20/08/06

LEITURAS- 19



[....]
- Nunca a lamentes - disse a mulher, colocando a voz, calma e friamente -, tu não tens nenhuma razão. Partiu. Vai voltar. Também precisa de se distrair. Não sejas tão egoísta.
- Que sozinha deve estar - sussurrou Ákos, fixando em frente -, que sozinha.
- Volta amanhã - disse a mulher, afectando indiferença. - Amanhã à noite, já cá está. Então, não vai sentir-se sozinha. Vá, deita-te.
- Tu não compreendes - respondeu o velho, com animosidade. - Não falo disso.
- Então, de quê?
- Do que me dói aqui, aqui - e batia no coração. - Do que tenho aqui. Disto, aqui. De tudo.
- Vem dormir.
- Não durmo - disse Ákos, desafiador. - Por isso é que não durmo. Agora quero, finalmente, falar.
- Pois fala.
- Nós não a amamos.
- Quem?
- Nós.
- Como podes dizer isso?
- É assim - gritou Ákos, e bateu na mesa, como antes. - Odiamo-la. Detestamo-la.
- Endoideceste? - gritou a mulher, que continuava deitada na cama.

E Ákos, para desconcertar ainda mais mulher, escandalizá-Ia,mesmo, levantou o tom de voz, que se partia, esganiçado.
- O que desejávamos era que ela não estivesse aqui, como agora. E nem havíamos de lamentar se a pobre, neste preciso ins­tante...
Não pronunciou a palavra terrível. Mais, assim, ainda era mais terrível do que se tivesse pronunciado. […..]
Ákos continuou:
- Pois não seria melhor assim? Também para ela, pobrezinha.
E mesmo para nós. Saberás o que ela sofre? Só eu sei, só o meu coração de pai sabe. Assim e assado, é como bichanam perma­nentemente nas suas costas, dizem mal dela, fazem pouco. E nós, mãe, o que nós já sofremos. Um ano, dois anos, esperámos, tivemos esperanças, o tempo passou. Julgávamos que era, sim­plesmente, fruto do acaso. Dizíamos que tudo havia de terminar bem. Mas é cada vez pior. Será cada vez pior, e pior, ainda.
- Porquê?
- Porquê? - perguntou também Ákos, e disse, numa voz surda:
- Porque é feia.
[……]
Deszo Kosztolányi , Cotovia – ed.D.Quixote, 2006

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