24/02/09

Sonho de uma terça - feira gorda



Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros,
[ e negras
eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão constratado pelo sentimento felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava... Que nos penetrava como

[uma espada de fogo...
Como a espada de fogo que apunhalava as santas

[extáticas.

E a impressão em meu sonho era que estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro

[ e luminoso!

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular,
em cores cruas.

Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo,
já tontas e seminuas.

A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negro, negros...
mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria...


Manuel Bandeira

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