DA EDUCAÇÃO - 7
Da Poedagogia
Volto a insistir nesta ideia: a poesia pode ter uma função pedagógica. [...] Alguns gregos antigos reconheceram essa função pedagógica da poesia. Jaeger fala-nos de Homero como o «educador do seu povo», referindo que «a não-separação entre a estética e a ética é característica do pensamento grego primitivo.» Acredito nas virtudes de uma educação que compacte a ética e a estética sobre os alicerces da poesia, não tanto pelo valor referencial ou ideal da linguagem poética, mas mais pela sua capacidade de ver para além dos castradores convencionalismos sociais; pelo seu «poder ilimitado de conversão espiritual»; em suma, pela consciencialização de uma liberdade que é inalienável de uma verdadeira compreensão dos outros e do próprio ser.[...] .
[...] Numa cidade real, os poetas desabrocham no meio da gente mais comum, são parte integrante dessa gente. Não vale a pena vê-los de outra maneira, ainda que haja quem julgue o contrário, ou seja, que os poetas são seres extraordinários. Para mim, são tão extraordinários quanto o pode ser um extraordinário calceteiro. Há poetas que escrevem a vida com matizes de corola, asas de passarinho e diáfanas águas a correr sem cessar. São gente, gente tão passível de errar, de pecar, de cometer crimes, como outra gente qualquer. Todavia, o produto do seu labor confere-lhes uma áurea especial. É nesse mesmo produto que reside a tal função pedagógica da poesia. Ou então no próprio labor poético. [....] [...] só o acto de fazer poesia, praticar a poesia, pode, sem dúvida alguma, acrescentar algo de muito valioso ao processo educativo. Porque a poesia coloca o indivíduo na presença da sua originalidade. Tenho uma enorme fé na prática da poesia enquanto treino ideal da sensibilidade, das emoções, da liberdade. A expressividade granjeia na poesia, tal como, refira-se, noutras formas de expressão artística, um espaço privilegiado para o encontro do indivíduo consigo mesmo. E eu estou em crer que a apreensão de certos valores essenciais (como a tolerância, a liberdade, o amor, o belo, etc.) será bem mais efectiva se proceder de dentro para fora e não o contrário. Isto é, acredito que a apreensão desses valores é favorecida se o indivíduo puder encontrá-los dentro da sua própria humanidade, despojando-se de preconceitos e estereótipos através da expressão. Libertando-se pela expressão. Fazendo-se reflectir naquilo que cria. Porque isso fará com que ele passe a acreditar nas suas própria potencialidades humanas. Criando, dando-se, transmutando-se pela palavra, na palavra. Não sei se estarei a ser demasiado ingénuo, mas creio que muitos dos males no mundo advêm precisamente de não ser dada às pessoas a possibilidade de sentirem o prazer da criação. Ao contrário, as pessoas são, desde muito cedo, descaradamente educadas para a destruição, para a obediência, para a reverência, para a normalização. Isso destrói, sobretudo, as próprias pessoas. Embora seja isso o que se pretende na tal cidade ideal, essa cidade que exige aos seus cidadãos a destruição da individualidade em proveito da comunidade. A poesia pode ajudar a transformar o monstro da socialização num saudável exercício de humor: amparando os indivíduos no processo da sua descoberta. Ajudando-os a entender, por si próprios, que é a relação entre as letras, as palavras, os versos, que faz o poema. O poema é o resultado desse encadeamento, dessa música, desse ritmo conjunto. E nesse ritmo conjunto nenhuma individualidade é esgotada pelo todo.
Henrique Fialho - http://www.universosdesfeitos.weblog.com.pt/
(sublinhado meu)
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