na qual, segundo li, e entre 1939 e 1945, houve 14 000 mortos por dia .E porque, infelizmente. os homens não aprenderam ainda a lição.

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LER OS CLÁSSICOS - introdução

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Inicio hoje uma nova espécie de secção/variante de «os meus poetas» - em que colocarei textos de clássicos, portugueses ou outros.Começo com um texto que, suponho, será o adequado:


PORQUÊ LER OS CLÁSSICOS

Comecemos com algumas propostas de definição:

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou a reler..." e nunca "Estou a ler..." [...]
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.[...]
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando - se como inconsciente colectivo ou individual. [...]
4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. [...]
5. Toda a primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura. [...]
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. [...]
7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). [...]
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe. [...]
9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, mais se descobrem como novos, , inesperados, inéditos, quando são lidos de facto. [...]
10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs. [...]
11. O nosso clássico é aquele que não pode ser-nos indiferente e que nos serve para nos definirmos em relação e se calhar até talvez em contraste com ele. [...]
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia. [...]
13. É clássico aquilo que tende a relegar as actualidade para a posição de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse ruído de fundo. [...]
14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a actualidade mais incompatível.[…]

...não se deve pensar que os clássicos devem ser lidos porque «servem» para alguma coisa. A única razão que se pode aduzir para ler os clássicos é que ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos.


E se alguém objectar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto lhe preparavam a cicuta, Sócrates pôs-se a aprender uma ária na flauta. 'Para que te servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer".


Italo Calvino. Porquê ler os clássicos - excertos do capítulo inicial.

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07/05/05

OS MEUS POETAS -25

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CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone

Tout suffoquant
Et blême quand
Sonne l'heure
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà
Pareil à la
Feuille morte...

Paul Verlaine



[NOTA: considero este poema intraduzível; disponho, contudo, de umas 3 traduções, nenhuma delas me agradando verdadeiramente, nem sendo capaz , eu, de fazer melhor; se alguém as desejar, posso enviar em PVT, a pedido]

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06/05/05

O PRAZER DE LER - 16


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O Livro Desconhecido

Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: " Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!"

Clarice Lispector- in " A Descoberta do Mundo"

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05/05/05

DE AMICITIA - 10

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[………]

Cada prenda de um amigo é uma esperança na tua felicidade; assim é este anel.
Voa, livre e feliz, para além de aniversários, através da eternidade e encontrar-nos-emos de vez em quando, sempre que quisermos, no meio da única festa que nunca poderá terminar"


Richard Bach - in "Não há Longe Nem Distância"

[Este De amicitia é especialmente dedicado a uma grande amiga que hoje faz anos. Com um beijinho de parabéns]


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04/05/05

ARTHUR RIMBAUD

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un grand vaisseau d'or, au dessus de moi,
agite ses pavillons multicolores sur les brises du matin

(Arthur Rimbaud- Une saison en enfer)

OMNIA VINCIT AMOR-11

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Inventário de lugares propícios ao amor

São poucos.
A primavera tem muito prestígio, mas
é melhor o verão.
E também essas frestas que o outono
forma quando interfere com os domingos
em algumas cidades
já de si amarelas como bananas.
O inverno elimina muitos sítios:
gonzos de portas orientadas a norte,
margens de rios,
bancos de jardins.
Os contrafortes exteriores
das velhas igrejas
deixam às vezes vãos
a utilizar, ainda que a neve caia.
Mas desenganemo-nos: as baixas
temperaturas e os ventos húmidos
dificultam tudo.
As leis, além do mais, proíbem
as carícias (à excepção
de determinadas zonas epidérmicas
sem qualquer interesse -em crianças, cães e outros animais)
e "não tocar, perigo de ignomínia"
pode ler-se em milhares de olhares.
Para onde fugir, então?
Por todo o lado olhos de viés,
córneas torturadas,
implacáveis pupilas,
retinas reticentes,
vigiam, desconfiam, ameaçam.
Resta talvez o recurso de andar sozinho,
de esvaziar a alma de ternura
e enchê-la de fastio e indiferença,
neste tempo hostil, propício ao ódio.

Ángel González

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03/05/05

DO FALAR POESIA - 20

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DO POEMA

O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas vegetação. Nem
tão- pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -

o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.

Casimiro de Brito

[Obs.: a imagem é capa de um livro de Viceinte Aleixandre, mas julgo-a adequada]

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02/05/05

ESCREVER - 5


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"Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser. Escrevo sem razão”.-Vergílio Ferreira

O que disseram/dizem alguns dos amigos que me visitam:
Fomos todos convocados por Vergílio. Eu escrevo para me salvar, para não morrer afogado como Flebas, o fenício. E me é sempre difícil fazê-lo, sempre incompleto. Escrevo porque não sei falar. (Oscar Mourave)
*
Escrevemos sem razão, por impulso, porque o nosso EU nos obriga. Ou por muitas e diferentes razões. Eu escrevo, e pouco, para obedecer ao Destino. (Carlos Peres Feio )
*
Escrevemos por tudo e por nada. É isso. (Sílvia Chueire)
*
De mim, diria: Escrevo porque às vezes tenho palavras.

Escrevo contra a força da gravidade. (Soledade Santos)

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Escrevo para eliminar as palavras. (astrophel)

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01/05/05

OS MEUS POETAS -24 - em Dia da Mãe

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mãe


Existirem mães
isso é um caso muito sério.
Afirmam que a mãe atrapalha tudo.
É facto, ela prende
os erros da gente
e era bem melhor
não existir mãe.

Mas em todo o caso-
quando a vida está
mais dura, mais vida-
ninguém como a mãe
pra aguenta a gente
escondendo a cara
entre os joelhos dela.

-O que você tem?-
Ela bem sabe
poréma pergunta
é p'ra disfarçar.
Você mente muito,
ela faz que aceita,
e a desgraça vira
mistério para os dois.

Nâo vê que uma amante
nem outra mulher
entende a verdade
que a gente confessa
por trás das mentiras!
Só mesmo uma mãe...
Somente essa dona
que apesar de ter
a cara raivosa
do filho entre os seios,
marcando-lhe a carne,
sentindo-lhe os cheiros,
permanece virgem-
e o filho também.

Oh virgens, perdei-vos,
pra terdes direito
a essa virgindade
que só as mães têm!

Mário de Andrade

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