PENSAR - 20
Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo de que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.
Como posso, assim, viver a felicidade?
Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore.
Debruço-me.
Tenho-a! Mas tenho o quê, entre estes dedos?
Se sou solitário - uma mulher amada, um desditoso companheiro de viagem. Se sou poeta ou prisioneiro - um arco de palavras que com assombro reteso, uma súbita suspeita de liberdade. Se sou ameaçado pela morte ou pelo mar - um animal vivo e quente, coração que pulsa sarcástico; um recife de granito bem sólido.
Sendo tudo isso, é sempre escasso o que tenho!
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Stig Dagerman, A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer - Fenda ed.1995
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