28/08/07

LER OS CLÁSSICOS -72


img:Kandinsky

Trovas às desordens
que agora se costumam em Portugal


Não sei que possa viver
neste reino já contente,
pois a desordem na jente
nã quer leixar de creçer.

A qual vai tam sem medida,
que se não pode sofrer
nam ha hi quem possa ter
boa vida.

Outros nom tem moradia
mais de seis çent’reaes,
os quaes querem ser iguaes
cos fidalgos de valia.

Ja ninguém nã quer usar
da nobreza dos passados,
se nam vinte mil cruzados
ver se podem ajuntar.

Outros vão trazer atados
Hûs lencinhos no pescoço,
que cõ gram pedra nû poço
deviam de ser lançados.

Outros, sem ser mãçipados,
sendo menores de idade,
andam ja cõ vaidade
agravados.

Outros hã por cousa boa
nã ter homens ne cavalos,
e despreçã os vasalos
por se vire a Lixboa.

Os quaes, se fossem lebrados
das pendenças, e das guerras,
folgariam de ter terras,
e criados.

Em qualquer aldeazinha
achareis tal corruçam,
ca molher do escrivam
cuida que he hûa rainha.

E tam bem os lavradores
com suas mas novidades
querem ter as vaidades
dos senhores.

Em Roma, segundo lemos,
ordenaram dous çensores,
os quaes represores
dos vicios e dos estremas.

Assi no tempo presente
nam seria muito mal,
aver hi official
de desenganar a jente.

Duarte de Gama, in Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516)

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