LEITURAS- 81
"Se Emerence acreditava em algum facto, era no tempo, na sua mitologia pessoal, o tempo era a mó de um moinho eterno, cuja moega vazava os acontecimentos da vida no saco que cada um trazia. Ninguém lhe escapava, segundo a crença de Emerence, estava persuadida, mas sem compreender, que moía também o trigo dos mortos e enchia o seu saco, só que havia alguém que trazia a farinha às costas e coziam pão. O meu saco passou por aí uns bons três anos mais tarde, quando os seus sentimentos não se manifestavam já somente sob a forma de afecto, mas igualmente de uma confiança absoluta. Todos confiavam em Emerence, Emerence em ninguém, mais rigorosamente só dedicava umas migalhas de confiança aos seus eleitos, o tenente-coronel, eu, Polett, antigamente, o filho do irmão Józsi, alguns outros, recebendo uns isto, outros aquilo. Confiava a Adélka coisas que lhe diziam respeito, que ela compreenderia, julgava, dizia outras ao tenente-coronel, a Sutu ou ao biscateiro; a mim, no início, contara-me a morte dos gémeos, e só mais tarde soube que, sobre essa matéria, por exemplo, não dissera uma palavra ao sobrinho, que estava de boa fé de que Emerence só tinha um irmão, o seu pai. Como se de nós se quisesse vingar na sepultura, a ninguém se entregara em sua inteireza, devia divertir-se à nossa custa junto dos seus vizinhos mortos, enquanto nós tentávamos reconstruir a sua história, procurando cada um encaixar as respectivas informações nas dos outros. Com ela, levou, pelo menos, três dados essenciais, e podia dar-se por satisfeita, se nos visse, pois não conseguíamos explicar todos os factos e, pelos vistos, jamais conseguiríamos."
Magda Szabó,A Porta
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