27/01/07

LEITURAS - 33




[Chamem-me Ismael]
Chamem - me Ismael.Há alguns anos, quantos ao certo, não importa, com pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e sem nada de especial que me interessasse em terra, veio-me à ideia meter-me num navio e ver a parte aquática do mundo. É uma maneira que eu tenho de afugentar a melancolia e regularizar a circulação. Sempre que na minha boca se desenha um esgar carrancudo; sempre que me vai na alma um Novembro húmido e cinzento, sempre que dou comigo a deter-me involuntariamente em frente das agências funerárias ou a engrossar o séquito de todos os funerais com que me deparo; e, especialmente, sempre que me sinto invadido por um estado de espírito de tal maneira mórbido, que só os sólidos princípios morais me impedem de descer à rua com a ideia deliberada de arrancar metodicamente os chapéus a todos os transeuntes, nessa altura, dou-me conta que está na hora de me fazer ao mar, quanto antes. É o meu estratagema para evitar o suicídio. Catão lança-se sobre a espada com um floreado filosófico; eu, calmamente embarco. Nada há de surpreendente nisto. Embora não se dêem conta, tal como eu, quase todos os homens acalentam, mais tarde ou mais cedo, este desejo de mar.

Planura

A morte parecia ser o único fim razoável para semelhante carreira; mas a morte é apenas um salto para a região do estranho desconhecido; não passa da entrada do imenso remoto, do fantástico, do aquático, do sem alicerces. Assim, para esses homens que suspiram pela morte, mas a não desejam e não podem suicidar-se, o oceano, o participante inúmero e o acolhedor eterno, exibe com sedução os sedutores e inconcebíveis terrores da sua planura; do coração dos Pacíficos infinitos, milhares de sereias lhe cantam:«Vem para cá, coração despedaçado; aqui vivemos uma morte intermédia; aqui podemos ter, sem morrer, maravilhas sobrenaturais. Vem para cá! aniquila-te numa vida odiada pelo seu mundo terreno e que dela penso o mesmo; ofereço ainda mais esquecimento que a morte. Vem para cá! Levanta a tua própria lápide no cemitério, e vem para cá casar-te comigo!»Ouvindo estas vozes vindas do leste e do oeste, da alvorada ao crepúsculo, o espírito do ferreiro respondeu: «Pois bem; aqui me tens!» E foi assim que Perth foi pescar a baleia.
Herman Melville, Moby Dick - excertos

Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons