21/01/11

LEITURAS - 158



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[O dia em que Nietzsche chorou]


Nunca se poderá determinar com certeza total em que medida nosso relacionamento com o outro é o resultado de nossos sentimentos, de nosso amor, de nosso não-amor, de nossa complacência, ou de nosso ódio, e em que medida ele é determinado de saída pelas relações de força entre os indivíduos. A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a sua pureza, com toda a sua liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar) são as relações com aquele que estão a nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras.[…]

Ao mesmo tempo, surge para mim uma outra imagem: Nietzsche está saindo de um hotel em Turim. Vê diante de si um cavalo, e um cocheiro espancando-o com o chicote. Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explode em soluços. Isso aconteceu em 1889, e Nietzsche já estava também distanciado dos homens. Em outras palavras: foi precisamente nesse momento que se declarou sua doença mental. Sua loucura (portanto seu divórcio da humanidade) começa no instante em que chora sobre o cavalo. É este Nietzsche que amo.

autoresMilan Kundera

em A Insustentável Leveza do Ser

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