12/11/06

ESCREVER - 42




O homem que queria ser escritor


Tinha começado a ler livros escritos por exilados: Ovídio, Nabokov, Brodsky, Rushdie, Kundera.Escritas estranhas, doridas, separadas, mas não isentas de humor.Lembrou-se do quanto tinha sonhado em ser escritor.Sentou-se à mesa, puxou de um molho de folhas - folhas que vinham com as revistas de que era assinante, com o nome e a morada de um lado, brancas do outro - escrevia nelas como se as dirigisse a si próprio - e resolvendo ser metódico, tratou de elaborar uma lista dos obstáculos que o impediam de ser escritor.Primeiro que tudo, uma imaginação pobre. A medida da sua pobreza revelava-se-lhe quando, com a maior euforia, descobria os mundos revelados pelos escritores que lia... o que acontecia com quase todos, diga-se a verdade.Em segundo lugar, uma vida interior lenta, pesada, asfixiada. Tudo o que escrevia (que era sempre irrisoriamente pouco) saía com dificuldade e aos tropeções, esgotando-o passado pouco tempo. Na realidade, era um homem sem narrativas.Finalmente, a consciência de que os outros iriam sempre olhar com piedade o que ele escrevesse, associada a uma imensa preguiça, fazia com que nunca terminasse o que começava.Olhou então para a página meio vazia, sabendo que nunca a iria conseguir preencher com o que quer que fosse de interessante. Não, pelo menos para ele próprio. E seguramente que não para os outros.Pousou a caneta e voltou aos textos escritos por exilados: Mehmed Uzun, Bei Dao, Bashkim Shehu, Svetlana Alexievitch,...

Rui Monteiro

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