LER OS CLÁSSICOS - 20
Ingres
[Sedução de Júpiter por Vénus]
[...]
34
E, como ia afrontada do caminho,
Tão fermosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho
E tudo quanto a via, namorava.
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do Fogo a Esfera, fria.
35
E, por mais namorar o soberano
Padre, de quem foi sempre amada e cara,
Se lhe apresenta assi como ao Troiano,
Na selva, Ideia já se apresentara.
Se a vira o caçador que o vulto humano
Perdeu, vendo Diana na água clara,
Nunca os famintos galgos o mataram,
Que primeiro desejos o acabaram.
36
Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava e não se via;
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Minino as almas acendia.
Polas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.
37
Cum delgado cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo;
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, pera que o desejo acenda e dobre,
Lhe põe diante aquele objecto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.
[…]
42
E destas brandas mostras comovido,
Que moveram de um tigre o peito duro,
Co vulto alegre, qual, do Céu subido,
Torna sereno e claro o ar escuro,
Às lágrimas lhe alimpa, e, acendido,
Na face a beija, e abraça o colo puro;
De modo que dali, se só se achara,
Outro novo Cupido se gerara.
[...]
Camões - Os Lusíadas,II, 34 e ss.
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