12/11/10

LEITURAS - 151

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[...] A noite avança, a minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia eu que ela devia arder? Acaso será possível construir uma cidade como a imagino, a Cidade do Homem? Acaso não dura ela em mim, no meu sonho, apenas porque a penso sem consequências, a imagino, a não vivo, lhe não exijo responsabilidades? Não o sei, não o sei...
Mas o que sei é que o homem deve construir o seu reino, achar o seu lugar na verdade da vida, da terra, dos astros, o que sei é que a morte não deve ter razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens, o que sei é que esta evidência inicial nos espera no fim de todas as conquistas para que o ciclo se feche – o ciclo, a viagem mais perfeita. Não me pergunteis como consegui-lo. O que é evidente
aparece
. Mas nestas noites de insónia em que me vou perscrutando, neste esforço natural como o da terra, em que me vou revelando, eu pude ver, em instantes de fulgor, o que me era, o que me cumpria, o destino que me gravara. E ver é já conquistar, possuir. O terreno é bom, o terreno é este. Não será tempo ainda de construir a minha cidade. Mas é já tempo de saber que se deve construir...Talvez a tua música, Cristina, ajude a mover as pedras; como certa lira de outrora...Eu a sonho, pelo menos, como o ar respirável de um dia, aberto às alturas de um triunfo apaziguado, como a alegria dominadora e sem tumulto de quem chega ao alto de uma montanha...

......Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de fim de verão entra pela varanda [....) Dou a face inteira à inundação da lua, que me corre por este corpo perecível, o trespassa do seu fluido de eternidade, o transmigra ao paíis da legenda. Um grande halo de grandes olhos abertos suspende-se raiado à anunciação da evidência. Sei e não temo Será o temor só dos outros, para os outros, como são deles as palavras? Sei, não talvez como quem conquistou mas como quem se despoja: a minha verdade é o que me sobeja de tudo. Quantos anos ainda à espera? Que caminhos desertos ou de estalagens à espera? Mas o tempo não existe senão no instante em que estou. Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro, senão o que agora me projecto? O meu futuro é este instante desértico e apaziguado. [...] O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo ,vibrando. Como imaginar o futuro?
[...]
lerVergílio Ferreira, Aparição
..................capítulo final

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