LEITURAS - 47
HELICON, atravessando a cena- Bom dia, Caius.
CALÍGULA, naturalmente- Bom dia, Helicon. (Silêncio.)
HELICON- Pareces fatigado.
CALÍGULA- Andei muito.
HELICON- Sim, a tua ausência foi longa. (Silêncio.)
CALÍGULA- Era difícil de encontrar.
HELICON- O quê?
CALÍGULA- O que queria.
HELICON- E que querias tu?
CALÍGULA- A Lua.
HELICON- O quê?
CALÍGULA- Sim, eu queria a Lua.
HELICON- Ah! (Silêncio. Helicon aproxima-se.)
CALÍGULA- Bem!... É uma das coisas que não tenho.
HELICON- Claro. E agora, está tudo em ordem?
CALÍGULA- Não, não a posso ter.
HELICON- É aborrecido.
CALÍGULA- Sim, é por isso que estou cansado. (Pausa) Helicon!
HELICON- Diz, Caius.
CALÍGULA- Pensas que estou doido.
HELICON- Bem sabes que nunca penso. Sou demasiado inteligente para isso.
CALÍGULA- Já sei. Enfim! Não estou doido, parece-me mesmo que nunca fui tão razoável. Simplesmente, senti de repente necessidade do impossível. (Pausa) As coisas, tal como são, não me parecem satisfatórias.
HELICON- É a opinião geral.
CALÍGULA- É a verdade. Até há pouco tempo, eu não a sabia. Agora, sei. (Sempre natural.) Este mundo, tal como está feito, não é suportável. Tenho, portanto, necessidade da Lua, ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa de demente, talvez, mas que não seja deste mundo.
HELICON- É uma razão de peso. Mas, geralmente, não podemos conservá-la até ao fim.
CALÍGULA, levantando-se com a mesma simplicidade - Que sabes tu disso? É porque nunca a conservamos até ao fim, que nada se alcança. Mas é possível que talvez baste continuarmos lógicos até ao fim. (Olha Helicon.) Li o que estás a pensar. Quantas histórias por causa da morte de uma mulher! Não, não é isso. Suponho recordar-me, é verdade, de ter morrido há alguns dias uma mulher que amava. Mas, o que é o amor? Pouca coisa. Juro-te que esta morte não quer dizer nada, apenas significa uma verdade que torna a Lua necessária. Uma verdade muito simples e muito clara, talvez um pouco estúpida, mas difícil de descobrir e pesada de suportar.
HELICON- E qual é, então, essa verdade, Caius?
CALÍGULA, lasso, num tom lento- Os homens morrem e não são felizes.
HELICON- Ora, Caius, toda a gente passa bem sem essa verdade. Olha à tua volta. Não é ela que nos impede de almoçar.
CALÍGULA, subitamente, numa explosão - Então, é porque tudo à minha volta é mentira, e eu, eu quero que se viva na verdade! E, justamente, tenho meios para os obrigar a viverem na verdade. Porque eu sei o que lhes falta, Helicon. Eles estão privados do conhecimento, porque lhes falta um professor que conheça aquilo que ensina.
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Albert Camus, Calígula
Excerto recolhido in http://www. atravessando o Inverno.blogspot.com
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Albert Camus, Calígula
Excerto recolhido in http://www. atravessando o Inverno.blogspot.com
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