24/10/06

LEITURAS - 25






A abrir:

Eu abandono Roma
Os camponeses abandonam a terra
As andorinhas abandonam a minha aldeia
Os fiéis abandonam as igrejas
Os moleiros abandonam os moinhos
Os montanheses abandonam os montes
A graça de deus abandona os homens
Alguém abandona tudo.





Dedicatória

Dedico todas estas histórias aos camponeses
Que não abandonaram a terra
Para encher os nossos olhos de flores na primavera




Uma das histórias:

As velas inclinadas

Com violetas na boca e falando de andorinhas que fazem o ninho nos currais para comerem os mosquitos que voam em torno das vacas, chegámos a uma igrejinha guardada por dois irmãos e uma irmã.
Abriram-nos a porta e vimos que o pavimento estava coberto de velas, pequenas e grandes, pegadas ao chão com gotas de cera. As velas estavam todas com as pontas apagadas viradas para o altar, em devoção, porque lá em cima há um quadro redondo com dois vidros tendo à mostra um fio de palha.
Conta-se que um soldado cristão, há mil anos, tornando a casa após a guerra para libertar Jerusalém, roubara um punhado de palha do estábulo onde nasceu o Menino Jesus. Depois vendeu-a pela Itália fora juntamente com um tipo que tinha o osso de um santo e o fazia tocar às mulheres que queriam ficar grávidas.
Os três irmãos acendem as velas todas uma vez por semana com uma cana comprida que tem uma mecha na ponta. Olham um pouco aquele fio de palha, fazem o sinal da cruz, e depois sopram ao mesmo tempo para apagar tudo. Dentro da igreja fica por dois ou três dias a névoa do fumo.

Tonino Guerra -O Livro das Igrejas Abandonadas, Assírio & Alvim, 1997
tradução: José Colaço Barreiros


Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons