28/08/09

LI E RECOMENDO - 10



Os últimos compassos do Bolero são tensos, violentos, quase insuportáveis. O som sobe, enche a sala, agora toda a assistência está de pé, olha para o palco onde os bailarinos rodopiam, aceleram o movimento. Há pessoas que gritam, os tantãs retumbam e sobrepõem-se às vozes. Ida Rubinstein , os bailarinos são fantoches, arrebatados pela loucura. As flautas, os clarinetes, os saxofones, os tambores, os címbalos, os tímbales, todos os instrumentos se flectem, extremamente tensos, até à estrangulação, até quebrarem as cordas e as vozes, até quebrarem o egoísta silêncio do mundo.
A minha mãe, quando me contou a história do Bolero falou-me da sua emoção ,dos gritos, dos aplausos e dos assobios, do barulho. Algures na mesma sala, encontrava-se um homem que ela nunca conheceu, Claude Lévi-Strauss, Como ele, muito mais tarde, a minha mãe confiou-me que aquela música mudara a sua vida.
Agora, compreendo porquê. Se o que significava para a sua geração aquela frase repetida, seringada, imposta pelo ritmo e o crescendo:.O Bolero não é uma peça musical como as outras. É uma profecia. Conta a história de uma raiva, de uma fome. Quando termina em violência, o silêncio que se segue é terrível para os sobreviventes atordoados.

Escrevi esta história em memória de uma jovem que, involuntariamente, foi uma heroína aos vinte anos.-
capítulo final

J.Le Clézio,A música do silêncio, Dom Quixote, 2009

O autor narra a decadência de uma família oriunda da Ilha Maurícia exilada em Paris durante os turbulentos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial, anos marcados pela inconsciência dos cidadãos e dos políticos, pelo anti-semitismo e pelo sofrimento gerado pela guerra.
(da contracapa do livro)

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