LEITURAS - 165
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Acima de tudo, salta à vista a luminosidade. Luz por toda a parte. Claridade por toda a parte. Sol por toda a parte. Ainda ontem Londres outonal e chuvosa. O avião ensopado. Vento frio e escuridão. E aqui, desde manhã, todo o aeroporto banhado pelo sol, nós todos – ao sol.
Antigamente, quando os homens ainda percorriam o mundo a pé, ou a cavalo ou de barco à vela, a própria viagem preparava-os para a mudança. As paisagens desfilavam lentamente diante dos seus olhos, o cenário do mundo rodava devagar, muito devagar. A viagem durava semanas, meses. Os homens tinham tempo suficiente para se ir adaptando ao novo ambiente, à nova paisagem. Até o clima se alterava por etapas, gradualmente. Antes de chegar ao Equador escaldante, o viajante que partira da Europa fria tinha já deixado para trás o calor ameno de Las Palmas, o calor tolerável El-Mahary e o calor abrasador de cabo Verde.
Hoje, já nada resta dessas gradações. O avião arranca-nos ao gelo e à neve sem pré-aviso e lança-nos ainda no mesmo dia no abismo incandescente dos trópicos. Mal temos tempo de esfregar os olhos e já estamos em pleno inferno húmido. Começamos imediatamente a transpirar. Se chegarmos da Europa em pleno Inverno – tiramos o casaco e despimos a camisola. É este o primeiro gesto de um ritual de iniciação, quando um homem do Norte como nós chega a África.
Ryszard Kapuscinski - ÉbanoTradução de Maria Joana Guimarães
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