CAMONIANAS - 24
Em defesa de um homem que
também se chamava Luís de Camões
Tornou-se um adjectivo: é o génio,
é a língua, é a pátria, é quanto queiram
os que querem servir-se ou igualá-lo
e, no entanto, viesse ele ao café
sentar-se numa mesa qualquer destas,
nenhum de nós daria o quer que fosse
pelas rugas vincadas dos seus olhos.
Logo lhe temeríamos distúrbios,
cheirasse mal, batesse no empregado,
se acaso não olhasse sem decência
a cantada Senhora, que se despe
não para ele, está visto, para outro,
o cavalo que relincha e a cobrirá
até ouvir não posso mais, acaba,
que a fluidos se reduzem as manhãs,
entre lençóis o cheiro a sexo frio.
E em troca desse olhar escreveria
Quem vê que em branca neve nascem rosas
num qualquer guardanapo de papel,
que é onde se escrevem os poemas
por que toda a mulher suspiraria,
não fosse o garanhão branco de luz
que faz do rio um mar de esperma o peito.
Não fosse. É-o sempre, para bem
de todos no café e não para ele,
que o ser não conta, conta o que ele
escreve numa mesa, e nunca esse óxido
que arredonda as palavras e as torna densas.
Somente a teimosia de arrancar
de si a luz clara e o mundo infindo
vive num guardanapo de café
onde, por cima do ombro, a gente lê
em versos alinhados um soneto
que, de quem escreve, é somente a cinza,
e do nome dela, o espelho conturbado.
E o que se lê é tudo quanto resta
no inútil guardanapo de papel,
se morto não lhe servem as palavras
nem os beijos que sorvem tão vã música.
Nuno Dempster
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