OS MEUS POETAS - 45
Não sou o herói do dia
Não sou o herói do dia.
A vida me obrigou
a comparecer, sem convite, ao banquete,
em que me vejo, agora, erguendo a taça,
não sei a quem.
Soldado que lutou sem querer, por força
do original pecado,
e em cujo peito não fulgura,até hoje,
nenhuma
condecoração.
Não sou o herói do dia.
Passei pela vida
como quem passa
por um jardim público,
onde há uma rosa proibida
por edital.
A rosa de ninguém, a rosa anônima
que aparece jogada sobre o túmulo
do desconhecido, todas as manhãs.
É bem verdade que, em menino, eu possuía uma banda de música
que tocava no circo, acompanhava enterro,
que tomava parte em procissão de encontro
e nos triunfos da legalidade.
Hoje, porém, - pergunto -, onde o pistão, o bombardino, o saxofone, a flauta,
a clarineta,
os instrumentos todos
dessa banda de música?
Todos quebrados, os respectivos músicos caídos
num só horizonte.
Minha banda de música, se existe,é agora
de homens descalços e instrumentos mudos.
Não sou o herói do dia.
Ah, o silêncio
de alguns amigos que deviam falar e não falam.
O grande silêncio
da banda de música que devia tocar e não toca.
O silêncio espantoso
de quem devia estar gritando
desesperadamente, e ficou quieto.
E ficou quieto, sem explicação.
Maestro, não é hora de tocar-se o hino nacional?
Ah, positivamente,não sou o herói do dia!
Cassiano Ricardo (1895-1974)
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