24/04/06

NOCTURNOS - 2




Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.


Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Fernando Pessoa

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