NOTÍCIAS DO ANTIGAMENTE - 7
A guerra colonial: memórias contra o esquecimento
Como todos sabemos, Portugal foi senhor de um vasto império que ,em determinada altura, lhe dava o senhorio de metade do mundo - dizia Camões, tratava-se de um Império que "o Sol logo em nascendo vê primeiro/ Vê-o depois no meio do Hemisfério/ E quando dece o deixa derradeiro" -ou seja, que ia do extremo Oriente [Timor] ao Ocidente [Brasil]. Este Império circunscrevia - se, em 1961, aos territórios de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé, Angola, Moçambique, Macau e Timor. Até essa data tínhamos ainda o chamado Estado Português da Índia (Goa, Damão e Diu).
Éramos já, nessa altura, o último país com posse de territórios coloniais, apesar da doutrina oficial de que se não tratava de colónias, mas de províncias ultramarinas - com o mesmo estatuto do Minho ou do Alentejo.
No entanto, nunca, por exemplo, Salazar visitou esses territórios - e a verdade é que a moeda e muitas das leis desses territórios eram diferentes. Eram governados por Governadores-gerais, nomeados por Lisboa.
De resto a ocupação de tais territórios, principalmente, dos africanos, só se tinha feito verdadeiramente a partir do último quartel do s. XIX, perante a necessidade de os defender da cobiça de outros povos europeus, como a Inglaterra. Até aí, mais não eram, praticamente, que colónias penais, ou, em tempos mais remotos, zonas de captura de escravos ou portos necessários ao comércio com o Oriente..
Nesses territórios as autoridades portuguesas exerciam discriminação sobre os negros, do tipo do 'apartheid' sul-africano, como era o caso de Moçambique; noutros, havia, de facto, legislação especial para os 'pretos', a quem não eram, quase, reconhecidos direitos. No entanto, era-lhes ensinado a História de Portugal, fazendo-os descender dos "avós lusitanos"; e, em Portugal dito Continental, aprendíamos os rios, montanhas e caminhos-de-ferro de Moçambique e Angola...
De resto, em Moçambique, por exemplo, só 1% da população negra era alfabetizada...o que não abona muito em favor de uma obra dita de civilização...Eram, de facto, países que nos forneciam riquezas várias e que, em contrapartida, procurávamos 'desenvolver' economicamente, para nosso proveito. Só depois de 1961 ( e em virtude dos primeiros ataques nacionalistas dos chamados 'indígenas' e, mais tarde,'terroristas') se fundaram universidades em Angola e Moçambique também.
Mas o tempo dos Impérios tinha acabado - em África como, no s. XIX, nas Américas.
Verificaram-se, então, por todo lado, guerras de libertação conduzidas por tais movimentos nacionalistas. E justamente em 1962, Angola assistia às primeiras lutas pela independência, a que se seguiram, em breve, idênticos movimentos em Moçambique e Guiné.
A este justo desejo de independência, reagiu Salazar e o seu governo, encetando uma guerra colonial que se prolongaria até 1974, com perda de vida de milhares de soldados e oficiais, sobretudo milicianos, não de carreira (não me ocorre o nome de nenhum general...) numa guerra que nem todos consideravam justa e a opinião mundial reprovava.
Muitos dos soldados que a fizeram achavam sinceramente que defendiam a pátria e, por isso, o seu sacrifício deve ser respeitado. Afinal eles também foram vítimas de Salazar...e não eram voluntários para essa guerra.
Não era o caso de muitos outros - para além de desertores e refractários, exilados no estrangeiro,(recusavam participar de uma guerra injusta), muitos oficiais de categoria intermédia e um General - o General Spínola - achavam que, - não havendo hipótese de vitória militar, - seria continuar a correr contra os ventos da História - mais valia entrar em negociações políticas aceitáveis e em formas de cooperação futura . Entretanto, para além de perda de vidas portuguesas e africanas, havia histórias de massacres cruéis,entre os quais o de Wiryamu, uma aldeia do Norte de Moçambique queimada com napalm [como no Vietname], e milhares de mutilados, física e psicologicamente.
Para além do mais, não se podia discutir publicamente a guerra - nem sequer na Assembleia Nacional - e a censura à imprensa reforçou-se em tudo o que dizia respeito à guerra - não se passavam, à semelhança do que acontecia com a Guerra do Vietname, ou, mais recentemente, com a guerra do Golfo,e a do Iraque, imagens televisivas, em Portugal. A própria correspondência dos soldados era censurada antes de chegar às famílias.
Porque uma guerra nunca é uma coisa boa, porque uma guerra colonial não era, de modo algum, justa, à luz dos valores de respeito pelos homens e pelos povos, porque a condenação internacional era unânime, se fez em 25 de Abril de 1974 uma revolução - do seu programa constava Descolonizar – Democratizar - Desenvolver. E uma das primeiras tarefas foi mesmo descolonizar - para muita gente numa descolonização necessária, mas 'precipitada' e 'mal feita'. Isso é assunto para discussão ainda, mas é irreversível. E hoje é bom termos tais povos como amigos - até pela língua que adoptaram como sua e pelo passado comum.
Além disso ,é bom saber que, se tudo correr bem a nível internacional, não teremos que fazer mais guerras...E podemos apostar preferentemente na paz e amizade entre os povos e na defesa do nosso habitat natural : a Terra - e na melhoria de condições dos seus habitantes.
Nota:
Mais grave, como se sabe, foi a questão de Timor Leste, que só depois de longo sofrimento e luta contra a ocupação indonésia, viria a tornar-se independente em 2002,como talvez ainda esteja na memória de alguns.
(continua)
Amélia Pais
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