06/04/05

DE MENINA E MOÇA OU LIVRO DAS SAUDADES

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«MENINA E MOÇA...
...me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. .Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha.[......]
Isto me pôs em dúvida de começar a escrever as cousas que vi e ouvi. Mas depois, cuidando comigo, disse eu que arrecear de não acabar de escrever o que vi, não era causa para o deixar de fazer, pois não havia de escrever pera ninguém senão pera mim só, ante quem cousas não acabadas não havia de ser novo. Que quando vi eu prazer acabado ou mal que tivesse fim?
[.....]
Se em algum tempo se achar este livro de pessoas alegres, não oleiam. Que, por aventura, parecendo-lhe que seus casos são mudáveis como os aqui contados, o seu prazer lhe será menos prazer.[.....]
Os tristes o poderão ler, mas aí não os houve mais, depois que nas mulheres houve piedade. Nas mulheres, sim, porque sempre nos homens houve desamor.[.....]
Para ua só pessoa podia ele ser, mas desta não soube eu mais parte, depois que suas desditas e as minhas o levaram para longes terras, onde bem sei eu que, vivo ou morto, o possui a terra sem prazer nenhum.
Meu amigo verdadeiro, quem me vos levou tão longe? Que vós comigo e eu convosco, sós soíamos passar nossos nojos grandes, e tão pequenos para os de depois! A vós contava eu tudo. Como vós fostes, tudo se me tornou tristeza, nem parece senão que estava espreitando já que vos fôsseis.
[.....] Coitada de mim, que estou falando e não vejo ora eu que leva o vento as minhas palavras, e que me não pode ouvir a quem falo! [.....]
Bernardim Ribeiro

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