19/03/08

POETAS MEUS AMIGOS - 76



Jiang Li


Respondi-lhe que as musas
andam hoje por bares e cafés,
que em nenhuma cidade
conheço um bar com nome Fonte de Castália,
que as musas alta madrugada
enchem as discotecas
onde ninguém as pode ver senão
a dançar com os outros e a beber cerveja
e que a noite se torna insuportável
de vómitos e lixo.
Como quereria ela que eu buscasse
outra musa nos coutos da cidade
poluída de carros e desprezo
por quem não vive e escreve versos?

Sem argumentos, disse
que as musas eram só ficção,
evitando como é seu hábito
olhar-me frontalmente nestas coisas
e mandando recados
contrários aos de Euterpe e banindo Eros,
já que falo de musas e de mitos.

E retorqui: ficção por ficção mais me vale
apelar à memória
e não ficar sozinho sem assunto
para o poema.

Perguntei-lhe se ainda se lembrava
da miúda que eu vira há uns dez anos,
e que lhe tinha dito ser
de todas a mais linda que encontrara
nos caminhos do grande mundo,
íamos no comboio para Weert,
os dois, eu e Jiang Li, a Belo Rio.

Que se lembrava, sim, sem ligar a Jiang Li,
etereamente simples, de blusa branca e jeans.

Não dissemos mais nada, e hoje o comboio
avança sem cessar, dias e noites,
levando Jiang Li pela grande planície,
sem nunca, nem mesmo hoje,
lhe ter escrito um verso.

Nuno Dempster
http://esquerda-da-virgula.blogspot.com/

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