03/03/05

INESIANAS - 13





COMO FOI TRELLADA DONA ENES PERA O MOESTEIRO DALCOBAÇA, E DA MORTE DELREI DOM PEDRO.


A tua morte é para mim a morte. A vida é hoje alguém que
conhece a tua ausência, rosa abandonada sobre a pedra.
Caminho para ti, pálidos os lábios, escuro medo de gigantes e
abismos. Ouves? O vencível corpo sombra de outro corpo,
uma grande calma, inabitada ave.


Color albus eum decet senhor - assim lhe disse Pedro
entre círios acesos. Tudo tinha ficado em perfeito estado. Os
estábulos estavam cheios. Havia grão de trigo nos celeiros,
palha e feno nos alpendres. Um cavalo andava no átrio. Era
um velho cavalo. Se quisesse poderia lançar fogo à
seara aos bosques. Mas não queria. Porque dez anos nunca houve
como estes, dizem as gentes sob o vento de nevoeiro.


Entre círios, ouve-nos senhor, com a brevidade de quem acorre a

uma criança que cortou as mãos,
de ti só quero o tempo, o lento desfazer dos olhos,
Entre círios


nunca cessava de enviar recados «color albus eum decet senhor»,
as folhas de mirto cobrirão a branca liquidez dos dedos, o
local que foi rosto - e nenhuma das bestas terríveis surgirá
mortos coroados de inacabadas rosas. Os aspectos perdidos
pelo começo de janeiro
pela madrugada de janeiro,
Por que semelhante amor.


João Miguel Fernandes Jorge - Crónica

imagem: pormenor do túmulo de Inês, em Alcobaça


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