10/10/05

DE AMICITIA - 27



Amizade

Damo-nos bem. Eu deixo-o ir à vontade e ele leva-me sempre onde quero.
Platero sabe que, ao chegar ao pinheiro da Coroa, gosto de me aproximar do seu tronco, acariciá-lo, e olhar o céu através da sua enorme e clara copa; sabe que me deleita o carreiro que, entre a relva, leva à velha fonte; que é para mim uma festa ver o rio da colina dos pinheiros, evocadora de uma paisagem clássica. Como é certo adormecer sobre ele, o meu despertar abre-se sempre a um destes aprazíveis espectáculos.
Trato Platero como a um menino. Se o caminho se torna pedregoso e lhe peso um pouco, desço para aliviá-lo. Beijo-o, engano-o, faço-o zangar... Ele compreende que lhe quero, e não me guarda rancor. É tão igual a mim, que cheguei a crer que sonha os meus próprios sonhos.
Platero rendeu-se-me como uma adolescente apaixonada. Não protesta por nada. Sei que sou a sua felicidade. Até foge dos burros e dos homens...

Juan Ramon Jiménez - Platero e Eu - ed.Europa-América, Lisboa
Trad. de José Bento; ilustr.de Bernardo Marques

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